Curadoria e tradução de Elys Regina Zils
Escritora, filósofa e pintora. Pesquisadora de Estética, Bioética e Direitos Humanos. Doutorado em Filosofia Sistemática na Karlová Univerzita, Praga. Leciona as disciplinas de Estética na Faculdade de Belas Artes para graduação e mestrado, e Filosofia, Ética, Bioética e Direitos Humanos na Faculdade de Humanidades. Em 2014, obteve o Prêmio Nacional de Poesia “Ricardo Miró” com sua obra La nieve sobre la arena. Faz parte dos poetas selecionados para compor a Antología poética panameña, edição bilíngue espanhol-russo, Poesía de Panamá (Universidade do Panamá, 2015). Tem colaborado em diversas antologias poéticas e de narrativa, e sua obra foi traduzida para o inglês, português e tcheco. Em 2015, ganhou o Prêmio Nacional de Conto “José María Sánchez” com sua obra Agujeros negros. Em 2018, obteve, pela segunda vez, o Prêmio Nacional de Poesia “Ricardo Miró” com o poemário La edad de la rosa. Em 2020, obteve o Prêmio Nacional de Literatura Infantil e Juvenil “Carlos Francisco Changmarín” com sua obra Las cosas de este mundo.
PEQUENO PARAÍSO
Doce
E amargo ao mesmo tempo
Se mostra o norte, diante do pequeno fluxo
Que esconde a montanha
Quando descem as lavadeiras
Com suas bacias sinuosas
Entoando cantos e preces
E um pouco de fome de amor,
Como nós,
Ainda fervilham os caracóis cinzentos
Cujas origens não soubemos decifrar
Entre o lodo e o sal;
Descem os cordeiros para beber o sorvo
De vida
Que degolará a tarde,
Desce
O pintassilgo pardo
Que enfeita o ninho
Com fios de tillandsias
E nostalgia
Deixei de contemplar as feridas
Em meu ventre
Porque não voltarão
As tuas carícias
CRAVOS DO AR
Fomos esses cravos do ar que resistem às chamas,
Ao esquecimento das florestas,
À timidez da manhã.
Nos abraçamos em vertigem
Seguros de beijar a imortalidade
Em cada voo
Fomos a partícula atômica que nos salvaria de nossas tragédias,
A fôrma do sapato perdido,
O cristal
Estourado
Na pupila
De outros
Nos encaminhamos ao fogo
E as amazonas penduravam nossos beijos em suas bochechas,
Adestramos a solidão
Com a arte que conhece
O musgo cultivado,
Oscilante na raiz do ar,
Vértice adentro
Quando desabou
Uma pomba
Na tarde cinza
Umedecida pelo vento,
Tua voz se ergueu
Quebrando o céu
Era uma pomba cruzando a íris
Dos teus olhos,
Um estertor gigante
Atravessado
Na palavra outono,
A perfeição vermelha de uma ferida,
A cálida
Bem-vinda
Da linfa
OLHOS DE ABISMO
(Jeanne Hébutherne)
Jeanne Hébutherne
Dormiste nos braços do vento
Onde esticar a dor
Afogar o grito profundo
Como vestir
O vazio que flutua?
Olhos de oceano
Teces canções de ninar
Para o teu homem
Aquele que baixava as nuvens
E as ordenava
Entre cádmios violentos
E azuis escavados até o infinito
Sabias desde menina
Pintavas o aroma das flores
A necessidade do voo no pássaro
A fome das crianças que ainda não nasceram
Engolirias tua honra
Nas madrugadas
Mastigarias até fazê-la carne
E depois não poderias mais sentar entre mortais
Porque a arte é um ritual
Um sacrifício
Infame
Foste ar
E depois chuva
E também aquelas coisas que os deuses inventam
Quando se entediam
Nesse minúsculo universo
Em que doem as horas
A solidão pintou as paredes de fogo
E então já não podias estar mais só
Do que entre os mortos
A alvorada lembrou:
As alturas são para os pássaros
E para as musas que morrem de amor
Porque a vida
É este salto no vazio
É absorver a espátula com o risco de negar
As cores
Libélula perdida entre as sombras
Há tanta cor na nostalgia
Que despes as horas como autômata
Quando percorres as ruas
Despedaçada de amor
Esmagada por luas alcoólicas
Elevaste aos infernos o abraço
Com teu homem
Na pedra fóssil
No dorso do pranto
E os cegos te viram
Deslocar-se
No vento
Uma cesta de laranjas te espera
Em alguma mesa
Há crianças nascidas aguardando
E também
O absinto dos profetas
As coisas que não vêm são fabricadas com os sonhos
E não acordaste
Jeanne
Nem quiseste seguir
Com os olhos abertos
Quero embalar tua cabeleira assustada
Tua silhueta perfeita no precipício
Mas uma luz intensa te chama
Te mostra o caminho
A brecha venenosa no peito
Do teu Amadeo perdido.