5 Poemas de León-Gontran Damas (Guiana, 1912-1978)

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Apresentação: Floriano Martins
Tradução: Leda Rita Cintra

Nos anos 1940 o poeta León-Gontran Damas fundaria, ao lado de Aimé Césaire e Leopoldo Sédar Senghor, o primeiro da Martinica, o segundo de Senegal – coincidindo com a residência dos três em Paris –, uma corrente literária conhecida como Negritude cujo motor central buscava a valorização da cultura negra, em face da opressão sofrida pela colonização francesa. O termo, embora criado por Aimé Césaire, posteriormente seria descartado, por ser considerado racista. León-Gontran Damas nasceu na Guiana Francesa em 1912. A exemplo de seus dois companheiros de jornada criativa, ele também se envolveu com a política, tendo sido deputado. Viveu uma parte de sua vida em Paris, vindo a estudar idiomas como japonês, russo e baolê. Sua profunda paixão pelo jazz daria à sua poesia uma intensidade rítmica bastante peculiar. Seu interesse pelo Surrealismo é despertado ao conhecer o panfleto Légitime défense, de André Breton. Seu livro Pigments (1937), prefaciado por André Gide, chegou a ser traduzido a vários idiomas, gerando uma positiva repercussão internacional de sua poesia. Entre seus livros, cabe destacar Graffiti (1952), Black-Label (1956), e Névralgies (1966).


SOLDO

Para Aimé Césaire

Eu tenho a impressão de ser ridículo
em seus sapatos
em seus smokings
em seu plastron
em seu colarinho falso
em seu monóculo
em seu chapéu melão

Eu tenho a impressão de ser ridículo
com meus dedos dos pés que não são feitos
para transpirar da manhã até à tarde que me despe
com o cueiro que enfraquece os membros
e tira de meu corpo a beleza do tapa sexo

Eu tenho a impressão de ser ridículo
com meu pescoço feito a chaminé de uma usina
e esses males de cabeça que cessam
toda vez que eu saúdo alguém

Eu tenho a impressão de ser ridículo
em seus salões
em suas maneiras
em seus salamaleques
em sua múltipla necessidade de macaquices

Eu tenho a impressão de ser ridículo
com tudo o que eles contam
até que à tarde lhes sirvam
um pouco de água morna
e doces frios

Eu tenho a impressão de ser ridículo
com as teorias que eles temperam
ao gosto de suas necessidades
de suas paixões
de seus instintos abertos à noite
em forma de capachos

Eu tenho a impressão de ser ridículo
entre eles cúmplice
entre eles cafetão
entre eles estrangulador
as mãos assustadoramente vermelhas
do sangue da sua ci-vi-li-za-ção


ELES VIERAM ESSA NOITE

Para Léopold Sédar Senghor

Eles vieram essa noite em que o
tam
              tam
                           rolava de
                                              ritmo
                                                               em ritmo
                                                                               o frenesi
dos olhos
o frenesi das mãos
o frenesi
dos pés das estátuas
DEPOIS
desde quantos de MIM MIM MIM
estão mortos
desde que eles vieram essa noite em que o
tam
                tam
                               rolava de
                                                  ritmo
                                                                 em ritmo
                                                                                 o frenesi
dos olhos
o frenesi
das mãos
o frenesi
dos pés das estátuas


HÁ NOITES

Para Alejo Carpentier

Há noites sem nome
há noites sem lua
em que até a asfixia
úmida
me traz
o acre odor de sangue
jorrando
de qualquer trompete tocada

Noites sem nome
noites sem lua
o sofrimento que me habita
me oprime
o sofrimento que me habita
me sufoca

Noites sem nome
noites sem lua
em que eu gostaria
de poder não mais duvidar
tanto me obceca esse desgosto
uma necessidade de evasão

Sem nome
sem lua
sem lua
sem nome
noites sem lua
sem nome sem nome
em que o desgosto se ancora em mim
tão profundamente quanto um belo punhal malaio


SHINE

Para Louis Armstrong

Com os outros
dos arredores
com outros
alguns raros
tenho no topo da minha caixa
até agora guardada
a ancestral fé cônica

E a arrogância automática
das máscaras
das máscaras de lima viva
que nunca jamais conseguiram retirar
de um passado mais horrível
de pé nos quatro cantos de minha vida

E meu rosto brilha nos horrores do passado
e meu riso assustador é feito para afastar o espectro dos galgos perseguindo o abandonado
e minha voz que por eles canta
é doce para encantar
a alma triste de sua por-
                                                            no-
                                                                         gra-
                                                                                       fia

E vela meu coração
e meu sonho que se nutre do barulho de sua
de-
                   ge
                                   ne
                                                    rescência
é mais forte do que seus clubes de imundícies
brandidas


SAVOIR-VIVRE

Para Etienne Zabulon

Eles não bocejam na minha casa
como bocejam na casa deles
com a mão sobre a boca

Quero bocejar tra-la-lás
o corpo recurvado
nos perfumes que atormentam a vida
eu me torno
um nariz de cachorro de inverno
do seu sol que não poderia nem mesmo aquecer
a água de coco que fazia gluglu em meu ventre ao acordar

Deixe-me bocejar
a mão

sobre o coração
obcecado por tudo
que acabei de dar
as costas em um dia

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