3 Poemas de Manuel del Cabral (República Dominicana, 1907-1999)

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Curadoria e tradução de Gladys Mendía

Manuel del Cabral (Santiago de los Caballeros, 1907 – Santo Domingo, 1999). Escritor dominicano, uma das figuras mais representativas da literatura caribenha. Devido à sua condição de diplomata, residiu nos Estados Unidos, Chile, Colômbia, Argentina e Espanha, entre outros países, e interagiu com grandes figuras da intelectualidade mundial. Junto com o porto-riquenho Luis Palés Matos e o cubano Nicolás Guillén, é considerado um pioneiro da poesia negrista. Seu livro Trópico Negro (1942) posiciona-o como o poeta que com mais profundidade aborda a exploração dos negros africanos; mas sua obra-prima é Compadre Mon (1943). Anteriormente havia publicado Pilón (1931), Color de Agua (1932) e Doce Poemas Negros (1935), volumes de versos que refletiam seu interesse popular e suas preocupações sociais e indigenistas. Mais tarde, com os livros de poesia Los Huéspedes Secretos (1951), Sexo y Alma (1956) ou Los Anti-Tiempos (1967), incursionou em novos temas, especialmente numa visão poliédrica do amor carregada de erotismo, alternando com a reafirmação de seu compromisso político em composições como as de La Isla Ofendida (1965), em defesa da revolução cubana. Sua produção como contista é bastante ampla e apreciada pelo público e pela crítica. Como romancista, por outro lado, não foi prolífico nem teve tanto êxito; nos anos 70 publicou os romances El Escupido (1970) e El Presidente Negro (1973), sem que os resultados se aproximassem dos obtidos em suas outras facetas intelectuais. Também praticou o ensaio, campo no qual se mostrou sagaz e, às vezes, cáustico, e verteu suas memórias no livro autobiográfico Historia de mi Voz (1964); muito menos conhecida é sua afinidade pela pintura. Considerado por Gabriela Mistral um dos quatro grandes poetas da América (os outros eram Rubén Darío, César Vallejo e Pablo Neruda), Manuel del Cabral viu sua trajetória reconhecida com a concessão do Prêmio Nacional de Literatura da República Dominicana (1992).


OS HOMENS NÃO SABEM MORRER

Os homens não sabem morrer…
Uns morrem não querendo a morte;
outros
a encontram num beijo, mas sem estatura…
outros
sabem que quando cantam não lhe verão a cara.

Os homens não morrem completos,
não sabem ir-se inteiros…
Uns distribuem na viagem seus retalhos de morte;
outros
deixam o ódio para quando voltarem…

Outros vão tocando o corpo
para saber se saem da armadilha…

Os homens não sabem morrer…
Uns vão deixando seu eu sem compreendê-lo;
vão deixando lixo para escória esotérica;
outros
se viram para dentro diante do vazio…

Mas todos,
com o cadáver do seu tempo ao ombro,
todos,
todos são o Um,
o Um
que só por amor volta à terra.


MINHA SANGUE

Tantos rios que soltaram
debaixo da minha pele. Mas não sei
por que o que me golpeia
sendo água tem sede.

Viajante que dentro do peito
a cavalo sempre vais.
Pela ferida sais, mas…
não acredito que para descansar

É estreita a saída
para aquilo que se vai.
Vai o rio para onde, se o rio
a sede não tira do mar?
Viajante que dentro do peito
ouço que queres beber…
Para quê, se és a fonte,
para quê corres com sede?
Tu galopas aqui dentro
como querendo chegar…
Mas para onde vais, viajante,
se és tu a eternidade?


TOM QUARTO

Eu lembro, Darío, que lá na minha adolescência,
eu dizia essas coisas cheias de transparência.
Essas mesmas que agora têm outro aroma,
apesar daquele bafo dos teus bois de infância.
Mas por entre a névoa das minhas barbas de colina
me saem as lembranças, frescas como pombas.
Assim, Rubén, como uma mão dá trigo,
o passado cai dos meus lábios, e digo:
Era o tempo em que tinha
pezinhos-aviões
ante o fantasma da polícia.
E madrugava a nossa fantasia
para roubar centavos,
antes que a manhã
atrás da fragrância morna da padaria,
fosse de porta em porta
pela rua aldeã.
Branca de mundo e de cuidados vãos
fugias de mim quanto mais eu crescia,
igual ao balão que se me rompia
se muito o lançava entre as minhas mãos.
E tu, como aquele balão, te puseste a crescer.
Hoje já não posso, infância, correr como corria.
Pesa-me tanto o homem que não posso correr.
Já vês Rubén, aquilo, foi sempre manso, bom:
corria com a chuva, tremia com o trovão.
Tu também te lembras?
A barriga nua escorria de mel,
enquanto os estaleiros de dedos do avô
de vez em quando fabricavam barquinhos de papel.
Era um brinquedo o tempo. Mas, depois, à coisa,
como tu já sabes, puseram
mais espinho que rosa.
Eu não te estou dizendo que hoje existe um Átila,
mas tem parentes… Os que veem as minhas pupilas.
Não sentes um cavalo, e a grande capa negra
de um cavaleiro que corre pisoteando este mapa?
Isso põe a infância a crescer de repente,
o mesmo que de súbito cresce uma água de fonte.
E que podem os Sócrates? Que podem os Daríos,
quando como tremores subterrâneos
passam patas equinas que fazem brotar um rio
de veias de choro sobre campos de crânios?
Enquanto nas esquinas, de uma cidade remota,
a novela de um braço que ergue uma mão partida,
dando cordas a um fraco monótono realejo,
oferece à infância seu castelo sonoro,
algo que já não têm os homens da terra,
hoje que fazendo as pazes, é que fazemos a guerra
Amanhã lutaremos sem ir à batalha,
pois é a que nos mata, a guerra que se cala,
e só encontraremos -se algo encontramos feito-,
à morte perfeita como um ódio no leito.
Mas agora não quero seguir com estes detalhes,
deixa-me que te fale de novo das minhas coisas,
tal como se de repente te encontrasses pela rua
uns sapatos rotos…
onde um canário tem o seu mais confortável ninho
de poeta remoto…
Assim, Rubén, ontem, e talvez com razão,
disse coisas estranhas ao meu Compadre Mon.
Por exemplo:
Ouve, Mon, um dia, ensinou-me a ser poeta
o retalho de céu de um velho beco,
que sendo tão pequeno, me alargou o coração.
Limpo como os ventos da mó aldeã
saí nu em carne de consciência,
e parece que tenho a manhã na mão.
Hoje o homem pode ver-me pela minha janela aberta.
Achar-me-á transparente como a água com céu.
Foi a manhã que me ensinou a fazer a minha casa!
Já vês, Rubén, já vês. Estas coisas só as pôde
escrever a mão de uma vida que tem
ainda tudo nu.
Como me farei contigo, infância, que de novo,
como um traje já velho, mas querido, uso?
Nunca deixei de usar-te. Ainda te levo.

Choras uma água tão clara,
que não parece dor.
Hoje está triste a tua cara.
Mas não o teu coração.

Olha um menino que corre pela praia, parece
que o outro menino, o mar, fala com ele, e cresce.
Aí enche de cosmos a sua voz a concha,
onde nos fala em seco só Deus, da onda.
Aí, também, oh mar, só tu, sem nascer!
Porque ao nascer tão grandes
não te vimos crescer.
Oh tu que não te apodreces, primavera do gnomo:
soma só do quando, segredo fiel do como.
Assim, Rubén, tu rondas, tão transparente e forte
que de pé já te vemos, tu velando à Morte.

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