5 Poemas de Ida Vitale (Uruguai, 1923)

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Curadoria e tradução de Gladys Mendía

Nascida em 1923, Ida Vitale é uma poeta, ensaísta, professora universitária, tradutora e crítica literária natural de Montevidéu, Uruguai, criada no seio de uma família de imigrantes italianos. No Uruguai, Vitale estudou humanidades e trabalhou como professora. É considerada parte da geração de 45, um movimento de escritores e artistas uruguaios que emergiu na cena pública entre 1945 e 1950. Entre os membros deste movimento destacam-se Ángel Rama, primeiro marido de Vitale, e Mario Benedetti. Ao longo dos anos sessenta, ela dirigiu várias publicações periódicas no Uruguai, como o jornal Época e as revistas Clinamen e Maldoror. Devido à repressão da ditadura uruguaia, que governou de 1973 a 1985, Vitale foi obrigada a se exilar no México em 1974. Lá, conheceu Octavio Paz, que lhe abriu as portas do mundo editorial e literário mexicano. Embora tenha retornado ao Uruguai em 1984, mudou-se para o Texas em 1989 com seu segundo marido, o poeta Enrique Fierro. Residiu lá até 2016, quando enviuvou. Atualmente, vive no Uruguai.


ANDREA IMAGINÁRIO

Mistérios

Alguém abre uma porta
e recebe o amor
em carne viva.
Alguém adormecido às cegas,
aos surdos, sabendo,
encontra em seu sonho,
cintilante,
um sinal rastreado em vão
na vigília.
Entre ruas desconhecidas caminhava,
sob céus de luz inesperada.
Olhou, viu o mar
e teve alguém para mostrar.
Esperávamos algo:
e desceu a alegria,
como uma escada prevenida.


Uma Mulher

Durou longas horas convulsivas
o trabalho de parto,
entre gestos inúteis alheios
e gemidos e pedidos.
Uma menina, a primeira, nasceu.
Bordou, bordou, bordou a tela branca,
com diminutos pontos de cores,
cheios da alegria que apenas ela imagina.
A dor nas costas dói,
os olhos já não olham o horizonte,
apenas o desenho obsessivo.
Finalmente, termina o quechquemitil.
Planta e arranca e desgrana, mói,
pica e mexe,
seu rosto é roubado,
as mãos cobertas de cicatrizes claras.
Seu cabelo se entrelaça, sem cor
ou brilho, e sua carne cede.
Às vezes sonha (o quê?)
às vezes pensa (talvez?),
quase nunca lembra.
É uma região pronta
para acolher a morte,
no dia exato,
como uma ovelha perdida na noite.


Reunião

ERA uma floresta de palavras,
uma emboscada chuva de palavras,
uma vociferante ou taciturna
convenção de palavras,
um musgo delicioso sussurrante,
um estrépito tênue, um arco-íris oral
de possíveis oh leves leves dissonâncias leves,
era o a favor e o contra,
o sim e o não,
árvores multiplicadas
com voz em cada uma de suas folhas.
Nunca mais, dir-se-ia,
o silêncio.


Fortuna

Por anos, desfrutar do erro
e de sua emenda,
ter podido falar, caminhar livre,
não existir mutilada,
não entrar ou sim em igrejas,
ler, ouvir a música querida,
ser à noite um ser como de dia.
Não ser casada em um negócio,
medida em cabras,
sofrer governo de parentes
ou lapidação legal.
Não desfilar nunca mais
e não admitir palavras
que coloquem no sangue
limaduras de ferro.
Descobrir por si mesma
outro ser não previsto
na ponte do olhar.
Ser humano e mulher, nem mais nem menos.


O quadrado da distância

Não importa se estás
no palco do verão
no centro de seus desafios.
Distante de seus fogos
vai caminhando sozinha,
entre estátuas nevadas
pelas pedras da Ponte
de Carlos, infinito.
Te vês caminhar,
te vês olhando como o gelo se forma
em ilhas efêmeras,
corre rio abaixo,
afunda em um ponto
longe daqui

o quê aqui? –
entre novas margens.
O relâmpago é indescritível.
Volta então no sentido contrário,
recupera usos e costumes,
o mar,
a areia morta,
esta clareza,
enquanto puderes.
Mas guarda no sangue
como um peixe,
o doce fragor do distante.

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