3 Poemas de Raúl Gómez Jattin (Colômbia, 1945-1997)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Raúl Gómez Jattin nasceu em 31 de maio de 1945 em Cartagena de Índias e faleceu na mesma cidade em 23 de maio de 1997. Estudou direito na Universidad Externado de Colombia, na cidade de Bogotá. Foi ator e como dramaturgo escreveu as peças “As Núpcias de Sua Excelência” e “O Grande Teatro Integral de Oklahoma”, baseada em “América” de Franz Kafka. Sua obra poética foi publicada sob os seguintes títulos: “Poemas”, “Retratos”, “Amanhecer no Vale do Sinú (Tríptico cereteano)”, “Filhos do Tempo”, “Esplendor da Borboleta”, além de “O Livro da Loucura” e “Os Poetas, Meu Amor”. Ele é considerado um dos grandes poetas da Colômbia.

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Minha poesia não é racional, embora seja clara. É uma poesia mágica, que enfeitiça o leitor, o engole e o leva em direção a uma luz, porque meus poemas não são uma exibição, mas sim um reconhecimento do divino que existe no mundo e na alma dos homens. Para mim, a experiência da poesia é um devaneio, um sonho diurno próximo ao sol.

RAÚL GÓMEZ JATTIN


DEUS QUE ADORA

Sou um deus em minha aldeia e meu vale
Não porque me adorem, mas porque o faço
Porque me curvo àqueles que me presenteiam
com algumas granadilhas ou um sorriso de suas terras
Ou porque vou aos fortes habitantes
pedir uma moeda ou uma camisa, e eles me dão
Porque vigio o céu com olhos de gavião
e o nomeio em meus versos Porque sou apenas eu
Porque dormi sete meses em uma cadeira de balanço
e cinco nas calçadas de uma cidade
Porque olho para a riqueza de lado
mas não com ódio Porque amo aqueles que me amam
Porque sei cultivar laranjeiras e vegetais
mesmo no calor escaldante Porque tenho um compadre
a quem batizei todos os filhos e o casamento
Porque não sou bom de uma maneira conhecida
Porque amo os pássaros e a chuva e sua intempérie
que lava minha alma Porque nasci em maio
Porque minha mãe me abandonou quando mais precisava dela
Porque, quando estou doente, vou ao hospital da caridade
Porque, acima de tudo, respeito apenas aqueles que o fazem comigo
Aqueles que trabalham todos os dias por um pão amargo, solitário e disputado
como estes versos meus que roubo da morte


PRÍNCIPE DO VALE DO SINÚ

Seus sentimentos são mais leves do que as asas das garças,
mas fortes como o voo delas. Sua virilidade é a própria
de um príncipe masculino, sonhador e altivo. Sua disposição
é a de alguém que não queria amar, mas ama. Sua herança
é a terra. Os míticos cebús brancos e avermelhados.
Uma carruagem de madeira e metal violeta escuro,
como seus olhos. Eles têm a noite de Damasco neles.
Sua voz é como o trovão diluído no sussurro da brisa.
Sua elegância é a de um cavaleiro do deserto. Suas maneiras
são a presença dos antigos orientais fumando haxixe.
Batendo o ar com cílios bem negros,
com um fundo roxo de olheiras de um vício ancestral.
Deitado sobre uma almofada de seda verde pistache,
seus alimentos são amêndoas, azeitonas, arroz,
carne crua com cebola e trigo, pão ázimo,
passas, gergelim, coco, iogurte ácido.
Suas cores são o preto, o azul e o magenta.
Seus elementos são o ar e a terra. Sua presença
é a de um jovem deus agrário afastando o inverno cruel,
doando sua força ao fraco do campo. Sua essência
íntima é a do adolescente eterno que habita
a ilusão do poeta e sua loucura de alcançá-la
em seu pleno trânsito fugaz em direção à maturidade,
familiar aos hábitos pouco felizes.
Seu sentido unânime é o da seta e o coração palpitante
da agonia do êxtase erótico. Seu prazer é o transbordamento completo
do ser sobre meus sonhos abandonados entre suas mãos.
Sua eternidade em mim é o amor há muito desejado
na essência de cada momento de cada poema.


DISPARO FINAL NA VIA LÁCTEA

No céu profundo das minhas masturbações
ocupas esse domínio de desejo incontrolável e voraz,
inesgotável e terno que devora teu sexo,
mesmo que você não saiba. Teu corpo habita o meu,
e é tão meu quanto não pôde ser lá
na realidade. É meu quando eu te desejo,
da mesma maneira intangível e eterna
como este livro é teu. Como eu sou teu.

Nós habitamos o oito. O infinito duplo
dos dois universos. O 8 dos círculos.
Aquele que parece dois astros irmãos e gêmeos.
Aquele que parece dois olhos. Duas bundas próximas.
Aquele que parece dois testículos se beijando.

Quando chegas ao meu céu, estou nu,
e você gosta das colunas das minhas pernas
para descansar nelas. E você se surpreende
com meu centro, com seu ímpeto e sua flor ereta,
e minha caverna carnal e gnóstica de Platão
por onde você escapa para a outra vida.
E neste céu você se entrega a ser o que realmente é,
um assalto de beijos, uma colisão de espadas,
um arquejar que se choca como um mar contra meu peito,
a loucura de seus olhos orientais iluminando
a aurora do orgasmo enquanto suas mãos
se agarram ao meu corpo. E você me diz
o que eu quero ouvir e respira fundo
como se estivesse nascendo ou morrendo,
enquanto nossos rios de sêmen crescem
e nossa carne treme e se prepara para o disparo final na Via Láctea.

Nas planícies do nosso céu, há nuvens
perfumadas de axilas e delicados vestígios
de amor. No travesseiro, o vazio
que tua cabeça deixou com cheiro de jasmins.
E na minha alma e no meu corpo, a imensa dor
de saber que você despreza meu amor.

Oh, por quem minha vida renasceu
dentro da chama da morte.

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