5 Poemas de Carla Diacov

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Carla Diacov, São Bernardo do Campo, 1975. Formada em teatro, escreveu uns livro, entre eles: Amanhã Alguém Morre no Samba (Douda Correria, 2015/Macondo, 2018), bater bater no yuri (Enfermaria 6, 2017), A Menstruação de Valter Hugo Mãe (Casa Mãe, Portugal, 2017/Macondo, 2020), A munição Compro Depois (Cozinha Experimental, 2018), : pescoço x sobreviventes (Garupa, 2021), ao marfim dos seus caninos (Editora Primata, 2022). Mantém a campanha https://apoia.se/poemapoemesa no sentido de fazer de sua escrita seu sustento.


Anatoli Petrovich Bugorski

o segundo em que uma imagem
passa a ser lembrança não gosto
dessa passagem é apavorante que isso
aconteça quero que a imagem esteja
que caminhe junto dos dias com o
hálito fresco de mãos inteiras e
rosto novo quero que a imagem
ainda que ruim ainda que ordinária
aponte para o amanhã seja adiada
mil vezes adiada e jamais olhe para trás
que não chore como choro que tenha
a coragem que me falta que seja livre e
que corra os riscos da liberdade quero
que a imagem me olhe de volta segure
meus ombros e diga qualquer fuxico
parecido com um buraco negro recém
descoberto no armário entre o café e
o pote de biscoitos amanteigados


tabagismo e chuck taylor

acendo um cigarro que
não fumo para pensar em ti
me sento na escada de uma
casa que não é minha para
pensar em ti

com a boca que não fuma
seguro o cigarro aceso
para pensar em ti enquanto
dou voltas na canela com o
cadarço do meu chuck taylor

pensando em ti

todas as vezes em que
fui convidada intimada a
não pensar em ti era tu a criatura
que contava histórias
sobre pulmões saudáveis
sobre pulmões fumantes
“vício maldito”
sobre o menino que fuma
desde os quatorze fuma


oumuamua

falávamos de oumuamua
de como o mundo inclui em si
suas próprias maneiras de fim
falávamos sobre o imenso vazio espacial
fazíamos as mais cruéis comparações

falávamos de marte até cansar o punho

agora falamos de sorte ou de morte
tanto faz
quando o que sobra entre nós é
despejo de duração
cansaço e o preço das cenouras


dia de lua

gosto quando o domingo
começa pela janela do quarto
avança sobre os livros com calor
benze nomes amigos com a poeira de
ouro bafeja a cabeça de
lord ganesha cruza o quadro
com a foto do meu pai e
chega na minha barriga

a iluminação
“a iluminação”

tão simples em seus mistérios
talvez a barriga saiba o gosto
da coisa iluminação talvez não
quem sabe a barriga de sol que vejo
quem sabe não seja minha a barriga quem
sabe um invento de estrela uma manifestação
áurea do reflexo de pavor no escudo
de perseu e que um dos gatos tenta
por todas as maneiras
agarrar meter os dentes arruinar
e
dormir ao lado dos destroços


quase lá

quase nada no mundo
explica a forma humana
na natureza as coisas têm harmonia
matemática química
a natureza é excêntrica
extraordinária apontável significante
o ser humano é uma bagunça que nem
o caos acolhe
é porém amável
é possível amar o ser humano
não como amar uma couve-flor a sequência
matemática perfeita em suas espirais
o pinto o próprio ovo o bico da galinha
suas penugens sob a lente de um microscópio
pequeníssimos soldados angelicais da geometria
um pedaço do couro humano não tem
¼ da elegância exata de um pedaço de shitake

quase nada no mundo explica a
forma humana o que significa
o quase existe está e permeia
a baba após o beijo
o silêncio após o choro
a linguagem anterior aos verbos

a tudo que se refere ao humano
bicho tão desnaturado
é ao quase que devemos
nos agarrar
e puxar para uma última dança

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