3 Poemas de Marta Leonor González (Nicarágua, 1973)

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Curadoria e tradução de Elys Regina Zils

Marta Leonor González (Nicarágua, 1973), escritora e jornalista, com ampla experiência em meios de comunicação, foi editora de jornais e, por muitos anos, fotógrafa e ativista na promoção da leitura e dos seus autores. Publicou: Huérfana embravecida (poesia, 1998), La Casa de Fuego (poesia, 2008), Versos (Festival de Poesia da Costa Rica, 2015), Juegos de la escritura (Guia de oficina literária, prosa, 2015), Palomas Equilibristas (tradução bilíngue para o espanhol e francês, 2013, e segunda edição em espanhol, 2016), Managua 38 grados (poesia, 2020). É autora de várias antologias sobre poesia centro-americana contemporânea, entre outras. Vive na Nicarágua. Por sua trajetória literária, obteve a bolsa do Programa da Casa de Escritores e Tradutores Estrangeiros de Saint-Nazaire, em 2013. Dirige o site: https://400elefantes.wordpress.com/ e o programa de entrevistas e reportagens no YouTube, 400 Elefantes.


O QUARTO DOS VIOLINOS

No quarto dos violinos
todo gesto é duradouro
a fumaça saindo pelo cano
a umidade de um beijo que se apaga
os cheiros que não guardo

imortalizam-se teus olhos verdes
em minha memória
o passo lento que tropeça
apoiado na bengala
a caixa de música com escorpiões
uma família vestida de tecido fino

o lugar onde tudo se inventa
os espelhos quebrados brilham
e as trilhas de um rouxinol
desaparecem com a chuva

nesta sala
há metáforas encurraladas

letras de canções
onde apago o fósforo
que ilumina tudo
o violino me traz
os sons de uma corda sendo afinada
Sol, Ré, Lá, Sol, Ré
a bailarina na corda
que me persegue
e o carrossel armado com pregos sangrando
cortam os dedos da menina que sou
que vestida de rosa
dança na ponta dos pés
enquanto o pai aplaude.


A RONDA DAS AVES

A noite é uma pomba travesti.
Pomba mulher, pomba gato azul,
pomba preguiçosa de bocas vermelhas,
pomba pantera e tigresa das avenidas.

Pombas que morrem quando o inverno chega,
geometrias úmidas, cansadas como um relógio à meia-noite,

no frio seu desejo é que a estrela arda.

Nos tumultos vão quando o sol dorme.

No bulevar, geadas com vestidos negros
as envolvem, estão embriagadas de mulher,
não se extinguem, se reproduzem, se multiplicam da água

é a voz que abrasa no dia de todos os mortos
ainda abandonadas são faróis de alegria e beleza

pombas aritméticas de trajes apertados,
equilibristas de saltos altos,
guardiães do sublime, companheira.


A CASA DOS PAIS

Na casa as árvores têm nomes.
Os avós tomam banho juntos
compartilham sapatos
enredam novelos
é a fúria dentada
o frio entardecer de horas congeladas
que cegam seus dias
e que amarram seus pés à terra.

Na casa os avós buscam migalhas
varrem o sol com os dedos
amam cada pedra e a nomeiam
descobrem sua beleza familiar
no costume feito de suspiros.

Na casa dos avós
os dias se aparentam
com um totem maior que suas mãos
e selam as portas com a saliva dos anos.

Na casa dos pais.
Ferram as janelas com seus sobrenomes
colecionam tempos venturosos de suor
onde habitam um e outro
seguindo um sol que os esmague.

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