.Feiras de publicação independente: Mais que iniciativas de comercialização, as feiras possibilitam potentes Intercâmbios entre autores e público

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ANA ROCHA | MG Investiga, coleciona e produz livros de artista desde 2008, quando formou-se em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. No ano seguinte mudou-se para Belo Horizonte, onde pós-graduou-se pela Escola Guignard/UEMG. Em 2012 criou a Polvilho Edições, lataforma de publicação independente vocacionada para o desenvolvimento do trabalho autoral, tanto no que diz respeito aos processos criativos das obras quanto aos modos e meios de sua produção, publicação e distribuição.


Ano a ano, o calendário de feiras de publicação independente se fortalece no Brasil e, com ele, esse tipo de mercado, pouco a pouco, vem se consolidando e o número de editores que se dedicam à produção gráfica — apesar da grande dificuldade de se estabelecerem financeiramente —, também é crescente. Uma variedade enorme de publicações como zines, livros de artista, foto-livros, cartazes, gravuras etc., são apresentados nessas feiras, que recebem expositores de muitos estados e até mesmo hermanos e gringos. Normalmente, elas acontecem em festivais que as incluem na programação oficial, em iniciativas menores que apresentam apenas a produção local ou, ainda, em bancas de rua, em que várias editoras pequenas se reúnem pela cidade.

Em geral, com apoio externo limitado ou até mesmo inexistente, essas feiras são organizadas pelas próprias editoras, mas funcionam como um importante catalisador, viabilizando a apresentação da nossa produção para um grande número de pessoas. A toda hora está surgindo, principalmente nas grandes capitais, novas iniciativas desse tipo, de modo que fica difícil assegurar a ida a todas elas. Entre muitas, eu poderia citar a Feira Plana, a Tijuana e a Miolo(s), em São Paulo, a Pão de Forma, Piquenique Zine e a Feira Fantasma, no Rio de Janeiro, Parque Gráfico e Flamboiã, em Florianópolis e Parada Gráfica, em Porto Alegre. Em Curitiba tem a Gr4mpo e a Fósforo, em Salvador tem a Tabuão e a Feira Ladeira, em Brasília, a Dente, e por aí vai.

Em feiras de periodicidade anual fica nítido o crescimento da estrutura: maior número de expositores, mais editoras estrangeiras comercializando suas produções, mais público circulando, mais atividades paralelas à feira como oficinas, mesas de conversa, premiações e exposições. A última edição da Feira Miolo(s), por exemplo, organizada pela Lote 42 com o apoio da Biblioteca Mário de Andrade, em novembro do ano passado, deu um enorme salto se comparada às de 2015 e 2014. Tomara que agora, com Charles Cosac na direção da biblioteca — editor renomado que se destacou pela sua paixão e excelência na publicação de livros de arte —, esse apoio que nasceu sob a inteligência e sensibilidade de Luiz Armando Bagolin fique ainda mais solidificado e dinamizado. Cecília Arbolave, uma das idealizadoras da Lote 42, contou-me que:

“A Miolo(s) surgiu da vocação de preservar a produção contemporânea e de estimular mais espaços para circulação dessas publicações. Durante a feira, os editores são estimulados a fazer doações para o acervo da Biblioteca Mário de Andrade e isso é muito importante, pois estamos passando por um momento de muita efervescência na arte impressa e é crucial formar uma coleção que dê conta disso. A partir da segunda edição, a Miolo(s) começou a homenagear uma figura cujo trabalho é relevante para a cena editorial independente (em 2015 foi o Fabio Zimbres e em 2016 o Massao Ohno) e também surgiu o Prêmio Miolo(s) com o intuito de destacar e valorizar a produção contemporânea. Os troféus do prêmio são criados por artistas visuais (em 2015 foi a Ana Lúcia Ribeiro e em 2016 foi o Rodrigo Okuyama) e sempre exploram a dimensão física do papel. Algo bonito de destacar da Miolo(s) é que ela se espalha pelos corredores e ambientes da biblioteca, um espaço que não poderia ser mais adequado, pois ela nasceu como uma guardiã de livros“.

A Polvilho Edições foi finalista do Prêmio Miolo(s) na categoria livro de artista, de 2016, com o livro A Mariposa, de Maria Cecília Nachtergaele. Em 2015, foi a vencedora, nessa mesma categoria, com o livro Jardim do Seu Neca — Invetário Botânico Afetivo, de minha autoria. O prêmio funciona como uma injeção de ânimo: a maior premiação é menos a financeira do que o reconhecimento e a valorização do próprio trabalho. Dá aquela sensação de que estamos no caminho certo e de que vale a pena nos dedicarmos com tanto esmero a esses projetos. Além disso, os livros finalistas ficam expostos durante a feira, incitando o público a procurar nossa mesa durante o evento para conhecer de perto os outros trabalhos.

Mas se em algumas feiras as vendas vão muito bem, em outras, se colocarmos todos os gastos na ponta do lápis, ficamos no zero a zero. A verdade é que fica difícil bancar as passagens, o excesso de bagagem, os deslocamentos nas cidades, a taxa de inscrição, ter um teto pra dormir, pagar a cervejinha e o rango e ainda assim conseguir juntar um dinheiro. Em feiras mais consolidadas prevemos que a venda será boa, outras são um “tiro no escuro”, mas independentemente disso, mensalmente arrumamos as malas e viajamos, pra lá e pra cá, com o anseio de disseminar e compartilhar nossa produção.

Porém, enquanto o movimento cresce e se consolida em muitas outras cidades, em Belo Horizonte a cena anda fraca. Algumas iniciativas acontecem aqui e ali, mas nenhuma tem o caráter de uma feira que represente Belo Horizonte no calendário nacional. Elas acabam se restringindo à produção local, como no caso da Faísca, uma feira mensal idealizada pelo pessoal da Pulo Comunicação e realizada no espaço do BDMG Cultural. É melhor do que nada, mas é ainda uma iniciativa muito acanhada. Entre 2013 e 2014 produzimos algumas feiras em parceria com amigos da A Zica e do Quartoamado. Fizemos duas nos corredores do Maletta, um edifício icônico e boêmio da cidade, e outra no teatro Espanca!. Tudo feito na raça, sem nenhum apoio, como de costume. Pegamos cavaletes emprestados, caixotes de feira, tampos descartados nas ruas. Mas, mesmo com pouca estrutura, foram feiras bastante movimentadas, com a presença de expositores de outros estados e um público local interessado em conhecer os trabalhos. A verdade é que perdemos o fôlego e não seguimos com a produção, e desde então estamos carentes de uma feira pra chamar de nossa.

Ano passado, Luiz Navarro, um dos editores da A Zica, chegou a escrever um projeto pro edital de Lei de Incentivo Municipal, mas infelizmente não foi aprovado. Vira e mexe a gente conversa sobre a necessidade de se produzir uma feira de peso, que inclua a cidade no calendário e reúna expositores de fora. Só depende da gente mesmo, dos editores belorizontinos se organizarem pra produzir algo nesse sentido, é o que ele sempre diz:

“Belo Horizonte é uma grande cidade, com um cenário cultural intenso e muito rico, mas ainda precisamos criar por aqui uma feira de publicações independentes que valorize tanto os produtores, artistas e editores locais, como também traga para cá os publicadores de outras cidades. Uma das coisas mais importantes das feiras de publicações é justamente a oportunidade de pessoas de diferentes lugares, com diferentes tipos de trabalhos poderem se conhecer e trocar experiências. E nossos colegas de outras cidades até nos cobram de puxarmos logo essa iniciativa por aqui, parece que todos estão esperando que essa feira saia logo do plano das ideias!”

Enquanto isso não se torna uma realidade, a Polvilho participa de quantas feiras forem possíveis. As produções do meio independente ainda são carentes de uma rede efetiva de distribuição, portanto, a disseminação acontece principalmente durante essas feiras. Já participamos de umas cinquenta desde que iniciamos os trabalhos, em 2012. Fomos pra São Paulo, Rio de Janeiro, Paraty, Brasília, Porto Alegre, Florianópolis, Recife. A experiência do contato direto com o leitor é sempre muito valiosa, mas como nem sempre conseguimos viabilizar as viagens, contamos com a ajuda de outras editoras. Pouco a pouco, estreitamos laços aqui e ali e criamos uma rede que possibilita um apoio mútuo, seja levando trabalhos uns dos outros, hospedando ou dividindo hospedagem, ajudando a carregar as bagagens, emprestando a maquininha de cartão ou comprando dois cafezinhos pra aguentar a labuta. Editoras amigas já nos levaram de carona para Londrina, Bahia, Argentina, México e até para Tokyo!

Durante as feiras temos a chance de comercializar nossa produção diretamente, sem as porcentagens dos pontos de venda, que representam grande parte do valor unitário dos trabalhos. Assim, nosso lucro cresce e as vendas são mais justas. O pós-feira também acaba influenciando as vendas da nossa lojinha virtual, já que nem sempre o público tem a oportunidade de comprar presencialmente. É comum um pico de vendas depois das feiras, de pessoas que ficaram com nosso contato e aproveitaram pra comprar mais tarde pela internet.

Mas a verdade é que, vendendo bem ou não, o mais importante de viajar por aí pra participar dessas iniciativas é vivenciar o intercâmbio de experiências. Esses encontros são potentes exatamente pela troca de ideias, técnicas e poéticas, entre os próprios editores e com público. Nada melhor do que conversar diretamente com o autor sobre o que o motivou a escrever um livro, descobrir como foi feita sua impressão, encadernação e acabamento. Compartilhar os “perrengues” da produção gráfica, compartilhar fornecedores, dar a dica de uma gráfica legal, de novos pontos de venda. A meu ver, essa troca de experiências, especialmente se acompanhada de uma cervejinha gelada, vale muito mais do que voltar cheia de dinheiro pra casa. É claro que vender bem nos dá muita alegria e motivação pra continuar em frente, mas poder compartilhar as dores e delícias da publicação independente com os colegas e com o público não tem preço!

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