Alfonso Cortés (Nicarágua, 1893-1969)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Há certos seres de uma integridade moral completamente estranha, que têm aqui na terra preocupações divinas, e a quem vemos viver com uma espécie de luxúria de sabedoria, como se quisessem chegar à eternidade meia hora antes do tempo. Estes seres têm mais, muito mais a dizer que os outros homens e, contudo, de uma maneira geral, são mais silenciosos que eles porque sua super-força de expressão está contida por uma espécie de pudor heroico, o que faz com que o que lhes sobra de humanidade NATURAL se derrame a seu redor, cercando-os de uma atmosfera quase física de pensamentos, que estala em suas pupilas em indignação, em amor ou em inefável esperança. E estes seres são precisamente os máximos homens das Letras.

Estes seres são em aparência distintos uns dos outros, porque a Crítica os julga do ponto de vista, completamente falso, do que escrevem, e não do plano transcendental do que contêm de beleza seus escritos. Neste sentido seria de suma importância que todos os homens nos puséssemos de acordo em aceitar que a mãe das ciências são as artes – verdade fundamental – e que, em consequência, nenhuma verdade pode ser julgada senão por sua própria beleza. Assim se chegaria a compreender, o que seria de grande valor para o progresso humano, que desde o princípio dos tempos tudo o que se alcançou e que se pode alcançar é pura Literatura, no sentido […termo ilegível no original…] da palavra.

A intelectualidade burocrática e utilitária entende que Poe, por exemplo, foi um desequilibrado superior e até mesmo um desordenado transcendental. Porém não está distante o dia em que todos compreendam que o anjo desventurado de Ritchmond tinha uma vontade espiritual em perfeita correspondência com suas faculdades artísticas e mentais. Até foi qualificado de abúlico e nefelibata, o que não é mais que uma vingança indecorosa da mediocridade coletiva que, desde os tempos dos Profetas, não pode receber sem mostras de rancor as dádivas de luz e de amor de seus vizinhos mais excelentes. Porque Poe, em meu conceito, é um exemplo superior, talvez o único entre eles, de magnanimidade tanto mais prática quanto mais alta, de vontade aplicada, daquelas que com tanto luxo de estupidez se vangloriam os norte-americanos. Provemos isto. Quem entre eles haveria tido, em seu caso, uma vontade tão heroica, tão metódica e tão aplicada, como a que negam ao Poeta, quando é ele entre eles quem até hoje teve o valor e a decisão de abrir a porta de seu quarto, não ao vento, como se acreditava, mas à própria pessoa da Fatalidade, que tem cor de ébano e olhos de diabo de sonho?

ALFONSO CORTÉS
“El estilo de las ideas”. s/d.


A PEDRA VIVA

A pedra despertou (e era uma pedra
como as outras que há na montanha,
com pele de musgo e veias de hera).
E abriu os olhos (era a hora estranha
em que se inflama o sol, como a fogueira
que esquenta o pastor na cabana).
E a seguir deu passos (a ladeira
era sonora e bárbara e os ventos
ponteavam sua sombria cabeleira).
E em interiores estremecimentos
se inquietava a Pedra, até que a ânsia
lhe abriu a boca, e disse pensamentos:

“Onde estás, onde estás, distância
sem relação e tempo sem medida,
e o que é Deus, a única fragrância?

Oh tira-me esta túnica! Vestida
assim, meu ser é coisa, somente coisa,
pois a forma é o cárcere de minha vida”.


A CANÇÃO DO ESPAÇO

A distância que há daqui a
uma estrela que nunca existiu
porque Deus não conseguiu
beliscar tão longe a pele da
noite! E pensar que ainda cremos
que é maior ou mais
útil a paz mundial que a paz
de um único selvagem…

Este afã de relatividade de
nossa vida contemporânea – é –
o que dá ao espaço uma importância
que está somente em nós, –
e quem sabe quando aprenderemos
a viver como os astros –
livres em meio ao que é sem fim
e sem que ninguém nos alimente.

A terra não conhece os caminhos
pode onde a diário anda – e,
melhor, esses caminhos são a
consciência da terra… – Porém se
não é assim, permita-me fazer uma
pergunta: – Tempo, onde estamos,
tu e eu, eu que vivo em ti e
tu que não existes?


A DANÇA DOS ASTROS

A sombra azul e vasta é um perpétuo voo
que estremece o imóvel movimento do céu;
a distância é silêncio, a visão é som;
a alma a nós retorna como um místico ouvido
no qual as formas têm sua própria sonoridade;
luz antiga em soluços estremece o Abismo,
e o Silêncio Noturno se ergue em si mesmo.
Os violinos do éter pulsam sua claridade.

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