7 Poemas de Miguel Márquez (Venezuela, 1955)

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Tradução de Floriano Martins

Miguel Marquez (Venezuela, 1955). Poeta e editor. Entre suas várias atividades, podemos citar: Fundador do grupo literário Traffic, Presidente da Rede de Bibliotecas Kuai-mare, diretor de literatura do Conselho Nacional de Cultura, fundador da Editora El Perro y la Rana, fundador do Festival Mundial de Poesia de Venezuela, fundador da Rede Nacional de Escritores Socialistas da Venezuela, presidente da Imprenta de la Cultura. Publicou vários livros de poesia. Entre eles: Soneto al aire libre, La memoria y el anzuelo, Linaje de ofrenda, Trinitarias de la cara y el envés. Em 2014 o selo Sol Negro Edições publicou no Brasil o livro Bronze no fundo do rio, bilíngue, com tradução de Floriano Martins, do qual selecionamos aqui sete poemas.


9.

Interpretar é a tarefa de Sísifo, subir, descer,
Soletrar as escadas onde estávamos, ir
Ao encontro com o vazio amplo, arejado,
Onde três imagens falam com franqueza.
Identifico duas com nomes próprios, e são
Figuras arqueológicas, míticas. A outra sou eu.
Mas o espaço é quem fala em voz alta.
O que disse, o que dirá, o que somos, me indago,
E esses olhos tão belos e o afã à distância.


10.

Há dias em que se pressente até o uivo
Que escutaremos esta noite às dez,
O olhar de uma criança que veremos em um filme italiano,
A hora em que saberemos terá fim esta angústia,
O poema que escreveremos após este impulso,
Depois dessa fermentação que fomos padecendo,
Alojada no que vimos ou pensamos ao longo do dia,
Há dias que parecem que passaram ao amanhecer,
Então provoca sair deste quarto, por aquilo
Que imagino ou, a meu modo, com crueldade, também sei.


13.

Com imagens que nascem e morrem na língua, no conflito,
Queria repassar o espesso olhar dos silenciosos,
Era frequente vê-lo caminhar quando dormia, enquanto ia
Sonâmbulo até a piçarra verde com um livro na mão,
Introduzia variantes sossegadas de oferendas esotéricas,
Escrevia palavras raras com desprendimento de artista,
Sua irmã mais velha cuidou dele, amando-o, por longos anos,
E lhe apelidava seu Anjo Azul, até que o louco, finalmente,
Se jogou de grande altura.


16.

Que a madrugada seja testemunha, com sua letra miúda,
Do pouco que pude fazer contra o destino,
Longe, longe, longe, como um bronze no fundo do rio,
Fui vencido apesar do amor, apesar do carinho,
O tempo tem sua agenda, sua gente, seus preferidos,
Longe, longe, longe, como um bronze no fundo do rio,
Que venham os versos, que venham os cantos,
Que venha a morte, que venham os tragos,
Longe, longe, longe, como um bronze no fundo do rio.


17.

Mergulho os lábios na memória
E encontro ilhotas, grandes lagoas brilhantes,
Aves pernaltas que são palmeiras,
Samambaias que são pássaros,
Fantásticos silêncios da solidão,
A luz da lua se enrosca entre os galhos,
As serpentes pendem das árvores
Mais altas e é precioso seu canto às estrelas,
Olho para trás e fecho uma briga
Feroz entre dois animais que não reconheço,
E ao meu lado surge uma jovem nua
Desde o azul cobalto, e me fascina
Seu corpo, e me deslumbram seus olhos.


18.

Se alguém fuma a terra se move,
Micróbios com bactérias, cristais,
Com a fumaça as janelas são paredes,
Brancos fulgores sonâmbulos,
Relâmpagos de Singapura ou da Grécia,
Alguém fuma seu espírito na Hungria,
Botas sóbrias com o mito de Trácia,
Lábios secos do inverno, dívidas,
Contigo a fumaça por trás do abandono,
As silhuetas descansadas de um quarto,
A projeção sem fim de um solilóquio.


23.

A pele se esconde debaixo das árvores,
Os lagartos insones passam de um canto a outro,
Que esperança pode haver esta noite, que
Possa trazer a chuva que não conheçam os pássaros,
Um morcego, uma vez passada a idade dos nervos,
Confronta a absurda dureza das paredes,
Cai ao chão e as formigas celebram, os vermes,
Fala um vão com o bico destroçado, uns focos
Apagados entre a multidão dos vagalumes,
Corpo frio, congelado, enquanto, a faca limpa,
Lhe abrem aos pares o espinhaço dos presságios.

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