4 Poemas de Renata Dalmora

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Renata Dalmora, artista baseada em São Paulo -SP, graduou-se em artes cênicas e atualmente divide suas atividades entre a escrita, composição e atuação. Em sua escrita, majoritariamente poética, se reflete seu interesse pelo estudo da psique humana e do feminino sob uma perspectiva Junguiana.


DEITEI-ME HOJE COM UMA MULHER

Deitei-me hoje com uma mulher
E não é que eu tenha me apaixonado
Mas foi como se nos conhecêssemos há tempos
Os homens não entenderiam
Eu tampouco quero esse tipo de homem
Imaturo e covarde
Também não quero o outro tipo.
Ambos muito antiquados
Saindo de alguma tumba
Clamando por suas mães ou por suas bonecas de louça.
Deitei-me hoje com uma mulher
E não é que eu tenha me apaixonado
Mas era como se nos entendêssemos.
Hoje dormimos juntas e armamos um plano.
Então, tenha cuidado, você está na nossa lista.
Hoje dormimos juntas e sonhamos.
Mas saiba que por detrás da nossa doçura, te analisamos.
Não pense que nos engana com essa cara de que sabe algo da vida.
Não se aproxime de nós. Sua alma é seca e dura como
o concreto da cidade, vai-te embora. O mundo cada
vez mais será nosso, agonize com esse mundo antigo.
Padeça.
Hoje dormimos juntas e projetamos bombas atômicas,
poesias, mil cerimônias do nosso casamento.
Outros planos de amor e de morte. Cuidado! Você está
em nossa lista. É inevitável, você está com os dias contados.
Hoje dormimos juntas e contamos os dias do futuro,
contamos histórias, contamos as sardas dos nossos
corpos – brincamos de estrelas. Hoje nada é mais belo
do que as nossas constelações.
Caiam do muro que construíram pra si mesmos,
homens, para que tirassem do mundo todas as
vantagens. Esse muro vergonhoso. Agora te enxergamos
muito bem, do nosso lugar, entre o Céu e a Terra.
Cuidado! Hoje pegamos vocês de calças curtas.
Hoje deitamos juntas e sonhamos. Hoje nosso plano
de dominar o mundo está traçado.


IMAGINADAS

Eu queria saber a consistência do amor
As partes cruas,
A parte feia do amor
Mas você me deixou
As partes imaginadas,
De como seriam nossas conversas
Na sala, onde bate o sol,
E onde seu cachorro nos olha
Com seu amor de cachorro
Então eu saberia o que é
Ter um amor, um lar e um cão.
E descobriria
A parte crua do amor
A nem tão bonita do amor
A parte real,
Estranhamente sonhada.


PSICOGRAFAR-SE

Escrever é psicografar
O que nos dita
O próprio espírito.
Psicografar-se a si
E aos espíritos que nos habitam.
Também aos que habitam
Todos os lugares.
Os espíritos das coisas.
Do que foi e o do que virá
Dentro e além
do que é chamado História.
Então é necessário escrever
E é necessário sonhar
Porque o homem não pode capturar
A multiplicidade do tempo.
Mas o espírito
Em sonho e poesia
Ele Pode.


CONSTRUO UMA CASA COM FRAGMENTOS DE MIM

Uma janela
e um cão
Que me conhecem,
Parece,
Mesmo antes
que eu me conheça.
Têm, agora,
As luzes e o calor voltados para mim
Antes mesmo que eu conheça a
a luz e o calor.
Alguma coisa
Muito frágil
e muito bonita
Envolve essa janela e esse cão
Algo, que só se pode tocar
Estando também vulnerável.
Quase sinto outra vez
O que é simplesmente estar
Para o que quer que deseje
me atingir
Quase posso querer,
e é o desejo que move as coisas.
Estou me perguntando o motivo dessa sorte
Em meio a tanto ruína.
A ruína de antes e depois
Das ruínas dessa mesma casa.
A casa que me abre as janelas
E me recebe com carinho.
Essa casa que construo
Com os fragmentos
De mim.

1 comentário em “4 Poemas de Renata Dalmora”

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