Cotidiano Tenso de Salvador é Retratado nos Contos de Relatos da Guerra Preta, de Nelson Maca

| |

Da morte violenta às humilhações nas batidas policiais; a busca por uma internação num hospital, por um enterro digno ou pela reintegração social. Estas e outras tensões do cotidiano do povo negro de Salvador permeiam os 19 contos de Relatos da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação, novo livro do professor e militante Nelson Maca, 55 anos, que será lançado no dia 20 de novembro. O conjunto de textos dialoga com a realidade geográfica e simbólica da Bahia Preta, como o autor define o universo em que seus personagens transitam.

Relatos da Guerra Preta funda-se na ideia central de como o preconceito, a discriminação e o racismo se perpetuam como elementos estruturantes da nossa sociedade. As histórias são inspiradas em relatos ouvidos e presenciados pelo autor em suas incursões pela cidade. Textos como Passagem do Meio, Farinha do Desprezo, Carterada, Saidêra e Tá na UTI Graças a Deus retratam, de diferentes maneiras, a luta pela sobrevivência da população negra como um ato bélico, numa experiência de cidadania desde sempre inconclusa.

Na visão geral do livro, a realidade do soteropolitano serve como metonímia da estrutura sócio-racial forjada no Brasil colonial e que se mantém até hoje. Relatos da Guerra Preta faz um panorama objetivo da herança de violência, miséria e rejeição recebida pela comunidade negra. Com esses fios históricos, Maca traça sua teia de conflitos calcada no que o escritor Marcelino Freire, que assina o texto de apresentação do livro, interpreta como escrevivência, ao aproximá-lo da escrita de Conceição Evaristo. O texto da orelha é do escritor mexicano Alejandro Reyes e o posfácio da professora baiana Ana Carla Portela.

“Procuro me inserir no debate literário em torno da negritude cotidiana, principalmente na luta do povo negro pela sobrevivência em pleno século XXI. Essa batalha cotidiana para se manter vivo é o que chamo de Guerra Preta”, afirma Maca. Um dos mecanismos que ele utiliza para isso é figurar como narrador e também personagem de alguns contos. “O que busco é um híbrido, até porque todos os argumentos e assuntos do livro partem de experiências que tive ou que me foram relatadas. Logicamente, há muito espaço para a fabulação, mas uma das estratégias narrativas do livro é o aproveitamento de biografias”, reflete. “Outro objetivo é a busca de uma prosódia específica, porém, se possível, não estereotipada”, completa.

Leia também:  língua também é corpo, laranja é planeta e ouro

O livro é dividido em oito partes, cada uma explorando um conceito do universo bélico: Correspondente, Trincheira, Batalha, Recuo, Retaguarda, Confronto, Baixas e Trégua. Segundo o autor, a intenção é generalizar o conceito de guerra, mostrando a luta, por todos os meios possíveis e necessários, para se manter vivo e ter alguma qualidade de vida. E não julgar ou condenar comportamentos e atitudes dos personagens – que são narrados a partir da ética própria do universo em que circulam no mundo e no texto.

Adepto do conceito e estudioso da Literatura Negra, Nelson Maca procura construir negritude em seus textos: na temática, no vocabulário, na sintaxe e no ritmo. “Interessa-me, profundamente, como se dá e até aonde vai o convívio entre ética e estética na poética da negritude, no estilo e na percepção de mundo”, diz Maca, que lançou em 2015 o livro Gramática da Ira e, em 2019, o libreto Go Afrika, ambos de poemas.

O lançamento no dia 20 de novembro reforça a intenção do projeto. A data tem representatividade nacional para além da militância negra de forma geral. A comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra, fundada no exemplo de Zumbi dos Palmares, representa uma celebração desconstrutora do dia 13 de maio, marco oficial da abolição e do heroísmo da princesa Isabel. Com seu lançamento nesse contexto, Maca chama ao debate crítico uma sociedade que, apesar de afirmar o fim da escravidão há mais de cento e trinta anos, ainda não contempla, em seu projeto de nação, negras e negros.

Relatos da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação estampa em sua capa a tela Espanto, da pintora Ayeola Moore, de Guadalupe. A arte da capa é do designer Welon Santos e a diagramação e arte geral de Francisco Benevides e Andrew Cesar. O livro é a terceira publicação do autor e do selo Blackitude.

Leia também:  Três Perdidos em um Paraíso de Concreto

Até o lançamento físico, a publicação pode ser adquirida através de pré-venda pela campanha TRANSE, que segue a lógica das plataformas colaborativas, porém sem intermediários entre o escritor-editor e seus potenciais leitores ou consumidores. O preço mínimo de referência é R$ 30 para Salvador e R$ 40 para outras localidades. No entanto, conta com a parceria daqueles que tenham interesse em apoiar com valores maiores. O livro pode ser adquirido pelas redes sociais e WhatsApp 71-99210.1487. As entregas serão a partir do dia 20 de novembro


Nelson Maca

Poeta e professor de Literatura. Ensinou na Universidade Católica de Salvador de 1995 a 2019. É fundador do Coletivo Blackitude: Vozes Negras da Bahia, que realiza o Sarau Bem Black, o Slam Lonan e outras ações artísticas e de formação sócio-racial através das linguagens da cultura hip hop e afins há quase 20 anos. Criou e coordenou o evento infantil Sarau Bem Legal, que aconteceu durante cinco anos e meio na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, em Salvador. Há mais de 30 anos promove e participa de eventos da negritude – seminários, workshops, cursos, shows – na Bahia e no Brasil. Juntamente com o escritor paulista Berimba de Jesus, realizou três edições do Encontro Nacional de Literatura Divergente. Com o escritor Marcelino Freire, organiza a Balada Literária de da Bahia, evento completou sua sexta edição em 2020. Com o produtor e gestor cultural Chicco Assis, fez a curadoria da Casa do Benin na Flipelô, edições de 2018 e 2019.

Participou de diversas coletâneas de poemas e organizou os livros Tarja Preta, de Zinho Trindade (Edições Maloqueirista) e A Rima Denuncia (Global), do rapper brasiliense GOG. Lançou Gramática da Ira em 2015 e Go Afrika em 2019 (ambos de poemas). Tem parcerias com o grupo In.vés (BA), os rappers G.O.G (BSB) e Ba Kimbuta (SP), com o funkeiro Mano Teko (RJ) e com o percussionista e compositor Jorjão Bafafé. Já fez performances com Sistema Kalakuta, Jorge Ceruto (Cuba), Ellen Oléria (BSB), Mc Pingo do Rap (RJ), Vera Lopes (POA), Wiza (Angola), Vox Sambou (Haiti), Mariella Santiago, Prince Áddamo, Skanibais, I.F.Á Afrobeat, André Sampaio (RJ), Jazz100Strezz (SP), entre outros. Desde 2014, apresenta as performances CandomBlackesia, inaugurada no XX PERCPAN, e Tamborismo, em dupla com o Mestre percussionista Jorjão Bafafé. Em 2018 viajou o Brasil com a performance Na Rota da Rima, pelo projeto Arte da Palavra, do SESC nacional. Em fevereiro de 2019, participou do FELIM – Festival de Literatura Marginal de Belo Horizonte. Em julho do mesmo ano, participou do Festival Internacional de Poesia e Artes Performativas de Moçambique, na cidade de Maputo.

Leia também:  Anna, o cinema e a história - O império desmorona aos olhos de uma criança

FICHA – LANÇAMENTO

Livro: Relatos da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação
Autor: Nelson Maca
Selo: Blackitude
Lançamento: Dia 20 de novembro
Quanto: R$ 30 (Salvador) / R$ 40 (outras cidades) *preço especial de pré-vendas

Assessoria de Imprensa: Ana Cristina Pereira (71-9.9176.5755)
Contato Nelson Maca (71-3326.4620 e 9.8627.3416)
Vendas: Lúcia Santos (71-9.9210.1487)

1 comentário em “Cotidiano Tenso de Salvador é Retratado nos Contos de Relatos da Guerra Preta, de Nelson Maca”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!