3 Poemas Magdalena Camargo Lemieszek (Panamá, 1987)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Magdalena Camargo Lemieszek nasceu na Polônia em 1987, tendo sido criada e educada no Panamá, cuja nacionalidade possui e onde vive e desenvolve sua atividade criativa. Até o momento ela publicou dois livros: Malos hábitos (2008) e El espejo sin imagen (2020). Obteve o prêmio nacional de poesia em duas ocasiões. Outros escritos seus podem ser lidos em https://madziagesth.wordpress.com/.


LALKA

Para ti, para tua voz de rapaz

É certo, meu amor, que não estou no norte.
Não há flores de sílica em meus jardins.
Raposas transparentes habitam em mim,
a geada tatuada na face dos galhos,
e um mar sem ilhas,
aberto em tua frente feito uma mão.

Eu não sou a beira de tua viagem
nem o amanhecer acenando como um lenço na interminável noite,
por meses jogada contra os relógios,
por meses, de pé entre nós.
Agora sabemos que o frio também é uma linguagem,
e que a vastidão da tundra espera como outro paraíso.

Não te esqueças, amor, da porcelana turva do meu corpo,
a goma de meus ternos modificada por traças,
cabelo espalhado, despenteado pela sombra,
hoje que o sete é a premonição do nosso abismo,
o perfil sombrio de nossa corda,
o ângulo triste
e a queda.


ESPELHOS

Dias em que a palavra alheia
se apodera de mim,
vou por esses dias, sonâmbula e transparente.

Alejandra Pizarnik

O espelho ilumina os contornos de cada uma de minhas máscaras
e despeja em mim esse temor de encontrar todos os espaços invadidos
por um ar estranho, incendiário.
Frente ao círculo premonitório dos olhos,
o tempo é um animal que enroscado aos meus pés bebe as horas.
Sua língua tece os fios dos quais amanhã penderei.
Do balanço lúdico de sua cauda, as vozes que vão se desenrolar na minha garganta se desprendem,
é ele quem afia o arsenal que os dias vão lançar contra mim,
os que me farão esquecer, atrás de mim, uma mecha de cabelos,
um braço, um resquício da coxa,
no cinema de quarta geração, no ranger de um elevador dos anos oitenta,
ou em um café movimentado de frente para a baía inchada de venenos…
até que a cidade tenha engolido tudo
e não me reste mais do que um humor à sombra
e alteridade.


INSÔNIA

Às vezes, depois de uma longa noite sem dormir, descubro que sonhei.
Lembro-me então de uma linha.
A linha poderia ser uma corda
mantida por nada em ambas as extremidades,
e, portanto, tensa, quase ao ponto de ruptura.
Poderia ser um dedo apontando para o horizonte,
um dedo fino e muito branco, porque não poderia ser de outra forma,
e aponta ao meio de tudo um lugar preciso.
Lá, eu sei, uma flor fechada como um pequeno punho
Lentamente se ergue, afastando os minerais escuros da terra.
Seu caule e suas raízes são um fogo verde
e não possui espinhos ou folhas que em algum momento terão que cair.
A brisa desceu apenas para lhe tocar,
e porque há coisas que são dadas apenas para o frio
a flor se abre e a água escorre de suas pétalas,
até que elas se transformem em água
e ao redor da flor há um mar recém-criado,
um oceano vazio de todas as criaturas
que em sua extensão jaz fora do limite traçado pelas costas.
Só então compreendo que demorei muito
percorrendo aquela linha.

Atrás de mim uma constelação de jaspe se acende,
e descalça, símbolo inconfundível de toda travessia,
caminho no meio da noite
sobre uma faca infinita.

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