3 Poemas de Pablo De Rokha (Chile, 1894-1968)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Autor de uma das obras poéticas mais contestatórias e polêmicas que emergiram na América Latina em meados do século XX, Pablo de Rokha –pseudônimo de Carlos Díaz Loyola– nasceu em Licantén, Região do Maule, em 17 de outubro de 1894. Seus primeiros anos foram vividos na zona central do país, acompanhando seu pai, José Ignacio Díaz, em diversos trabalhos eventuais que desempenhava, como administrador de fazendas ou chefe de alfândegas e fronteiras montanhosas. Sua juventude foi conflituosa e rebelde, em constante contradição com o conservadorismo cultural e político de sua região natal. Enfrentou a rejeição de seus educadores, tanto na Escola Pública Nº 3 de Talca quanto no Seminário Conciliar de San Pelayo, de onde foi expulso em 1911 por ler e compartilhar com seus colegas –que o chamavam de Amigo Pedra– livros considerados blasfemos, como os de Rabelais e Voltaire. Essa expulsão tornou-se a oportunidade para que o futuro poeta migrasse para Santiago.

A sua rivalidade histórica com Pablo Neruda intensificou-se com a publicação de “Neruda e eu” (1955), ensaio no qual De Rokha qualifica o poeta de Parral como “artista burguês” e o acusa de plágio. A controvérsia prosseguiu com a publicação de Gênio do Povo (1960), livro no qual dialogam 111 personagens da cultura erudita e popular, entre os quais aparece Neruda sob o nome de Casiano Basualto. Em 1961, publicou Aço de Inverno, livro que inclui o poema “Canto do Macho Ancião” e, em 1967, o que seria seu último livro, Mundo a Mundo. Um ano depois, em 10 de setembro e aos 73 anos de idade, o poeta tirou a própria vida. Após sua morte, foi publicada Mis grandes poemas: antologia que amplia a primeira compilação poética do autor, Pablo de Rokha. Antologia: 1916-1953, publicada em 1954.

Pablo de Rokha recebeu o Prêmio Nacional de Literatura em 1965 por uma obra sempre fiel a uma visão de mundo revolucionária e receptiva aos elementos da modernidade, mas profundamente enraizada no chileno.

[Fuente: www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-3636.html]

GÊNIO E FIGURA

Eu sou como o fracasso total do mundo, ó Povos!
O canto cara a cara com o próprio Satanás,
dialoga com a ciência tremenda dos mortos,
e a minha dor escorre sangue pela cidade.

Ainda meus dias são restos de enormes móveis antigos,
ontem à noite “Deus” chorava entre mundos que vão
assim, minha menina, sozinhos, e tu dizes: “eu te amo”
quando falas com “teu” Pablo, sem jamais me ouvir.
O homem e a mulher têm cheiro de tumba,
o corpo me cai sobre a terra bruta
tal qual o caixão vermelho do infeliz.

Inimigo total, uivo pelos bairros,
um espanto mais bárbaro, mais bárbaro, mais bárbaro
do que o soluço de cem cães deixados para morrer.


ESTILO DO FANTASMA

Já por antigos vinhos,
corre sangue, correm cavalos negros, correm soluços, corre a morte,
e o sol brilha em matérias estranhas.
Sobre o fluir corrente, abandonado, entre bandeiras fortes,
prende tua ilusão, como um pássaro vermelho,
à margem dos dramáticos oceanos de números;
e, quando as velhas águias
entardecerem tuas pupilas de outono, cheias de passado guerreiro,
e o escorpião do acontecer nos poda a espada,
minha furiosa paixão,
minha soberba,
minha queimada paixão,
contra “a morte imortal”, erguendo-se, frente a frente,
desfralda seus domínios,
a marcha contra o nada, à vanguarda daqueles exércitos tremendos,
onde brilham os crânios dos heróis.
Sim, o incêndio nas últimas cumeadas;
guarda as lágrimas em sua ânfora o colhedor de dores,
e sopra um sopro como trágico,
de tal maneira ardente e frio, simultaneamente;
soa o medo, de ser, então.
Encavalados em todos os símbolos,
bestas feias, negras bestas nos atiram fruta podre, cocos de tolos e obscuras imagens fétidas,
e os degenerados de verula,
vestidos de cadelas,
despejam amarga baba de lacaios sobre nós;
é, amiga, a família do mundo,
não, é a flor do esterco, é a flor, é a flor roxa e raivosa da burguesia;
mas à medida que nos diminuímos de anos e de lágrimas, para descer à montanha de baixo,
e a figura da verdade nos marca a cara,
avançam filhos e filhas, brincando com a história, desperdiçando, derramando
grandes taças doces, e o vinho e o mel rosado da juventude, caem-lhes
como o riso à Rússia soviética;
tu e eu nos olhamos e envelhecemos, porque nos olhamos,
e porque a arte desliza sobre as coisas,
levantando seu caixão entre o indivíduo e o infinito.
Agora, se nós desmoronamos,
com tudo aquilo que nos amamos e nos beijamos, mutuamente, carregados de vida,
e no qual radicou a honra da existência,
vai ser cinza a figura do sexo e da língua e do peito e do coração, que já ilumina,
e nos pés estará todo o peso do mundo,
e já nos aproximamos, chegando à órbita, enchendo de dispersão, preenchendo a sombra,
e tua beleza batalha contra tua beleza…
Emigram as andorinhas desde teu cabelo de povoados;
o tempo das colheitas do trigo e do vinho
arde em teu coração coberto de ovos de tempo e maçãs,
isto é, como tarde, quando a tarde conduz seus rebanhos;
nós dois, nós, como morremos, e como,
em ti a menina murcha, tão bela,
entristece de dignidade feliz à mulher linda e profunda, como uma carruagem de fogo,
em mim, o adolescente agressivo e entusiasta,
jaz neste animal desesperado, com peito trêmulo, que agita a dialética;
país de solidão, dentro do qual bate e estoura o oceano,
e é uma enorme ilha, tão pequena, que dá medo, e gira rugindo,
porque duas criaturas estão abraçadas;
cheira a água molhada, a pomba amarela, a novela, a lagoa, a vasilha de outono,
e um horizonte de suspiros e soluços
suspende uma grande tormenta sobre as nossas cabeças;
o pássaro pálido das folhas cedas
bate asas à beira das lembranças, entre os braseiros ajoelhados,
e retornam as velhas lâmpadas do passado,
a angústia resplandece, como uma virtude, em nós,
e o terror dos proletários abandonados
nos rasga o peito, de dentro para fora como com fogo tremendo.
Imponente como a popa de um grande barco,
amarelo e espantoso em presença,
o sol inicia a queda definitiva, passo a passo, como o boi do entardecer eterno;
beijos de pedra,
todas as máscaras de deus se despenham,
e caem destroçados os penachos;
um ataúde de fogo grita desde o oriente.


ORAÇÃO À BELEZA

O mundo está chorando RECENTEMENTE nascido, oh! divindade do sono, e tu embalas maternalmente, maternalmente o pequeno idiota LOIRO, com o problema azul das últimas canções…

***

Ao compasso dos minutos evoluis, e és eterna e IMUTÁVEL; tua atitude acende ao PÚLPITO ideal das estrelas e SANTIFICA os excrementos do asno, iguala os fenômenos, o bem e o mal; e teus pés, cheios de clareza, caminham sobre a dor mineral dos povos enchendo de verdades a milenar e vil, errante voz do animal HUMANO.

***

Comoção religiosa, trágica, dionisíaca da substância INUMERÁVEL, espírito do universo e pão do TRISTE, pão do TRISTE, beleza, raiz de Deus, –o tremor de seu dedo enorme, a luz NOTURNA MORTA de suas pupilas inexistentes–, mulher que enlouqueceste com tuas carícias o maior dos poetas: Satanás.

***

O verdadeiro é múltiplo e tu és UMA e MUITAS, MUITAS; teus axiomas são absolutos diante da vaidade do conhecimento, floresces acima da verdade e constituis, soluçando, a VERDADEIRA sensação do COSMOS.

***

Há trinta épocas, há trinta épocas, tua ilusão tremia nos ELEMENTOS do globo. – ÉS anterior à matéria – hoje, iluminas o botão irremediável de suas consequências, seus resultados conclusões: o automóvel À LUA, a pálida locomotiva filha de metais cinzentos, o carvão e as águas excelsas e ilustres, os aeroplanos errantes, e as obscuras multidões, as obscuras multidões, as obscuras multidões revolucionárias comovendo A SOCIEDADE com seu ideal grandiloquente.

***

Beleza, prolongação do INFINITO e COISA inútil, beleza, beleza, mãe da SABEDORIA, colossal lírio de águas e fumaça, águas e fumaça sobre um ENTARDECER, extraordinário como o NASCIMENTO de um HOMEM… – O que queres comigo, beleza, o que queres comigo?… … …

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