7 Poemas de Sofia Ferrés

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Sofia Ferrés – Nascida no Uruguai e radicada no Brasil, é autora de O Pequeno Livreto de Haicais (Oficina Tipográfica de São Paulo, 2017), En_vuelta (Ed. Original Laranja, 2018), Desmatéria (Edições Macondo, 2019) e Mandala (Editora Flanêur, 2023). Foi finalista (2019) e vencedora (2020) do Prêmio Literário Glória de Sant’Anna. Possui poemas publicados em revistas literárias e antologias do Brasil, Portugal, Estados Unidos, Rep. Dominicana e Haiti.


***

recebi teu livro
do pacote ao abri-lo saiu um cheiro de éter
deve ser da tinta impressa
presa
ou das palavras
hospitalizadas
senti tontura o dia inteiro.

(En_vuelta, 2018, Editora Laranja)


***

cada dia uma construção.
celebro a cada esquina
o que se antecipa:
alguns encontros
rostos arqueados
mãos prateadas
frases eventuais.
um mundo página em branco
amo os dias de antemão
e escrevo-os,
palavra por palavra.

(Desmatéria, 2019, Edições Macondo)


***

as palavras
deixam muito a desejar.
nomeiam as coisas sem conhecê-las.
chamamos este ser de cão, sem saber
ao certo o que é: um erro de linguagem.

e seguimos por gerações
chamando o cão de cão, procurando
uma próxima incógnita.
carimbando palavras
às coisas abstratas, como
uma perna, una zanahoria.

(é este o perigo da linguagem: dar como verdade ao que
apenas lhe demos um nome. retratar flores paradas, o rio
uma sopa de pedras, representar em sílabas tudo o que
não se explica)

a verdadeira forma de contato
é estando muda e viva.
palavras nos afastam,
voam logo antes do sopro da língua.

que absurdo ter criado a linguagem.
as coisas desde então acontecem indiretamente.
qual vida assim teve enredo genuíno?

(Desmatéria, 2019, Edições Macondo)


***

Aquesta casa és morta.
Hi ha un silenci de fitxer.
Està bruta i va perdre la brillantor.
Té una història guardada,
les fotos s’enlairen pel passadís.
La casa va morir abans que la parella
que vivia aquí.

El primer acte fúnebre serà obrir-le
el pit, el coll, mirar-li la sang.
Després, renovar l’alè, l’oxigen,
i finalment, l’aire.

No els sento, ni per les cambres, ni a la memòria.
Alguna cosa es desfà en aquesta casa sense sorolls.
En aquesta casa ningú no se sent, ningú no es parla.
Una parella, a la llarga, s’assembla molt a la mort.
Van morir en aquesta casa, abans que la casa.

(Encarnació, 2020)


***

Llevo centenas de noches despierta
escuchando un ronroneo nocturno.
mecánica del mundo que mueve
sombras por la bóveda de mi cuarto.
¿Qué mano invisible mueve la luna?

La imaginación me salva de muchos temores.
Del futuro que duerme y no duerme.
Del pasado insomne que cruza
su larga cola por el aire
y dilata mi cuarto como el cosmos,
porque estoy aquí
y no más lejos de la luna que un árbol,
no más explicable.

En este mundo parece
que al entrar nunca se sale.

(Encarnació, 2020)


Língua

Fez-se ao mar a língua Portuguesa.
Ondula a meia-nau, supressa.
Aproa oclusa à linha do vento.
Ecoa marítimo o ritmo rótico.
Ecoa torrente o erre gutural.
Para novos territórios frescos.

Palavras não recuam.
Abrem-se em praias.
Abre-se a vogal A.

Belo e terrível exílio.
O traço do timbre cortado ao meio
A cavidade bucal cortada ao meio
Na harmonia nasal do léxico Maxakalí
diz-se pukñoq ao estranho perverso.

Propaga-se a língua Portuguesa
entre águas, solidão e mágoas,
no anonimato de simples mortais.

(Antologia A Boca no Ouvido de Alguém, 2023, Através Editora)


Branco

Trocaria de vida com essa árvore
que parece não pensar em nada.
Está conectada e parece orar,
de joelhos dobrados e troncos erguidos.

Nela me sento a ler um livro.

A alma sobe feliz até o olho da árvore.
Estou quase em paz. Sou capaz de sentir o seu ascenso.
Há um vasto espaço guardado neste momento.
Há sempre algo escondido.
Algo puro e escondido.

(Mandala, 2023, Editora Flâneur)

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