Crédito da foto: Raissa Nosralla
Flora Miguel é jornalista, trabalhadora da cultura, poeta. Tem textos esparramados por veículos literários no Brasil, Portugal e México. É autora do livro inédito “tempo sem cruz”, a sair em 2022 pela Editora Primata.
reclame aqui
desfazer: desapropriar: desejo
devolver ao mundo aquela sua cara de meio-dia
alguma mania que ficou presa nas minhas
pregas são tantas devoluções que encheriam
prateleiras estoques e estradas com caminhões
de carga
como o da transportadora que levou minha casa embora em 99
faço terapia, canto e poesia
nunca deu em muita coisa
você parece melhor do que eu
você e sua tela azul
sua janela verde
sua jaula empoeirada
eu crio turbulências
mas também faço um bem danado:
a heroína que veio com defeito
uma cena sempre tão longa
do outro lado da linha
agora
será que sol derreteria
a sua memória?
será que outras pessoas
que se confessam
na areia sequelada da
Sununga esquecem o que
querem dizer antes do meio do
dia?
são 9 km pela estrada
entre uma praia bem bonita
e outra estonteante
– você procura a beleza máxima entre
as obras de François Ozon? quais os
seus critérios de avaliação? – que de
dentro do circular
passam até bem rápido
enquanto se olha pra ela
shortinho rosa claro
e chinelo de brilhantes
pernas de azulejo trincado
que se cumprimentam
aos chacoalhões e
mostram a falta de lustra
óculos que são janelas
de prédios comerciais
onde passarinhos morrem,
batem no vidro e
caem e
morrem,
pensando ter esbarrado
no céu:
parecia um imóvel velho
apesar da pouca idade
antes ainda 300km
pela companhia de ônibus
Litorânea
com pouco conforto
mas muitas entradas USB
tendo sido a última delas
a que me leva até você
na banheira noir
por um fio
sob o risco da morte de
eletrocutamento [no fim você não
morre]
quando chegar o fim
e a última peregrinação
terminar você de pé
você tantos anos
você camisa aberta
estampando um exército
pancontinental
de ideias só suas
que arrisco em vão
derrubar
eu –
a bala de coco
na arminha de plástico
você mais Paris do que Texas
do mar se diz terra à vista
o verde o douro
da claríssima ilha de pedras
seus desejos
– nossas veias
algumas ervas
embrulham o estômago
algumas palavras
escorrem da boca
que nem espuma
contrapartida
rajadas de ideias pixeladas
notícias terrivelmente
sérias
hoje vamos
apenas ver o sol
escorregar
pequeno burguês
eu não tenho sentido
sou pura ocasião
um filete de peixe nos dentes
tinto e salgado
machucando a gengiva
fazendo salivar
poemas fenomenais!
dá gosto na gente enquanto e depois que lê