3 Poemas de Blanca Castellón (Nicarágua, 1958)

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Curadoria e Tradução de Gladys Mendía

Blanca Castellón é uma reconhecida poeta nicaraguense, nascida em Manágua em 1958. Sua paixão pela literatura vai muito além da escrita em si mesma; ela assegura desfrutar e aprender muito sobre a influência das letras nas pessoas. Sua atividade literária parece incansável: é integrante da Associação Nicaraguense de Escritores, da qual também foi cofundadora, participou da junta diretiva do Instituto de Cultura Hispânica e, há vários anos, é vice-presidente do Festival de Poesia de Granada, em seu país. Todos os anos, ao participar deste importante evento, ela percebe uma aproximação cada vez maior das pessoas à poesia; desde crianças que atentamente escutam as diversas leituras, até adultos que chegam à cidade com fins turísticos e mudam seus planos, cativados pela beleza dos versos. Entre suas obras destacadas, encontram-se Ama del espíritu, Flotaciones e Orilla opuesta. Por este último livro, recebeu o Primeiro Prêmio Internacional do Instituto de Estudos Modernistas, em Valência. Além disso, sua poesia pode ser encontrada em mais de vinte antologias, tanto nacionais como internacionais, e foi traduzida para o inglês e o francês, entre outros idiomas. O peculiar e amigável estilo desta escritora pode ser apreciado em “Abracadabra”.


ABRACADABRA

Volto à ponta
de uma palavra tua

qualquer uma que resgate

o que esqueci
de uma taça derramada
na pele da esperança

da fumaça de um cigarro
desenhando figuras suculentas
entre duas bocas

de tudo aquilo
que vai
que sobe e desce
no íntimo da luta

e o abracadabra
que abre suas portas
ao tudo contra tudo.


ADEUS TRISTEZA

Quero que estreies esta noite
o riso que te dou de presente no teu aniversário

–vamos–

solta o laço vermelho
abre a caixa de cristal
com feltro no fundo

toma o riso e unta-o na tua boca

eu tocarei
o molho de chaves
agitarei o copo
com moedas
de um centavo

vestirei as linhas da tua mão

enrolarei no meu pescoço
tuas impressões digitais

será uma noite longa
e larga como o rio San Juan

no final, como surpresa
abrirei meu coração

para afogar
em sangue
a tua tristeza.


ANISTIA

Saí da prisão
poucas vezes

não tenho muito a oferecer
para cobrir a fiança

no entanto, visitei outros
espaços que conservo aqui na minha cela

um disco de Gardel
um recipiente para mate
com bombilha de prata

as obras completas de Borges
de Girondo e de Cortazar
são velas acesas no
meu altar a Buenos Aires

um Alebrije
e um traje completo de Tehuana
é o pedaço de Oaxaca
aqui no meu confinamento

um chapéu de mariachi
sementes de pimenta jalapeño
e um frasco de mole
sem usar é o México
que renasce no meu jardim

Huidobro
Neruda

Zurita, Mistral e um litro de pisco
conservado em um Moai é Santiago

meu Chile suando
nesta fogueira

Nova Orleans
Washington e a Flórida
colorem o mesmo álbum

onde acendem suas luzes
Boston e Nova Iorque

da Colômbia guardo cumbia e vallenato
ondeio um cachecol terracota

que um jovem no pleno festival de Medellín
trocou por um poema que escrevi

Centroamérica inteira com sua voz e sua cor

decora as grades que frequentemente cedem passagem
à palavra, ao voo e à liberdade do canto.

sinto falta de Paris, Madri e Roma
respiro a esperança de cruzar o oceano

morrer qualquer dia do qual não tenho notícia

sob a chuva ou na plenitude da seca
tentando chegar à outra margem.

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