“Quantas mulheres não estão dirigindo seus filmes porque elas estão cuidando dos afazeres domésticos dos filmes de outras pessoas?” Milena Rocha: entre o cinema e o jornalismo.

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por Aristides Oliveira

Jornalista e realizadora audiovisual nascida e criada na beira do rio São Nicolau, entre os festejos da pequena cidade de Santa Cruz dos Milagres .

Atuando no semiárido brasileiro com experimentações audiovisuais a partir de vivências coletivas e acessíveis, como produções exibidas na TV Globo, Canal Futura e festivais de cinema por meio de editais e laboratórios.

Atuando com direção, fotografia e realização audiovisual, entre curtas, longas e videoreportagens como: “Mulheres de Visão”, “Esperança 1770”, “O pranto do Artista”, “Vento pra quem ?”, “Luz do Sol”.

Atualmente se dedica a montagem do filme Lab Amazônia e em parceria com o canal Futura dirige e produz: “(Des)Conctados”, “Aquilombar- se” e “A sua própria Linguagem”, episódios de série do canal .

Nessa conversa incrível, Milena nos brinda com uma verdadeira aula de cinema, experiências audiovisuais e situa a importância das mulheres na cultura cinematográfica no Brasil e América Latina.

Para fechar as rodadas de entrevistas de 2020 com chave de ouro, conheçam Milena Rocha!

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Quando veio seu estalo por cinema?

Eu sempre fui muito envolvida com comunicação, principalmente com a comunicação comunitária e na minha cabeça eu queria fazer jornalismo. Quando eu vim morar em Teresina, fui trabalhar numa ONG (Organização não governamental) e um belo dia, nessa ONG, uma galera ia fazer um documentário no sul do Estado, numas comunidades pertinho de Bom Jesus (PI). Precisava de alguém para fazer assistência, nessa época era até o Leandro Milu.

Enfim, terminou que eu fui, passei duas semanas fazendo som direto e assistência. Toda aquela minha interação com o audiovisual me fez ter isso: “Nossa, isso é muito bom. Gosto muito disso daqui”. E seguiu… Foi em 2013, o nome do filme é “17 sonhos e uma cerca”, inclusive gosto muito desse Doc. O primeiro Doc que participei de fato.

Sou muito grata ao Milu e toda a equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que mesmo na minha inexperiência, porque eu trabalhava só com áudio, eu já mexia com rolê de rádio e tal e ele teve toda paciência para me explicar alguns os processos. E ao Altamiran , que era o produtor e eu fazia a assistência dele também. Então, meu estalo pra cinema veio daí, só que eu falava: “Gente, se já é difícil fazer Comunicação, Jornalismo, que tem uma graduação aqui, porque eu não tinha passado ainda na UFPI (Universidade Federal do Piauí), só passei em 2014, imagina eu fazer cinema, que nem tem aqui?

Eu tinha um negócio com Cinema e Relações Internacionais, mas eu achei que era algo mais distante da minha realidade. Eu entrei na Universidade em 2014. Eu já tinha feito Rádio e TV um ano antes, Administração também, porque era do IFPI (Instituto Federal do Piauí) e eu cheguei na Comunicação com essa de que eu ia me aprimorar pra aprender mais de organizações sociais e assessoria, né?

Nos projetos experimentais, nos grupos que fazia parte terminava que eu estava com o Victor, Sanny, Laís, um grupo que a gente sempre fazia trabalho juntos, Germano, Wesley e aí a gente se embrenhou para o audiovisual sempre. Dentro do curso, a gente começou a fazer os experimentos mais sistemáticos. A gente rodou uma série sobre mercados em Teresina, sabe? Pra gente era muito prazeroso levantar 4h da manhã, porque queria o início da manhã e tal. O estalo para o cinema veio em 2013 e se concretizou em 2017, quando eu estava fazendo o intercâmbio pela UFPI, numa bolsa que eu tinha.

Eu tinha duas opções na verdade: uma escola de Comunicação e Jornalismo que eu queria muito, só que era Bogotá (COL) e eu tava querendo ir para o interior. E aí eu ia para uma de Publicidade e essas matérias de audiovisual, dei uma olhada na grade e fui. Paguei matéria de fotografia, pensamento criativo, audiovisual e foi na época que me vi mais sozinha, porque aqui eu tinha um rolê de produção com o grupo da minha sala.

Tinha o contexto de que eu era estrangeira, então as pessoas falavam assim: “Fazer trabalho estrangeiro, quer viajar muito e não fica muito aqui para se dedicar aos trabalhos”, sendo que eu me dedicava igual, porque senão eu perdia a bolsa. Enfim, foi nessa época que eu entendi que poderia me manter com audiovisual, mesmo tendo a bolsa – não era suficiente às vezes – eu terminava fazendo slideshow, tipo, vídeo pra galera das engenharias que queria apresentar um trabalho mais bonitinho e eu tinha uma câmera T5I, uma lente bem básica, que e um computador com software de edição e fazia isso no fim de semana pra conseguir uma graninha.

Meu estalo por cinema veio por toda essa construção.

Aí eu fui para o Festival Internacional de Cinema de Cartagena (COL) e lá tava tendo uma mostra sobre Eduardo Coutinho, super aclamada por muitos documentaristas que estavam no Festival. Eu passei uma semana assistindo filme e foi um espaço de tempo que eu desenvolvi muito coisa do meu olhar, sabe? Eu costumo dizer que ter tempo é privilégio. Você passar um semestre, com uma bolsa em outra realidade, em que você tem tempo para ir ao cinema…

Tipo, lá onde eu morava tinha um cinema, tipo cinema nacional, o Cine Colômbia, que era três reais na quarta-feira e com muitos filmes nacionais e era muito massa, porque eu ia toda quarta-feira a pé pro cinema. Então tinha toda uma rotina que girava em torno do audiovisual. Conheci uma galera de produtora também.

 Quando eu voltei em 2017 não queria voltar para assessoria, ficar mais no criativo e tal. Foi na época que estávamos fazendo os TCCs de Wesley, Germano e Pedro James e nesses TCCs me envolvi total.

“O Pranto do Artista” nasceu aí. Foi o filme que até hoje nos rendeu mais prêmios em termos de crítica e análise técnica mesmo. Foi um filme que a gente trabalhou muito os conceitos de cinema de processo, muita coisa do que a gente aprendia vendo Eduardo Coutinho. Nossa, eu falei muito só na primeira pergunta!

Você tem uma relação criativa com produções audiovisuais e conhece as etapas de realização, mas qual você sente mais vontade de fazer? Conta sobre esse processo que te mobiliza.

Eu gosto muito de todas as etapas. Confesso que sou bem, nessa onda, de realização mesmo, porque eu gosto de pensar esteticamente um filme, gosto de sentar para planejar um roteiro de entrevistas ou interação com determinada personagem ou pessoa que vai ser envolvida naquele processo, ao tempo que eu gosto também de sentar com quem vai fazer a fotografia e de opinar, ou pensar uma viagem de sonora.

Eu gosto de me envolver praticamente em tudo. Não me envolvo tanto em finalização, mas até na montagem eu dou uns pitacos. O que eu mais gosto, mais me envolvo, é direção e som, por mais que eu faça tanta produção.

Gosto de dirigir e pensar como cada personagem vai aparecer ali, como a fotografia vai interagir com aquilo. Como é que a gente faz pra ter um certo costume com a câmera de quem vai ser filmado.

Eu passei um período em que eu era uma pessoa que fazia produção e entrevista, então eu pensava os horários, organizava tabelinhas, pensava em entrevista porque eu vinha desse ambiente de comunicação comunitária e da comunicação em si. Então, sempre tinha na minha cabeça estruturas de entrevista, de abordagem e aproximação. Tinha isso definido e me empolgava muito pensar isso.

O “Mulheres de Visão” foi a primeira direção e compartilhei outras funções também, mas foi projeto que me fez acreditar que compartilhar com mais de 20 voluntários o desejo de ver um filme pronto e acessível .

Nos rendeu prêmios e exibições em mais de 10 estados , é um filme do LabCine e do Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com baixa visão. Coproduzido e lançado na Parada de Cinema em 2018, através de edital importantíssimo para encorajar roteiristas e diretoras a desengavetar seus roteiros e processos fílmicos.

Fazer cinema é acima de tudo um trabalho coletivo. Que aprendizados você está carregando para lidar com tantas pessoas diferentes, mas seguindo um propósito em comum?

Na lida com esse processo, eu aprendi a ir adequando essa linha de proximidade que eu estava entre o jornalismo (e estou até hoje) e o documentário e acho que é por isso que a gente se liga tanto com o Coutinho, com o cinema de processo, com o cinema direto, porque a gente lida constantemente com a nossa formação de jornalistas, esse lugar que a gente interagiu muito, nem digo uma formação de jornalista em si, mas uma formação em que todos nós estávamos muito ligados por quatro anos, sabe?

Nossa formação foi muito ligada entre si. Essa lida com tantos processos sempre tem tretas nos filmes, opiniões diversas, muita conversa, sempre tem alguém que traz uma referência ou outra, mas a gente busca fazer da nossa forma, sabe? E deixar as pessoas livres pra criar.

O que mais aprendi foi que eu posso opinar em todas as funções, já que a gente lida com uma dinâmica de equipe, que não é do cinema tradicional. A gente não leva em conta toda aquela hierarquia de que: você é roteirista, então você não pode se meter muito aqui na planificação desse roteiro, porque aqui já é fotografia.

Então, a gente termina opinando muito.

Milena exibindo “Mulheres de Visão” realizado em co-produção com o edital
Mostra Empoderada, no Parada de Cinema, 2018.
Arquivo pessoal.
Milena sendo premiada em Cachoeira, Recôncavo Baiano.
Arquivo pessoal.

Fala sobre tua vivência com produção audiovisual na zona rural no Piauí e com indígenas no Alto do Rio Negro (AM). Como foi que rolou seu encontro com eles/elas e qual a visão de Brasil chegou em ti após essas pontes cinematográficas.

Nossa! Vai dar um podcast, mas vamos lá! A minha vida é toda embrenhada nesse rolê de comunicação comunitária. Em 2014 fazia parte de uma rede chamada Renajoc, uma rede de jovens comunicadores do Brasil. E nessa rede tinha pessoas do Brasil inteiro que atuavam com comunicação e aí, uma grande amiga minha dessa rede, a Claudinha, uma jovem indígena do Alto Rio Negro, moradora de Gabriel da Cachoeira até hoje.

A gente se conheceu em Brasilia nesses encontros, ficou conectada, se falava muito e sempre articulava algo pra gente se reunir, mas ir ao Norte é muito caro e não tinha IDJovem na época, então era mais caro ainda. O tempo foi passando e fui ao Globolab com Elli Cafrê (p.s: outra dupla que amo realizar) e lá, quando vi a lista de selecionados, vi assim: Cláudia Ferraz e fiquei: “não gente, não pode ser a Claudinha”. E era a Claudinha!

Mandei mensagem na mesma hora: “Claudinha, tu vai pro Globolab?! Vou, tu também vai?!” E a gente se reencontrou lá em São Paulo em junho/julho. Aí ela falou: “Amiga, vamos nos ver esse ano num encontro de jovens e adolescentes comunicadores lá do Rio Negro” e eu falei “Ah vamos, já que esse encontro aconteceu aqui”. Aí a gente começou a planejar o encontro em parceira com o Isa (Instituto Socioambiental) e a Federação dos Indígenas do Rio Negro.

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Eu e o Wesley, somos uma dupla de realização muito sincrônica, muito ligado, do tipo que, a gente se olha e sabe o que é pra filmar e temos uma parceria muito bem construída, a partir de tanta coisa que a gente rodou juntos. Eu estava planejando e ela falou: “Vamos fazer de coletivo para coletivo”. Claudinha faz parte da rede WAYURI, que são indígenas do Rio Negro que fazem comunicação, podcast, vídeo de várias coisas.

E a gente com o Labcine. O Wesley estava pilhado comigo na época que a gente estava rodando os institucionais e a gente começou a se planejar para fazer essa viagem e foi pra lá. E essa viagem começou do nosso próprio processo de criação. A gente criou um vídeo pra tentar financiamento coletivo, doações, nossa IDJovem, que foi o que salvou nossas passagens interestaduais e conseguimos começar por Belém. Lá estava rolando um festival organizado por umas amigas minhas incríveis, que é a Ariela (realizadora da Mozô Filmes), do Geração Futura, as meninas do Na Cuia Produtora, uma galera que eu conhecia da época que era de uma executiva de comunicação e também ligada no Brasil todo.

E aí, foi quando eu falei pra Ariela que estava indo, ela falou: “mana vamos articular pra vocês passarem no Telas, vem na data do Telas em Movimento, que é um festival de cinema periférico lá de Belém. Inclusive incrível, adoro. A Ariela faz parte do Mazô filmes, que estava dando uma oficina no festival e a gente se juntou. Essa ida para o Norte foi uma vivência muito atravessada por coletivos que também fazem audiovisual, lidam com comunicação em contextos periféricos.

Encontrar Ariela, encontrar a galera da Mazô Filmes, inclusive são muitas mulheres da Cuia Produções e o Telas em Movimento foi encontrar a gente no Norte, sabe? É uma ligação linda até hoje, a gente tem até outro filme pra rodar. Essa lida foi sendo muito gostosa, de hospedagem solidária, não ficamos em hotel nenhum. Muita gente ofereceu almoço pra gente, comida, e além de tudo isso, um dos maiores filmes de referência é o “Para ter onde ir”, que é um filme paraense, que eu sou muito fascinada de muito tempo.

Eu tenho muita referência que vem do Norte, inclusive, dirigidos e protagonizados por mulheres. Em Belém, a gente foi para o cinema mais antigo em funcionamento, que é o Cine Olímpia, no Centro, numa sessão véspera de Natal, sem contar todas as vivências dos barcos, a gente tá aí com um filme montando pra exibir ano que vem. Foi uma vivência muito intensa.

A minha vontade de ir para o Norte era muito pessoal. Era uma coisa da minha infância, uma Amazônia muito sonhada por mim, ao tempo em que era um encontro de coletivos, um gás pra continuar, um encontro de referências, afetividades, de muitos atravessamentos. Um cinema do vivido, do intensamente vivido.

Na pegada da pergunta anterior, como você compreende a importância de Eduardo Coutinho para o documentário no cinema brasileiro e na sua formação político-audiovisual?

Eu acho que Eduardo Coutinho foi a nossa primeira referência de cinema direto brasileiro e principalmente de alguém que vinha com umas pautas muito familiares a gente. Assistir “Edifício Master” (2002), “Babilônia 2000” (2000), “Jogo de Cena” (2007), “Cabra Marcado pra Morrer” (1984) e outros tantos, “Do Fim ao Princípio” (2005), que é incrível também, eu acho que é sempre falar de memória, é o deixar que as pessoas falem, é um estar dentro do processo sem esconder seu posicionamento, indagação, até às vezes sendo inconveniente.

O documentário brasileiro vem, tipo… Acho que as primeiras referências foram Coutinho, mas a gente tem toda uma geração “da nossa geração”, sabe? A gente é muito de olhar coletivos como o Cual, da Bahia, da Filmes de Plástico, que foi um rolê que começou no cinema mineiro e furou a bolha. Você vê filmes da Filmes de Plástico como “No Coração do Mundo” (2019) na Netflix, na sala tradicional de cinema, mas nem sempre foi assim. Você vê no You Tube curtas incríveis, sensacionais de uma época de que nem se tinha tanta visibilidade assim, não se tinha furado essa bolha ainda. Isso veio a partir dos festivais internacionais, que eles começaram a ganhar.

A gente ainda é muito de se aproximar dos nossos, de gente como a gente que tá fazendo filme. Claro que eu vi “Santiago” (2007), claro que eu escuto João Moreira Sales, mas eu acho que a gente faz outro tipo de cinema, por mais que a gente se inspire tanto nesse cinema contemporâneo brasileiro, mas a gente está numa vivência de cinema que vem de um contexto que vem fora do eixo e periférico, sabe?

A gente também se aproxima dos nossos, dessa geração de cineastas e realizadores negros, indígenas, que falam a partir do seu contexto, que se imbricam nesse processo, que estão ali não só como alguém atrás da câmera, mas que mostra como interfere, de como sua presença interfere e que não tem receio de mostrar isso.

Para além de Eduardo Coutinho, temos outras referências como nossa. A Glenda e o Ari, lá de Cachoeira, o Recôncavo Baiano em si é um negócio de pulsar uma cena muito forte que também conseguiu fazer isso.

Você vê filmes como “Café com Canela” (2017), “A Ilha”, e você olha para aquele cenário e o contexto de produção e fala assim: “cara,  é possível fazer cinema assim, da nossa forma” e a gente não precisa de um milhão de reais para começar a rodar, vamos rodar com menos, com que temos.

Não é que a gente rode com esse valor, a gente também quer rodar filme de um milhão de reais, quer rodar filmes com orçamento, quer pagar bem a sua equipe e contratar pessoas. A gente consegue administrar esse contexto de produção, mas não vamos de deixar de fazer enquanto esse orçamento não chega. A diferença é essa.

Você já ganhou alguns prêmios que são fundamentais para iluminar a trajetória de qualquer cineasta. Qual a sensação de ser reconhecida na sua área – Brasil a fora – num Estado que investe mal na cultura?

Os prêmios, a mostras, os festivais, eles ajudam nesse capital simbólico do coletivo. A gente só ganhou um prêmio em dinheiro, os outros foram em aluguel de equipamento, co-produção, troféu, exibição, mas isso trouxe uma acreditação dos piauienses na gente: “ah sim, essa galera faz cinema e é massa”.

As pessoas acreditam. E “foi a galera mais da técnica do Guarnicê (Festival de Cinema de São Luís) que elegeu”… Tem isso também. A gente tem aquela velha síndrome do patinho feio, que só é bom dentro quando você é reconhecido fora. Acho que um prêmio muito simbólico foi o de Cachoeira, porque eu era louca pra conhecer lá. Eu era louca pra estudar cinema em Cachoeira, revisitar os cenários que foram rodados Café com Canela, que é um filme que amo da minha vida.

Olhar pra Cachoeira, acordar de manhã e comprar pão, enfim, foi um prêmio muito simbólico pra mim. Tenho ele aqui até hoje, tô olhando pra ele agora. Foi um prêmio de um processo que eu acredito que é o de Direção, não uma direção individual e um conceito que é meu, mas compartilhada com as mulheres… Eu estava dormindo, era o último dia do festival, meio cochilando porque estava tarde e aí o resultado saindo e alguém tocou: “você é a Milena” e deu certo.

Cachoeira (BA) foi uma cidade que logo depois que terminei de apresentar o TCC, a gente começou a inscrever nos festivais, porque o Wesley é uma pessoa que cata muito festival e a gente fica mandando…

Quando eu vi Cachoeira: “caralho! Tem que mandar pra Cachoeira e tal”. Fui pra lá com ID Jovem, fui para Salvador de busão mesmo: ID Jovem 100%. Desci em Salvador e fui pra Cachoeira (BA). Cheguei meio dia, sem conhecer ninguém, zero pessoas. Fui para UFRB e fui para um seminário de cinema que estava tendo de vários grupos de pesquisa.

Vou conhecer alguém nesse seminário e alguém vai me hospedar. Fiquei na casa de uma amiga que tenho até hoje, a Clara. Me hospedou “de cara” e eu fiquei uns dias em Cachoeira (BA) e reencontrei realizadores que dialogo até hoje, como o Rafa, que mora em Recife e que tem um filme lindo.

Saí desse festival acreditando mais nos processos de criação compartilhados. Outro festival massa que a gente ganhou foi o Guarnicê (MA). Nossa! Foi muito lindo ter esse reconhecimento no Maranhão, porque a gente vive nessa fronteira PI/MA, sabe? Só que São Luis acha que pra cá, São Luis a fora não tem cinema no Maranhão, sendo que a gente rodou o filme em Laranjeiras, que é zona rural do Maranhão e o Wesley, a galera de Timon (MA), por mais que construa a vida toda em Teresina (PI) e suas raízes imbricadas no Maranhão…

Nesse prêmio, eu estava rodando o “Esperança 1770”, com a Kemoly, e o Wesley fazendo oficinas no festival. A gente queria muito ir ao festival, mas não dava pra ir, porque estava rodando o filme no período do  festival. Um ano depois a gente volta para o Guarnicê (em versão on line) com o “Esperança 1770”. É um movimento cíclico de energia de trabalho.

Outro prêmio muito massa foi o Visões Periféricas. Nossa, todos os prêmios são muito simbólicos porque, como é uma visão muito coletiva, não é fácil você ver seu filme recebendo reconhecimento. Um filme feito com a nossa grana. Cada um botou 20,00 / 30,00 de gasolina, gastou com comida. O pessoal do circo, que é personagem deu muita comida pra gente na época. Moramos num circo por 10 dias. É de impactar a vida, não tem como. Há uma existência que atravessa minha vivência captando imagens em um circo.

Eu até me emociono. O filme do circo é um dos que teve uma grande entrega, porque é diferente você sair da sua realidade por um tempo, e eu agradeço muito a esse meu processo de entrega. O resto da equipe ia e voltava, mas eu e o Wesley ficávamos diretão. Foi um processo muito intenso.

Arquivo Pessoal.

Minha ligação com o Wesley vem dessas intensidades de processos vivenciados. O processo de criação também afeta o teu processo pessoal, de interação consigo. Eu sou muito afetada pelas minhas criações no mundo do cinema.

A sensação de um Estado que não investe em cultura é uma pauta que é minha também. Aceitei a me candidatar nesse processo de representação no conselho cultural de Teresina, porque é isso, sabe? Na verdade é meio desafiante. Imagina só, se eu tivesse que só criar, nossa meu sonho era ter minhas contas pagas para eu ter tempo de me dedicar às criações, porque no fundo você gasta muita energia cuidando do burocrático, institucional e isso faço até um recorte de gênero.

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Quantas mulheres não estão dirigindo seus filmes porque elas estão cuidando dos afazeres domésticos dos filmes de outras pessoas? Inclusive, na maioria das vezes, de diretores. Isso no contexto nacional, mas se a gente olha para o contexto local também. A produção geralmente fica com as mulheres e elas tem esse traquejo de conseguir agilizar com rapidez, conhecer a realidade, fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Só que assim, a gente também quer criar! Queremos tempo e disposição para nossa criação. Viver num Estado que não se tem tanto investimento como editais mais fixos, numa cena cinematográfica que você não precise sempre estar muito atrás do burocrático é difícil. Confesso que é muito difícil manter a criatividade, cuidar do que você quer criar, enquanto você tem que cuidar do burocrático, institucional e de tantos outros rolês pra sobreviver ou ver aquela criação de pé.

Esse é um recorte de gênero que a gente mais faz, sabe?

Nossa cena piauiense, que mesmo sem tanto investimento em cultura, mesmo sem um cinema industrial tão desenvolvido. Onde estão as mulheres? Que lugares ocupam as mulheres? Estão na criação? Direção de fotografia?  No som direto? Ou a maioria delas está na produção? Ou Elas estão movimentando toda a produção para que o set aconteça, para que a equipe de criação esteja lá para com estrutura e tempo para criar?

É uma reflexão que a gente tem que começar a fazer nesse contexto de produção.

É possível sobreviver de cinema no Piauí?

Olha, é possível sim, mas não vou mentir que a gente faz muita publicidade. Não tem como. A gente tem uma cena cinematográfica que se mescla no audiovisual. Por mais que você entenda de direção, roteiro, você vai em alguns momentos ter que fazer filme institucional, que pra mim é uma ficção, inclusive, mas enfim, não vou entrar nesse debate. É uma criação bem programada.

Você desenvolve seu olhar cinematográfico, nosso olhar documental para contar histórias a partir de algumas realidades e a gente consegue levar alguns desses conceitos para os filmes publicitários, documentários institucionais, para contar outras histórias do audiovisual, mas eu ainda não vivo só de cinema no Piauí.

Tem dois docs para rodar para o Futura, que é um canal de TV, então, por mais que você tenha toda sua relação cinematográfica, você vai ter que seguir alguns roteiros de documentários de TV. Isso é audiovisual. Os filmes mais experimentais, eles são mais difíceis de ter financiamento, inclusive, falando de cinema piauiense, eu acho que se a gente tivesse seguido uma linha, não tivesse um hiato tão grande das experimentações do Coletivo Mel de Abelha, dos próprios filmes feitos com a Dácia [Ibiapina], que é uma grande referência nossa, Torquato e tudo mais, a gente seria um berço do cinema experimental, eu acredito nisso.

Arquivo pessoal.

Temos referências boas que contam – a partir da memória – a cidade como ambiente de experimento, porque é uma cidade caótica. Teresina é uma cidade pronta para nossas vivências de experimentação cinematográfica. A gente tem uns roteiros para rodar a noite, uns roteiros com personagens que a gente vem se aproximando com o tempo, que são muito nossos.

O que você está acompanhando da produção cinematográfica latino-americana? Qual o diferencial que os filmes realizados no nosso continente podem trazer para repensar nosso lugar geopolítico?

Antes de estudar comunicação, também gostei de estudar geografia, era uma das minhas opções de vida, sempre gostei desses contextos de mundo e o contexto de povos originários vivendo na América Latina é um ambiente de criação que eu acho que tem essa virada. Antes a gente tinha um olhar eurocêntrico sobre a América Latina e agora a gente tem um olhar de quem vive e convive.

Eu acompanho relações como a Helena Solberg, que é uma mulher brasileira que vai para os Estados Unidos na década de 70 e que “desce” a América Latina. Ela tem três filmes incríveis, junto com o’ coletivo Women’s Film Project.

Vamos falar de mulher nesse contexto. É uma mulher da época do Cinema Novo e nada lembrada, porque um dos filmes principais dela é filme Entrevista, em que ela lida com uma realidade de mulheres da classe dela. Para os boys do Cinema Novo, isso era um filme muito burguês, eles queriam ver a realidade do Brasil a dentro, essa coisa toda, mas enfim. Helena tem essa relação com a América Latina, filma o Simplesmente Jenny (1977), em um reformatório na Bolívia, A Dupla Jornada (1975) sobre as condições da mão de obra feminina na Argentina, México, Venezuelana, gosto da forma como as realizadoras também aparecem nos filmes.

Isso traz um olhar a partir das mulheres. Eu gosto desse contexto de retratar mulheres, num contexto geopolítico local a partir da vivência delas. Esses filmes pra mim trazem um olhar da América Latina a partir de mulheres latinas, mas essa construção no mundo geopolítico acho que é a disputa de memória, sabe? Um dos primeiros contextos são os mexicanos, somos influenciados pelo México por causa da Televisa, muita novela. A primeira referência audiovisual latino-americana são as novelas rodando no SBT.

Brincadeiras a parte, tem um filme chamado La Dictadura Perfecta (2014), um filme mexicano que brinca com todos esses contextos, e ele traz a telenovela, política… Se a gente desce um pouquinho para a Colômbia, temos aí a construção de FARCs e paz e guerra, que chegava ao Brasil e como é que o audiovisual contribuiu para isso.

Eu vejo a realização audiovisual embrenhado na memória do próprio lugar.

Sempre vou muito para essa área de documentário, um dos meus prediletos é um da Colômbia recente, o Amazona (2017) contado a partir de uma diretora que se relaciona com sua mãe e faz um filme, mas eu gosto de um road movie do México chamado Mamá También (2001), nem pela história em si, mas é pela estrada, que vai trazendo toda aquela cultura popular do México até chegar nas praias.

Quando olhamos para o cinema feito por realizadores e realizadoras indígenas, acompanho muito Yanda Inayuk, um grande amigo meu que é do Equador e nossa grande meta é fazer essa conexão: um cinema transamazônico, pela Amazônia, fazendo a fronteira tríplice e tudo mais. Falta grana para isso.

Yanda faz parte de um coletivo de cinema lá e ele consegue discutir com sua aldeia temáticas como LGBTfobia a partir do audiovisual. Ele é um indígena daquela própria aldeia que começa a discutir isso. Eu acredito que os realizadores e realizadoras são da própria identidade que estão representando aquilo.

Isso pra mim é fascinante de se observar na América Latina. As pontes que a gente vai fazendo no presente.

Em resumo, o que eu acompanho de produção cinematográfica latino-americana, muito filme argentino, indígenas do Equador, México, porque é um país gosto muito e termina acompanhando muita coisa da Colômbia, porque é minha relação de proximidade com realizadores de lá, mas é sempre nesse contexto de entender como essas realizações estão conseguindo transpor um olhar a que foi colonizado por muito tempo e tenta quebrar essa visão de que “cocaína é uma coisa muito fácil na Colômbia”, de que a relação “corrupção e política no México é muito presente todos os dias” e a questão da fronteira México-Estados Unidos.

Então, todos esses contextos geopolíticos vêm muito embrenhados na temática.

Quando falamos das salas de cinema, ainda enfrentamos o obstáculo da acessibilidade. Você acredita que avançamos no quesito “inclusão” no que se refere à organização dos espaços para atender todos os públicos e suas demandas sociais? O que falta fazer ou está tudo ok para cegos, surdos, deficientes físicos assistirem um filme?

Em 2013, se não me engano, a gente fez a primeira exibição com áudio descrição aqui nos cinemas de Teresina. Ao vivo. Eu fiz esse áudio descrição. O filme era Cine Holliúdy. A gente montou um transmissor de baixa potência, ocupou uma frequência do rádio, que estava livre e conseguimos fazer a transmissão. Os cegos levaram rádios, ou telefone sintonizados na frequência de rádio e a gente fez a áudiodescrição ao vivo.

Naquele experimento, era a prova viva de que era possível ter cinema acessível em Teresina no dia seguinte, porém, experimento, vontade política, salas comerciais… Não foi possível. E aí só com a lei de acessibilidade das salas de projeção foi que os cinemas se obrigaram a fazer isso, a terem suas salas equipadas para receberem as pessoas deficientes para ter o direito de consumirem e direito de escolha dos filmes.

Segundo o programador do cinema de Teresina, já está tudo equipado, só está faltando às sessões acontecerem de fato. Pelo que entendi, é um cinema que já conta com toda acessibilidade.

A outra coisa é que a ANCINE (Agência Nacional de Cinema) obriga os filmes, obrigava, por que eu nem sei como me refiro à ANCINE, nesse contexto todo, mas ela obrigava os filmes do Fundo Setorial do Audiovisual ou de editais provenientes da própria ANCINE que eles tivessem acessibilidade, libras, áudio descrição, closed caption e tudo mais, porém não obrigava exibição.

Então, você tinha filmes com acessibilidade, mas que não chegavam à sala de cinema e com a lei de acessibilidade nas salas, você tinha esse processo mais robusto, completo. Eu acredito que é um espaço que foi negado por muito tempo, então, se precisa existir toda uma formação, não de formação de público, mas do estímulo, para que essas pessoas saibam que esse lugar também é seu.

Eu convivi cinco anos com mulheres cegas e a gente falava: “ah, a gente não vai, não tem acessibilidade, vai ficar todo mundo rindo e é uma cena que a gente não entende, sabe?” Então assim, se for construído uma cultura de que esse espaço não tinha acessibilidade por anos, então as pessoas passaram a não frequentar. Eu acredito que precisa existir é uma retomada, um estímulo para que essas pessoas saibam que elas podem frequentar e escolher o filme que quiserem assistir.

Acredito muito na acessibilidade para todos os públicos porque é um processo de democratização do cinema.

Outro processo sobre acessibilidade que eu costumo discutir, por mais que exista a obrigatoriedade, a acessibilidade ainda é pensada na pós-produção dos filmes. Acredito que isso deve ser uma preocupação de direção, roteiro, fotografia e pensar filmes com estética acessível, um pensar a acessibilidade ainda na construção do filme, não só na pós-produção.

Nos anos 60, o Cinema Novo foi um movimento que retratou o sertão, a seca e os conflitos ligados a terra para o mundo. A partir do seu lugar de fala e trânsito pelo semiárido, como o cinema brasileiro pensa essas paisagens hoje?

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Sinceramente, mesmo no Cinema Novo – não sou uma estudiosa de cinema, eu leio, assisto filmes, mas eu vou pelo que tenho afinidade e interesse – dos filmes que eu já consumi, nem todos conseguiram fazer essa desconstrução do olhar, sabe?

Por mais que você tenha trazido à tona temáticas, indumentárias, cenários do Nordeste brasileiro, do semi-árido, eu não vejo essa… Sempre eram gravados em épocas muito secas, a gente tem performances de atores vivendo em situações bem precárias. Não é que não exista isso, mas não é só isso que existe.

E a contemporaneidade, a gente tem, por exemplo, não vou ficar aqui enaltecendo Bacurau (2019), mas ele consegue fazer uma coisa que muitos filmes não conseguiram que é trazer um sertão verde, uma fotografia que vem daquela paleta de cores azul, verde, um sertão com cisterna, com plantas, com gente da revolução, sabe?

Eu acho que o cinema brasileiro, por muito tempo viu o Nordeste como algo muito caricato, por mais que a gente tenha nos filmes do Glauber [Rocha] a eternização dos cenários, indumentárias e aspectos que mexem com nossa memória até hoje, mas boa parte dos filmes sempre foram trabalhados cores com uma paleta avermelhada, amarela, um chão muito rachado.

Por exemplo, Vidas Secas [Nelson Pereira dos Santos, 1963], uma adaptação, mas que você tem um sertanejo muito retirante, quando na verdade, desde aquela época o Nordeste, o semi-árido brasileiro já tinham as pessoas que permaneciam neles, que ficavam, lutavam e existiam, as benzendeiras, rezadeiras. Eu sinto um pouco de falta disso também, mas a gente tem essa mudança, até porque a gente mais tem pessoas que vivem nesses lugares.

Eu acredito que não vou poder contar a história de todo mundo, porque tem muita história para contar. É por isso que a gente, do cinema independente é ligado à oficina, formação, porque a gente quer que essas histórias sejam contadas e elas serão contadas por outros, outras que vivem naquela realidade, sabe?

O Piauí é esse lugar que a gente tem muita história. Temos cerrado, semiárido, litoral, muita narrativa para se criar e ser ambientada e cenário já prontos. Se você pega o cenário do coco babaçu, olho d’água, açudes no meio do sertão e aquelas pessoas convivendo com aquele espaço, uma associação de mulheres que tiveram filhos que são chamados de “filhos do vento”, porque os pais dos filhos partiram para uma obra e deixaram a região…

A gente tem narrativa no estado inteiro, por isso é fascinante viver aqui. Temos muita história para contar, mas não só contar como elas são, mas de se apropriar desse contexto para criar outras narrativas e disputar até outras memórias.

E sua avaliação sobre a presença de mulheres no circuito audiovisual brasileiro? Aponta essas conquistas e desafios a seguir num mercado onde os homens tiveram mais espaço…

Eu acho que existem alguns marcadores hoje em dia, sempre existiram, mas eu acho que hoje não dá pra não fazer esses recortes, tanto recorte de raça, gênero e classe. Quando a gente olha para o cinema brasileiro, ou para o piauiense, a gente vai encontrar um cinema feito, em sua maioria das vezes, por pessoas que tiveram acesso a uma formação, que tiveram um contexto que lhe proporcionaram um empréstimo para fazer um filme.

Você vai ter acesso a contextos de produção que nem sempre as mulheres estavam inclusas, ou estavam no espaço e foram invisibilizadas, como sempre, mais olhando do que fazendo… Nem sei se posso fazer uma avaliação disso, por mais que eu seja uma jovem mulher de vinte e cinco anos, que atuo nesse ramo desde 2014/2015, mais fervorosamente a partir de 2017, eu vejo que sim, tem algumas mudanças hoje em dia.

A gente já consegue ter uns espaços para falar disso, mas a gente tem um debate que às vezes não é feito pelos próprios homens, que estão dentro do rolê na cena, sabe? Esse contexto de incluir mulheres não é um dever só meu, enquanto uma mulher que quer ter mais manas na criação e não ser a única mulher do rolê, mas é um contexto de preocupação para todas as pessoas, sejam quem tem uma produtora, seja quem está fazendo um filme com edital público, seja quem está fazendo filme independente…

Quantas mulheres, LGBTQIA+, pessoa negras, pessoas com alguma deficiência e etc vocês convidam para estarem nas suas produções?

Quantas mulheres vocês convidam ou pagam para elas estarem nos seus processos criativos?

Depois que você convida, tem o processo de acolhimento. Será que esse ambiente é realmente acolhedor?

A gente precisa pensar nesses processos, porque… Sinceramente, às vezes eu falo: “bicha, eu entendo tu ter saído do rolê, porque é muita coisa que a gente passa” e eu nem vou entrar aqui em tantos detalhes, mas eu espero que a gente se fortaleça e que sempre tenham mais mulheres nesse contexto.

Movimentos e organizações nacionais já inspiram como o Coletivo de Mulheres e pessoas Transgênero do departamento de Fotografia, que surge justo desse contexto de fortalecimento de umas as outras. Outro exemplo desses avanços é ter diretoras a frente de organizações como Spcine, que impacta a politica audiovisual não só de SP, mas do Brasil. Mas quando a gente vai para os contextos de realizações audiovisuais estaduais, locais como estamos?

Onde estão as mulheres? Que lugares elas estão ocupando?!

As minhas referências de mulheres do audiovisual, são manas, monas que estão nos corres diários como, nos coletivos é Wes, Germano, Vicente, Kemoly, Tassia, Poli, Thaigo e outras tantas espalhadas pelo nosso Piranhão Eu tenho um grande admiração pela Dárcia [Ibiapina] e suas experimentações com o coletivo Mel de Abelha.

Eu avalio essa cena nossa como um lugar que já tem mulheres, mas a gente precisa de mais ainda para influenciarem e inspirarem outras mulheres.

Esse espaço também é nosso!

Gosto muito de uma fala de uma personagem de filme e outra referência nossa que é a artista Preta K

“A gente não vai pedir para entrar mais, a gente vai chegar e invadir porque senão a gente nunca tá lá” e eu sempre referencio Preta K, porque ela é uma das mulheres pretas daqui e muito inspira a gente empurrar a porta e entrar.

Em resumo, o desafio que temos é que mulheres ocupem os cargos não só “domésticos”, que elas ocupem cargos de criação, estética, direção, fotografia, roteiro, não apenas estarem no set, mas onde elas estão nesse set. A conquista é que temos uma dando força para a outra, estamos encorajadas a assumirem seu processo de criação.

Sim, a gente pode.

Como conciliar Cinema X Pandemia? Abrir os cinemas retomaria o emprego de muitas pessoas que trabalham na infraestrutura, ou retomar as gravações de filmes/séries/novelas movimentaria novamente o mercado, mas tem o vírus… O que podemos pensar para o cinema daqui pra frente?

Sempre acreditei em cine-clubes e a LABCINE tem três coisas que ligam muito a gente. A primeira delas é a experimentação livre, sem cabresto, a segunda delas é o cineclubismo, tanto uma formação nossa, quanto uma formação de quem está nas oficinas e a terceira é a próprio compartilhamento em oficinas, mini-cursos e acreditar que a gente pode compartilhar nossas experimentações.

Cinema é para ser comunitário, local, da comunidade, para estar perto. Eu acredito muito num futuro possível de retomada em que as associações têm seus projetores, recebem as obras e exibem  para suas comunidades no seus cinemas de bairro, de rua, ao ar livre, na praia, beira de rio. Sonho muito com isso, sabe?

Infelizmente não é hora de voltar. A gente ainda não tem vacina. O Piauí está nesse novo surto, eu nem gosto de falar disso porque estou bem afetada, estou trabalhando todo dia com gente me expondo ao risco desse vírus e dá uma angustia saber que as coisas estão fechadas, mas a gente não tem vacina e o cinema não tem que reabrir agora e quando a gente for reabrir, que a gente possa ter uma descentralização.

Milena segue trabalhando durante a pandemia seguindo todos os protocolos de segurança.

Em Teresina só temos cinema no shopping e o cine-clube da Casa da Cultura, The Doors e do museu que a gente faz. Temos cinemas em Picos e Parnaíba praticamente, e são de shoppings. Acredito na retomada dos cinemas de praça, ao ar livre.

O futuro do cinema, não com sala de projeção fechada, mas um cinema de diálogo, com local, contexto, cine-clubes. O cinema é espaço de formação para quem é realizador, mas acredito no cinema contemplativo. O que podemos pensar de cinema daqui pra frente é mais ou menos isso.

Estamos com roteiros parados. O filme “Zarabatana”, por exemplo, que estamos rodando com uma banda daqui, a gente retomou o roteiro, está tentando voltar para gravar, mas ainda não deu. Vamos gravar em mercado, com performance no Centro, banda tocando, então existem roteiros e roteiros.

Existem os que se readequam a pandemia e você consegue gravar e deixar pronto, por exemplo: um roteiro que estou fazendo para a serie de TV trajetórias Escolares do canal Futura e Unicef… Foi tirado todas as imagens de cobertura e agora vai ter animação e eu vou fazer o que? Metade do trabalho que seria acompanhar personagens, eu vou fazer entrevistas, respeitando distanciamento, mas não vou entrar na casa.

Alguns roteiros a gente teve que parar, outros já estão na montagem e a gente está seguindo e outros vamos adequar para a pandemia, incluir a pandemia nesse processo.

Que filmes você poderia listar como fundamentais na sua formação até aqui? O que eles significam para entender a Milena de ontem e hoje?

Gosto muito “Do Fim ao Princípio” (2005) Nossa! Eu tenho uma paixão muito grande por senhorinhas e por casas das pessoas e é um filme que me remete a essas duas coisas e minha própria relação com o Interior, com comunidade rural, que tenho muito forte.

“Amazona” (2017) é um filme que me ajudou em tudo, pensar cinema inclusive.

“Cine Mambembe” e do “Mamá También” (2001). Gosto do “Um Filme de Cinema” (2017).

Gente, eu tenho que passar uma lista!

“O Céu sob os Ombros” (2011), “Domingo” (2018), “Ilha” (2018), “Café com Canela” (2017), me impacta muito até hoje.

Outro filme que eu gosto de rever é “Babilônia 2000” (2000), do Glauber eu gosto muito de “Terra em Transe” (1967), mas um dos meu filmes “mais mais” assim é “Macunaíma” (1969).

Gosto muito de visitar cenários de filmes. Fico imaginando as cenas, fica passando um negócio na minha cabeça. Por isso que eu tinha esse negócio tipo, Parque Laje, no Rio de Janeiro. Nossa! Aquela cena da piscina de “Macunaíma”…

Desses filmes que mexem com o essencial, de formação… “Barravento” (1962), gosto muito! Assisti dando palmas. É uma referência em termos de fotografia preto e branco.

Gosto muito do roteiro do “Som ao Redor” (2012).

Filmes da Lucrecia Martel são extraordinários.

“Pagode de Amarante” (1984) é muito bom e “Terror na Vermelha” (1972) também.

Eu sou muito de documentário e filme experimental, não sou muito de novelinha e tanta teatralidade. Gosto de filme que mexa com som, cabeça.

“Xingu Cariri Caruaru Carioca” (2017) é um documentário que gosto.

“Para ter onde ir” (2016) é um filme não só o roteiro me impacta, mas minhas referências sonoras são muito dele.

“Divinas Divas” (2016), porque… Eu conheci a montadora inclusive. Ela estava num curso de cinema negro. Gosto muito da montagem desse filme e a forma com ele lida com tanta emoção, ao mesmo tempo com tanta personagem incrível e todas estão no mesmo nível de respiro.

É um filme para se trabalhar personagem que eu sou fascinada.

Minha grande referência de pesquisa de personagem são os filmes do Coutinho.

De road movie é “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009), mas amo muito “Mamá También” (2001).

Minha referência de documentário com uma presença de quem dirige dentro do próprio filme é “Amazona” (2017).

Minha referência de cinema de processo é “Cine Mambembe” (1999).

As referências para mim vão dialogando com o que está se fazendo.

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