3 POEMAS PARA IMAGINAR NOVOS MUNDOS OU REVOLUÇÕES QUE COMEÇAM POR DENTRO

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Por Aliandra Alves

[sonhos insones]

tenho dormido pouco
sonhado acordada
planejado novos tempos
às margens de antigas jornadas
tenho dormido pouco
imaginado infâmes utopias
&
tropeçando em práxis intangíveis
declaro solenemente:
desordens
&
progressos
tenho dormido pouco
questionado certezas
avistado dentre terras
cegueiras
ruínas
&
tristezas
democracia racial, disseram
acontece que
mundo subjetivo não é igual
eu, tampouco
é que eu tenho dormido pouco
encarado loucuras insalubres
onde “eu”
torna-se pouco
&
pouco
torna-se muito
um
se torna todos
coletivos superam narcisismos
bolhas se extinguem
&
no prenúncio revolucionário
de um passado latente
acordado em si mesmo
se faz manifesto,
um manifesto:
cada qual
desde já
jazz o direito
de seus sonhos originários
é que temos dormido muito
entre sonhos insones
pesadelos dispóticos
veias abertas
&
passados encobertos
hora ou outra é preciso acordar:
temos dormido pouco
ou o medo mina a capacidade de sonhar?
é que temos dormido muito
&
a realidade que almejo
habita na encruzilhada urgente do agora
acordemos a memória:
independência ou morte!

[palavras & sorrisos são armas de guerra]


para se manter vivo
não há segredo
palavras, mãos dadas e pés no chão
palavras e revoluções precisam ser precisas
não há escapatória
mas é preciso paciência
ou daquelas coisas
que há de se pensar
não há mundo que se crie no lampejo
de um piscar de olhos
não se engane,
são necessários muitos olhos
para olhar de outra forma
o mesmo mundo
olho que olha sozinho
perde de vista o poder coletivo que há na margem
e na distração
mundos se desfazem
distraídos não venceremos
guerras se conquistam com exímia atenção
e uma tanto de parcimônia
e além de tudo, coragem, em demasia
para imaginar novos mundos
é preciso transcender retinas
desanuviar vertigens
desobecer linhagens
desoganizar passados
olhar com o peito aberto e pés descalços
desarmados
sorridentes
nos enlaces do fim
dentre a semente da ilusão
e a utopia do amor
na contramão do absurdo: esperançar!
subverter o ontem,
na esperança do amanhã:
revolução
também começa por dentro

[fome do amanhã]


aos que têm fome
é difícil enxergar alegrias e carinhos
como necessidade, também básica
cestas básicas que saciam
a urgência do alimento imediato
acontece que alegria e carinho
são alimentos imateriais
não cabem na cesta
não cabem no bolso
não cabem nas contas
aos que têm fome
não cabe dar conta de viver alegre
a esses, vida é sobrevivência
vivência atordoada
com a eminência de um amanhã
que talvez nunca virá
é que para aqueles que têm fome
é mais difícil sonhar
aos que têm fome, o pão é suficiente
até que descubram que só o pão
é alimento de sobrevivente
por que o alimento da alma
é a fome de viver
é por isso,
que para os que têm fome,
o tempo é agora
carentes de tempos alegres,
amassam o pão com as próprias mãos,
descrentes de amanhãs,
mas que acordam todas manhãs
multiplicando as mãos e os pãos
até que percebam que não tem mãos suficientes
para alimentar toda uma nação
ainda haverá fome
e para aqueles,
que têm fome de um amanhã
onde os que têm fome
enxerguem alegrias e carinhos como alimento
para esses, só há uma saída:
ofertar o pão não é suficiente,
é preciso subverter a desesperança

Aliandra Alves é psicanalista lacaniana, psicóloga de formação (UNINASSAU) e atravessada pelo poder das palavras.
Natural do Rio de Janeiro, mas pernambucana de coração.
Poeta do cotidiano, pesquisadora independente, mãe e ativista de novos mundos.
Pós graduanda em Ciência Política (Uniasselvi) e Saúde Pública (Uniasselvi). Pesquisadora dos enlaces entre amor e neoliberalismo. Associada a Associação Livre Lacaniana com estudos sobre psicanálise e relações étnico-raciais. Membra do Coletivo de Pesquisa Ativista Psicanálise Educação e Cultura (CPAPEC). Integra o Coletiva Psicanalista Trabalha (CPT), sendo coordenadora da regional Recife.
Atualmente trabalha com atendimentos particulares na clínica psicanalítica com uma perspectiva periférica e decolonial.
Coordena e media desde 2024, grupos de estudos e leituras gratuitos sobre clínica, psicanálise lacaniana e feminismos.

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