5 Poemas de Lilliam Armijo Martínez (El Salvador, 1984)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Lilliam Armijo Martínez (San Salvador, El Salvador, 1984) é uma poeta salvadorenha. Estudou em El Salvador sua educação primária e secundária no Colégio Externado San José. Em 2002, realizou seus estudos universitários em Relações Internacionais em San José, Costa Rica. Em 2008, recebeu a bolsa Miguel de Cervantes para estudar seu mestrado na Universidade Alcalá de Henares e no Instituto Ortega y Gasset, em Madri. Ao concluir seus estudos em Madri, obteve novamente uma bolsa do PNUD através da Agência Espanhola de Cooperação para trabalhar nas Nações Unidas em Bangkok, Tailândia, onde residiu por 5 anos. Em 2013, mudou-se para Dakar, Senegal, onde trabalhou para a ONG Save the Children até 2017 e atuou como Oficial de Comunicações para a África Ocidental. Atualmente, reside em Viena, Áustria, e dedica-se à escrita de poesia e literatura infantil. Armijo faz parte do GRELISAL (Gremio de Literatura Infantil de El Salvador).


BOSQUE DE PRATA

A água corre pelos pântanos no inverno,
busca a floresta sombria no meio da cidade,
quer encontrar um caminho na neve,
faz recuar a geada nas folhas vencidas.

Em meu passeio, o vi fugir, correr para o leste,
sem esperar por ninguém, seu corpo repleto
de morte, azul e vermelho por causa das afogadas flores.

Flutua o lírio, flutua rio abaixo sobre o Danúbio,
e se choca no asfalto feito de água.
Eu teria querido correr tão veloz quanto ele.

Eu teria querido me perder na Floresta de Prata.
Eu teria querido ser uma lua afogada
nas águas inúmeras.

Abro meus olhos no meio da noite.
Entre a escuridão, imagens incertas aparecem,
objetos extraviados, sons pontuais.
Ouço meus passos que batem no parquê,
meu peso já não é meu, sou uma sombra, um fantasma
que desaparece atrás da porta aberta
e foge pelos telhados, evadindo da luz tênue
das lâmpadas, através do silêncio apenas disperso
pelo ruído do rio que deixa a cidade,

pelo ruído do rio que grita enquanto desce até a floresta
como um caçador que imita o grasnado do corvo,
o estalar do cervo e a curva da serpente.


O FORASTEIRO

Há um homem que me vigia. O homem
é uma tempestade de granizo que deixou
pequenos pedaços de gelo sobre o pavimento.
O homem nasceu naquela tarde de primavera.

O homem usa um suéter e tênis para caminhar
e se agacha para amarrar os cadarços
e se levanta.
Ele tem me esperado. Seu cabelo marrom
já o vi muitas vezes antes,
num país onde todos têm o mesmo rosto.

Há algum tempo, durante os bombardeios,
outros como ele se acreditavam arcanjos de uma terra prometida.

O homem que me vigia e eu
viemos do mesmo lugar,
possuímos os mesmos olhos afundados no deserto,
as mesmas cicatrizes nos braços, o mesmo hálito
descendo pelas calçadas que deixamos para trás,
um rastro de violetas estragadas na chuva,
escarros semelhantes a corações ultrajados.

Acelero meus passos para me afastar até entender
que eu o estive esperando.

Volto o olhar e o encontro atrás,
sempre atrás, mas não posso ver seu rosto
porque não tem rosto, então sigo meu caminho.

Caminho até a floricultura cheia de tulipas,
caminho até o café cheio de vozes,
caminho até as regiões do gelo onde as colinas
estão cheias de pegadas de alces e ursos.

E aquele homem me segue sem nunca me alcançar.
O homem sem sombra e sem história,
igual a todos os outros que me seguiram antes,
que me seguiram até se extinguirem, até se tornarem
um barulho de passos no nada,
dois suspiros dois minutos numa tarde de janeiro,
uma porta para a escuridão que não se dissipa,
tudo aquilo de onde venho,
tudo aquilo para onde me dirijo sem poder parar.


CINZAS

A claridade se afundava na sombra
das árvores na Floresta Negra
e despontava a noite com sua falsa luz.

A vegetação se abriu
como uma porta esquiva para o nada,
e o tempo se deteve.

Então você se aproximou. Sua mão
fez um cofre ao redor da minha mão,
e você se tornou inteiramente madeira,
uma casa com velas acesas ao fundo.

Vimos passar sobre nossas cabeças
milhares de luas em suas diferentes facetas,
espetáculo imenso.

A vida se tornou um rio quieto
e caminhamos sobre as costas dos peixes.

Logo, as muitas luas no céu
desapareciam sem motivo.
Então você me falou das sementes
que deram origem à Floresta Negra.
E tudo recomeçou.

Era a noite mais escura e feliz.
E não poderia haver nada mais belo no mundo.
O fogo nos separava e nos unia.
Nas cinzas, seríamos um.


MIGALHAS

É março, a primavera anuncia seu retorno
empurrando seu passo nesta terra cheia de rumores.

Mas o inverno idoso
pousou sobre nossas cabeças
como um corvo obstinado que se recusa a partir.

De vez em quando entra apressado
pelas janelas encharcadas de gotas secas,
um pedaço de céu que escapou de outro tempo.

Durante o dia, as horas caem languidamente,
flutuam no ar fazendo círculos
antes de morrer entre os murmúrios escondidos
nas fendas das paredes brancas.

Cai a noite enquanto caminho na Servitengasse,
a rua de pedra afunda sob meus passos apressados
como gota d’água que bate
na pedra do mar agitado.

Tudo que nos rodeia deixou de existir.
As mesas e cadeiras nas varandas do café,
adiam um melhor porvir,
e atrás das vitrines caducam
os vestidos de uma primavera roubada.

A cidade se tornou fumaça branca
e se escapa entre as mãos
como a asa de uma borboleta
que se dissipa no silêncio da memória.

Quatro paredes e uma rua lajotada
se tornaram toda a nossa pátria.

E embora a humanidade vigie de dentro de casa,
na praça floresce um arbusto
ao qual ninguém havia prestado atenção,
como uma jovem mulher diáfana
que deixa cair sua cabeleira
salpicada de flocos ruborizados.


CONVERSAS

Lembra-se do tempo quando não tínhamos medo?

Medo? Sempre tive medo.
Tive medo do jaguar
e da chuva oculta

atrás das pálpebras translúcidas de Tepeu.

Tive medo desde o instante
em que as águas do mar se escureceram
e os filhos do sol emergiram
através de seus passadiços.

Sempre temi o ouro negro,
sua sombra frágil,
a profecia cumprida,
os eclipses que anunciavam a guerra.

Tivemos medo do chicote que arrebentava
a couraça do amate
acostumada ao sol fervente.

E temi o mundo estranho
ao qual nos fizeram vir
e que nunca foi
nosso.

Sempre tive medo dos raios furiosos
e da fome sem nome,
e dos anos sem sono.

E agora te pergunto, quando sofria tudo isso,
onde você estava?

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