Curadoria e tradução de Floriano Martins
Meira Delmar é reconhecida como uma das maiores poetas da Colômbia. Olga Chams Eljach, seu nome verdadeiro, nasceu em Barranquilla em 21 de abril de 1922, filha de pais libaneses. Desde 1937, quando seus primeiros poemas foram publicados na revista Vanidades de Havana, adotou o pseudônimo Meira Delmar. Estudou música no Conservatório Pedro Biava da Universidad del Atlántico, em sua cidade natal, e concluiu o ensino superior na Escola de Belas Artes do Centro de Estudos Dante Alighieri, em Roma (Itália). No Conservatório Pedro Biava lecionou mais tarde História da Arte e Literatura, disciplinas que estudou em Roma. A Universidad del Atlántico conferiu-lhe o doutorado Honoris Causa em Letras em 1971. Foi membro correspondente da Academia Colombiana de Línguas desde 1989, e dirigiu a Biblioteca Pública Atlántico, que hoje leva seu nome, por 36 anos. Recebeu a Medalha Simón Bolívar do Ministério da Educação, a Medalha Colcultura e a Medalha Puerta de Oro do Governo Atlântico. Em 1995 recebeu o Prêmio Nacional de Reconhecimento de Poesia da Universidade de Antioquia. Entre seus livros de poemas publicados encontramos: Alba del olvido (1942), Sitio del amor (1944), Verdad del sueño (1946), Secreta isla (1951), Poesía (1962), Huésped sin sombra (1971), Reencuentro (1981), Huésped Sin Sombra (1971); Laúd Memorioso (1995); Alguien Pasa, (1998). Em 2003 a Universidad del Norte reuniu sua obra completa em Meira Delmar, poesía y prosa. Ela morreu em 18 de março de 2009.
ENCONTRO COM A NEVE
O silêncio me acordou.
Lá fora,
nem o leve tilintar de qualquer trinado,
nem mesmo o toque de uma folha
ficando para trás na fuga do outono.
Em casa, silenciosos,
os pequenos rangidos que a noite
descobre na floresta,
as vozes imprecisas da insônia,
os passos com os quais começa
suas jornadas durante o dia.
Entreabri a janela
e me encontrei com ela,
a primeira neve
daquele ano,
e também a primeira
de meus olhos.
Do alto chegava ou não chegava
um bando de jasmins sem folhas,
uma suave onda de brancura,
trêmula e transparente
e pensativa.
Um sim não é o que parecia
mais que presença
e plena certeza
a lembrança fugaz de outra lembrança
entrevista no sonho.
Quanto tempo passou
desde então
não sei.
Mas eu ainda estou lá atrás do vidro
vendo a neve cair ou não cair
a primeira daquele ano
e de meus olhos.
A AFOGADA
Estou aqui, profunda, silenciosa,
apagando a terra que deixei para trás
por este tempo móvel descida,
este país vago onde a morte
aproxima seu rosto úmido de meu rosto
de quietude e espelho.
Já se extingue em minha fronte,
já se apaga,
o fogo do verão,
sua estatura
de Deus entre as árvores,
sua passada
repleta de cervos e folhas.
Lentamente afundam em minhas veias
as últimas cores, já me deixam
as tardes que refulgem um momento
com o sol mágico dos veados,
nuvens de tempestade sobre o rio,
o cheiro da chuva como um anjo
atrás da janela.
Meus olhos esquecem
o olhar do céu,
minha mão o hábito das frutas
a amizade de sua doce arquitetura.
Agora me cercam paredes verdes
de solidão transparente, ocultas
Cidades erguidas gota a gota.
flutuantes criaturas param
para me ver passar,
a desleixada
de seu mundo, comprimida
de segredo
sob a pele amarga
de seu exílio.
SONETO EM VÃO
Para onde irei que não me alcance o voo
de teu olhar que se transforma em açor,
e a noite dos sonhos me desnuda
com o brilho ardente da insônia?
Onde no ar, no mar, no céu,
encontrará ajuda para meu coração,
a mão clara que me acuda o mal
e a dor que transforme em doçura?
Sua fronte pensativa me rodeia
de memórias distantes. Recrias em mim
os rostos do amor cego.
E é inútil fugir de tua perseguição
Se te escuto morando em meu peito
com a vida sem morte do esquecimento.
CEDROS
Meus olhos de criança viram
– já faz muito tempo – subir
até a nuvem um voo
de sucessivos verdes
que o ar ao redor
embalsamavam
com insistência silenciosa.
O silêncio foi ouvido como uma
música repentinamente suspensa,
e em meu peito crescia
o espanto.
A voz do pai, então,
inclinou-se até meu ouvido
para me dizer, eu permaneço:
“São os cedros do Líbano,
minha filha.
Há mil anos, talvez
outros mil, que crescem
as plantas de Deus.
Guardes sua imagem
na fronte e no sangue.
Não esqueças nunca
que viste de perto
a beleza.”
E desde aquela hora
tão distante,
algo em mim se renova
e treme
quando vejo nas folhas
de algum livro
sua imagem memorável.