3 Poemas de Consuelo Tomás (Panamá, 1957)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

Do Panamá, é pouco o que se sabe em qualquer parte. Um canal, uma invasão, ditadores e presidentes, interesses vários, de vários interessados. Contribuições há muitas. Porém não alcançam o mercado do livro ou a feira das vaidades. Eis aí a obra de Rogelio Sinán, que morreu de velho, há uns poucos anos atrás, e ainda seguimos descobrindo o caminho que nos abriu a todos. Demetrio Herrera Sevillano, que morreu pobre nos subúrbios da cidade que crescia na contramão na década de 20, e que escreveu uma poesia que transcendia inclusive as auriflamas do Modernismo. Em muito ele se adiantou às formas de dizer. Duvido muito que uns versos como “com os lápis de minhas pernas / vou traçando uma ferida que me leva até minha casa / minha casa de solidão e amor desenganado na penumbra”, que tais versos pudessem ser concebidos por outro que não saísse da dor e da pobreza que lhe pertenceram a vida inteira.

Toda a poesia escrita nos anos 60, exacerbada por haver um governo dentro de outro governo, cercas, tratados nefastos, soberania hipotecada. Toda a poesia panamenha deste século fala de como é viver em um país de trânsito (adeus, goodbye, so long, farewell, hoje te vi, amanhã quem sabe), país armado, semeado de minas e cercas de no tresspasing. Os poetas escreveram tudo, porque a recordação histórica não alcança para contar a dimensão do perdido, o tamanho da ferida e nossa capacidade para não regar sangue desnecessário, negociando o pulmão com o amo mundial fazendo uso da astúcia do pequeno. Não nos teria obtido sangue para sustentar a soberba. Este tem sido um país aberto. Sempre multicultural, salada de gente. Todo mundo tem algo de todo mundo. Os poetas têm contato como é viver assim. Não fizemos revoluções, nem conflitos de baixa intensidade, nem guerrilhas. Não rejeitamos ninguém por sua cor ou origem, tivemos um ditador bom que pôs nossa causa no mapa mundial e outro que demonstrou que ainda levamos o subdesenvolvimento nas costas. Enfim, contribuições têm havido muitas. Porém só descobrimos essas contribuições para nós mesmos. É uma luta. Veremos neste século o que alcançaremos.

CONSUELO TOMÁS


DA PROPENSÃO AOS LONGOS SILÊNCIOS

Cheia de escuridão minha boca é uma pedra
em sua imobilidade esconde os absurdos.
Eu fujo da minha língua como da ira
assusto as palavras para que não se acomodem
no lábio da criança que dorme
ignorando catástrofes e circos.
Os espinhos do que foi dito
inundan a enorme gravidade do particípio
e nenhum verbo é voluntário
para resgatar juízo ou preconceito.
Acomodada então
em meu trabalho transitório de partícula
sigo parecendo a noite
protetora de seres sombreados
que mataram a fome com acentos
e acalmaram sua sede nos sepulcros.
O silêncio é um peixe em minha cabeça
felizmente alimentado com todas as palavras que não disse.


DA PROPENSÃO À PONTUALIDADE

Não que ele tenha nascido em outro lugar.
Muito menos, que me preocupe o tempo
em sua beleza de circularidade lunática abstrata.
É que os minutos me mordem os calcanhares
formigas enfurecidas me incentivando a fazer
a não me deter em face das terminações.
É bem verdade
a pressa é um buraco na calma do insone
uma parede na planície dos sonhos
um vale de ilusões que muitas vezes falham
Não é que o medo de chegar atrasado me oprima
porém a magia está acabando
perdi as fórmulas os hieróglifos as poções
a chave dos segredos que guardava
as coisas que o sábio Fritz confiou a meus ossos
Confesso
cada vez sou menos eu mesma
e mais o que vivi.
Por isso me apresso
para não se atrasar
ao que realmente fui
quando tudo estiver acabado.


DA PROPENSÃO AOS ESQUECIMENTOS

Felicidade – eles me disseram –
é assunto de poetas bêbados.
Úteis apenas para cavalgar a lua
com todos os seus acólitos noturnos.
Esconde-te atrás da porta – me disseram.
Não ultrapasses a linha que separa o enforcado
de seu meio-dia.
Foge do espelho e de seus enganos
junte-se a uma legião de imagens
promotoras de ausência.
Engole teu amor ao próximo
e seus dinossauros descalços.
Essas utopias não são mais compradas por ninguém.
Se descobres uma revoada de monarcas coloridas
Vira as costas para elas
não escutes sua carícia no ar
e o escândalo de suas asas flamejantes.
Poderias não te recuperar.
Ama a sombra e segue suas instruções
busca proteção em seu círculo das tentações
que a luz produz
soma-te à lei sagrada do que não se move
é isto o que perdura.
Foi tudo o que me disseram.
Porém minha nudez não tinha bolsos até então.
Nem mesmo uma memória para o pranto.
Segui a rota das águas
em seu desejo de mar e horizonte.
E ainda não pude parar.

1 comentário em “3 Poemas de Consuelo Tomás (Panamá, 1957)”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!