Curadoria e Tradução de Gladys Mendía
Francisco Pérez-Maricevich (Cidade de Assunção, 1937-2022). Poeta, ensaísta, narrador, jornalista e crítico literário. Licenciado em Filosofia e Letras pela Universidade de Buenos Aires (1960) e professor de literatura em vários institutos secundários e universitários de Assunção, Francisco Pérez-Maricevich também contribuiu com importantes trabalhos no campo da investigação do bilinguismo (espanhol-guarani) em seu país. De fecunda labor criativa e crítica, colabora regularmente em revistas, semanários literários e publicações especializadas nacionais e estrangeiras. Sua obra poética inclui os poemários Axil (1960), Paso de hombre (1963), Coplas (1970) e Los muros fugitivos (1983). Em narrativa é autor de El coronel mientras agonizo – relato vencedor do concurso promovido em 1966 por Cuadernos (do Congresso pela Liberdade da Cultura) para a escolha do melhor conto paraguaio com destino a uma antologia hispano-americana – assim como de outras narrativas publicadas em diversos suplementos culturais e antologias literárias. De posterior aparição é Memoria de Pascual Ruiz (1998), seu primeiro livro de contos. De sua copiosa bibliografia ensaística e crítica destacam-se, em particular, seus trabalhos sobre literatura paraguaia que incluem, entre outros: La poesía y la narrativa en el Paraguay (1969), Pequeño diccionario de literatura paraguaya (1964-1969 e 1980; parte deste trabalho ainda está inédito), Breve antología del cuento paraguayo (1969), Los fuegos de la noche (1985) – coleção de mitos tupí-guaranis e nivaclés –, Panorama del cuento paraguayo (1988), Mitos indígenas del Paraguay (1996) e Mitos y leyendas del Paraguay (1998).
1
A folha verde. O meio-dia
ardendo.
Oh nudez perfeita! O ser
brilhante, o ser
inchado no pequeno.
Já nada existe fora
desta diminuta
plenitude.
Oh sílaba de Deus
movendo-se no ar trêmulo!
Já é
pura existência clara,
já é presença
total
em seu limite vivo, palpitante,
sustentando-me, prendendo-me,
e isolando-me
em si…
Ilha de Deus cantando ao meio-dia!
2
Os grãos de areia do tempo
caindo,
deslizando-se…
Os dias
–peixes frios
vorazes-
e a dor como um rio interminável.
E este homem
–silêncio, podridão,
com seus olhos,
suas pernas,
seus pobres trajes,
seus sapatos sujos… –
procurando
–não sabe o quê- entre a sombra fria.
(Como um gato à noite
cheio de filos vai
passando Deus entre os ossos…)
3
O medo,
gato preto emergindo da sombra,
espera
nos quartos dos homens.
(Não o vereis entrar, não ouvireis seu passo).
O medo, só o medo,
com seus agudos
intermináveis dentes frios
roendo-nos os ossos,
ferindo-nos
as carnes assustadas,
o sangue,
o desviado, putrefato sangue.
Oh os quartos dos homens!
Quatro paredes,
teto,
janela e porta
para o vazio…
E dentro -oh tempo ferido!
(não o vereis entrar, não ouvireis seu passo)
um golpe surdo, um engolir,
silêncio, nada…
4
O homem vai
entre suas coisas
lançando sombras, sangue,
golpes.
Ninguém lhe responde.
Ninguém o acompanha.
A vida
–fera enjaulada–
Uiva
despedaçando tempo.
…Lançando sombras, sangue,
golpes.
5
O homem é frio e duro.
Tem papéis,
Nome
e anda arquivando dias
sob sua pele
de rato perseguido.
Pensa e sofre e se ira,
depois esquece e vai-se
cansando as ruas
atrás do escondido
das pobres,
anoitecidas
mulheres assustadas.
Cansa-se depois e dorme,
e depois dorme
e dorme
sonhando com batalhas, com leões
e nus reluzentes…