3 Poemas de Aída Cartagena Portalatín (República Dominicana, 1918-1994)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Aída Cartagena Portalatín é um marco na cultura dominicana do século XX. É possível pesquisar e escrever sobre a Aida viajante, a poeta, a romancista, a editora, a gestora cultural, a professora; a Aida revolucionária, a feminista, a crente; a que desenha, a que se interessa pelo cinema… Ou sobre o enigma de nascer sem grande fortuna material em uma província e tornar-se passeante de antigas cidades do mundo; de ser jovem mulher quando as dominicanas careciam de direitos civis e tomar a prerrogativa de escrever, discordar, ouvir tanto a luz quanto as sombras da alma, tanto o simples quanto o labiríntico; de viver em uma atmosfera de opressivas subordinações e personificar a liberdade individual. Sua biografia oferece excelentes pistas para abordar as mudanças extraordinárias que cercaram as mulheres no século XX, e mais especificamente as mulheres dominicanas.

Cultivadora de novas estratégias, atinge picos na literatura dominicana, como o romance Escalera para Electra e o poema Una mujer está sola. Escritora que exerce a liberdade de se expressar com firmeza com a palavra; não se autodenomina feminista, mas da maneira que escolheu; cristã leal à sua fé, mas nada ortodoxa ou institucional; revolucionária cuja autonomia provocava irritação nas mentalidades sectárias. Crítica, artista, poeta, amiga, rebelde… tudo à sua maneira. “La Sagitaria Divina”, como Moreno Jimenes a chamava, “por sua eloquência revolucionária”, disse Manuel Rueda. Talvez o poeta da Colina Sacra quisesse aludir à afetação ou talvez não ignorasse que em Sagitário, nona Casa do Zodíaco, se encaixam as viagens, a educação e tudo o que se relaciona com a religião e a filosofia. O Centauro Sagitário é retratado com asas e uma cabeça dupla. Destas, um olhar para a frente, isto é, para o futuro; enquanto o outro olha para o passado. Os conhecedores desta polêmica disciplina destacam a compreensão das coisas transcendentes por parte de quem passa pela casa de Sagitário. A imagem do centauro, capaz de ver ao mesmo tempo o pretérito e o porvir, encarna uma poética.

Afinal, poucas personalidades em nossa cultura foram tão curiosas, definidas e abrangentes como Aida. Amava poesia, arte, arqueologia, cinema, seus parentes e amigos, Paris, Moca. Bebia da taça universal, mergulhando em suas raízes. Sua imaginação estende elipses elásticas entre Moca e Atenas, entre a antiguidade e o presente, entre o Caribe e o Mediterrâneo; entre a plástica e a poesia. Como se essa atividade lhe resultasse completamente natural.

ÁNGELA HERNÁNDEZ NÚÑEZ


ESTAÇÃO NA TERRA

I.

Não creio que seja demasiado que eu esteja aqui.
Aqui faz falta uma mulher, e essa mulher sou eu.
Não regresso em prantos. Não quero reconciliar-me
com os fatos estranhos.
Antigamente, tive a inútil vigília de erguer as telhas
para aplaudir os parágrafos da experiência alheia.
Antigamente, eu não tinha despertado.
Não era necessário despertar.
No entanto, despertei de costas para teus discursos,
definitivamente enfrentando a verdadeira, simples e clara
necessidade de ir ao meu encontro.
Agora posso negar-te. Retirar meu voto.
E posso ouvir e gritar comigo
irremissivelmente viva,
porque viva é a voz das verdades,
porque viva é a voz do luminoso
salão de casamento do anjo com a estrela.
Agora posso negar-te. Sou toda janelas,
limpa, livre e clara diante do campanário
dos ofícios dos vivos e dos mortos.
E sinto a necessidade das pequenas coisas
daquelas pequenas coisas que não sobem
como se tivessem medido o lugar,
mas sim que se espalham como árvores em chamas.
Com essa pequenez eu me desloco por tua arquitetura
de galeria sem fim.
—Sempre sem notícias, nem rosa, nem lua em seu caminho—
e chego ao fundo onde te descubro
nessas gerações de famílias imobilizadas
que acabam com a última viga envelhecida
quando não há outro dono e os móveis estão gastos.

II.

Essa infeliz dignidade da rotina
está no termo onde o absurdo
tem voz de carícias para chamar as feras
e não significa nada para a voz de minhas verdades.
Pensarão que cheguei muito cedo,
talvez um pouco tarde. Talvez não tivesse
chegado a nenhum outro momento
para substituir a minha vez.
Porém não creio que eu esteja aqui demasiado,
Sem falar que prefiro estar aqui agora,
e me desamarrar às vezes,
e coletar as negações
para voltar com a resignação,
o grito e o passo da morte.
Isto é regressar ao lugar
onde as árvores rejeitam os desconhecidos
e a conversa de algumas estações é prolongada.
Isto é ser como os outros
e devolver minha alma vizinha
igual às dos vizinhos,
e perder o medo de passar por mim totalmente
com a memória do livro de recordações.

III.

Prudentemente fechei o caminho
e disse: estou no tempo puro.
Um tempo em que a vida perdeu sentido.
Um tempo que revela que a natureza das coisas
está ao contrário de sua casca
e o alimento consiste no estímulo.
Estação real que me incorpora
e rejeita o propósito de descobrir o Código
que sentencia a vida atrás de tua cortina.


UMA MULHER ESTÁ SOZINHA

Uma mulher está sozinha. Sozinha com sua estatura.
Com os olhos abertos. Com os braços abertos.
Com o coração aberto como um grande silêncio.
Espera na noite desesperada e desesperadora
sem perder a esperança.
Pensa que está no barco almirante
com a luz mais triste da criação.
Já içou velas e se deixou levar pelo vento do Norte
com a figura acelerada diante dos olhos do amor.
Uma mulher está sozinha. Sujeita a seus sonhos,
os sonhos que lhe restam e todo o céu das Antilhas.
Séria e quieta diante do mundo que é uma pedra humana,
móvel, à deriva, perdido o sentido
de sua própria palavra, de sua palavra inútil.
Uma mulher está sozinha. Pensa que agora tudo é nada
e ninguém fala nada sobre a festa ou o luto
do sangue que salta, do sangue que corre,
do sangue que se reproduz ou morre na morte.
Ninguém se apresenta lhe oferecendo uma roupa
para vestir uma voz nua que soluça ao soletrar-se.
Uma mulher está sozinha. Sente, e sua verdade se afoga
em pensamentos que traduzem a beleza da rosa,
da estrela, do amor, do homem e de Deus.


HENRI MATISSE

Onde está Henri Matisse? As mãos das cores
nunca mais com novos rostos e linhas
compartilharão minha cela.
Onde? Compondo o enredo,
envolto na cor, onde o anjo desenha.
Sob o corpo do céu
seu rosto de pássaro torrado se contorce.
No sulco que ele arou com as mãos
a glória se incendeia,
sua glória eterna
acostumada a viver idades.
Agora eu o chamo de volta à tarde
em que deixou sem pousada a minha memória.
Eu o chamo com voz de suas verdades,
com uma voz de amante eu o chamo
para o meu jardim de bronzes.
De pé eu vigio a casa de seu nome.
Henri Matisse grande como o oceano,
Onde está carregamento?
Penso como estarão hoje os amigos
apegados a essa duvidosa vontade de lhe obedecer.
Deste a eles a chave? A chave que alcançaste
com teu corpo de fome,
com a vaidade de ser puro,
de lhes dar o teu perfil, expressamente.
Nada me perturba que desencadeies memórias,
que lhes ofereças outra máscara,
que dispares a funda no sino principal.
Onde está tua pele, tua cruz, as feras?
Em Vence, com todas as estações do ano.
Em Vence, com suas mãos que eram alimento renovado.
Em Vence, simplesmente, com sua esposa, seu filho
seu ouro e o atavio de seu nome,
Oh Montanhas de Vence, onde está Henri Matisse?

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