3 Poemas de Fanor Téllez (Nicarágua, 1944)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Fanor Téllez nasceu em Masaya em 15 de setembro de 1944. Publicou La vida hurtada (1973), Los bienes del peregrino (1974), El sitial de la vigilia (1975), El don afluente (1977), Edad diversa (1993), El pie sobre el camino (1996), Boca del vino (1998), Oficio de amarte (1999), Días del hombre (2001), La maravilla de saberte un ser (2013) e Donde no eres más la lejanía (2014), todos livros de poesia. Organizou a primeira antologia de poesia escrita por mulheres na Nicarágua: Poesía escogida de mujeres nicaragüenses, em Cuadernos Universitarios # 15, da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua, em dezembro de 1975. E também cultivou a crítica literária sobre diversos autores nicaraguenses.


ENTRAR NA ÁGUA

Tu que vens de uma morte antiga,
és um homem de fingimentos, um comediante
em aparências que não são teu verdadeiro eu,
pois onde estavas ninguém percebeu tua realidade invisível,
apenas a natural. Ali nenhum rito
espiritualizava as coisas deste mundo.
Porém aqui, quando entras na água mergulhando no abismo,
vês, apalpas e escutas. Isso te transpõe,
conheces sua essência sensorial
e algo mais do que a água na água te envolve
e assim que és amortalhado,
sais de teu próprio Jordão,
sais com o universo inteiro que a tua matéria pneumática
e o teu espírito material contém, cheio de vida.
Agora esta água é mais do que água e tu és mais do que tu,
após um processo de energia
e algumas palavras de certeza – nomes de força –
que santificam todas as coisas em ti.


FUNERAL NA FAMÍLIA

O que faz toda essa gente
me dando a mão, mãe,
e por que essa música compassada
e há homens que falam
e caminhamos tanto,
até quase a noite,
ouvindo vozes
e por que meu pai dorme tanto
e não ri e dança como sempre,
mas desaparece
e voltamos de ônibus
depois de ter chorado
toda a tarde
e estamos todos tão tristes?


SEM LEMA

Somente com a alma, com o mais profundo,
com a essência de quem somos.
Somente com impulso em sua expressão mais nobre,
com o pressentimento, o peito e a respiração.
Somente com o que sabemos ser verdadeiro em nós,
com o que nos coloca no caminho dos humildes,
com a saudade, com o chamado, com o entrevisto.
Somente com o desapego que nos leva ao simples,
com os braços feitos para abraços,
com o próprio e o alheio coração, doídos,
e em algum momento fortalecidos para seguir
com a pulsação do sangue lembrada,
com o caminho percorrido e o ar voado,
com a água transferida e o fogo queimado.
Somente com a vida que vamos viver
e a morte que vamos superar.
Somente com aqueles que se foram de Ur da Caldéia
e do Egito e aqueles que resistem
ao injusto e ao mau. Sem lema
ou código, somente com Deus, a quem não vemos,
e com as pessoas que vemos. Somente nós,
com chapéu e pés, de viagem até o horizonte.

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