6 Poemas de Raúl Zurita (Chile, 1950)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Raúl Zurita, nascido em 1950 em Santiago do Chile, é um dos poetas contemporâneos mais influentes da América Latina. Sua obra é profundamente marcada pelas experiências vividas durante a ditadura de Augusto Pinochet no Chile, que influenciaram significativamente a sua escrita. Zurita estudou Engenharia Civil na Universidade Federico Santa María em Valparaíso, mas foi a literatura que definiu sua trajetória. Seu primeiro livro, Purgatorio, foi publicado em 1979, seguido de Anteparaíso em 1982 e La Vida Nueva em 1994, entre outros. Esses trabalhos são notáveis por sua intensidade lírica e por seu inovador uso de imagens e espaços públicos como formas de expressão poética. Por exemplo, Zurita chegou a escrever poemas no céu sobre Nova York usando aviões, e em Anteparaíso utilizou um bulldozer para escrever versos na areia do deserto do Atacama. Zurita recebeu vários prêmios e reconhecimentos, incluindo o Prêmio Nacional de Literatura do Chile em 2000, Prêmio Reina Sofía de Poesia Ibero-americana 2020 e o Prêmio Internacional de Poesia Federico García Lorca 2022. Sua obra foi traduzida para muitas línguas, alcançando um público internacional e estabelecendo-o como uma voz fundamental na literatura latino-americana contemporânea.


DO AMOR PELO CHILE

Do amor pelo Chile, do amor por todas as
coisas que de norte a sul, de leste
a oeste se abrem e falam
As torrentes e os nevados que se tocam
e falam amando-se porque neste mundo
todas as coisas falam de amor;
as pedras com as pedras e os pastos
com os pastos
Porque assim se amam as coisas, as praias,
os desertos, as cordilheiras, os
bosques mais ao sul, os glaciares e
todas as águas que se abrem tocando-se
Para que tu as vejas se abrem
Só para que tu o escutes o Chile
levanta-se
Só para que tu e eu não olhemos
por todo o horizonte, se olha
se levantam


HOMENAGEM DE AMOR DOS DESERTOS

Queridos, amados desertos

Quem poderia a enorme dignidade do deserto
de Atacama como um pássaro se eleva sobre
os céus apenas empurrados pelo vento

Purgatório, 51

Pelo amor chegamos, pelo amor subimos,
pelo amor se nos voaram os pastos
que nos cobriam, repete então o
deserto de Atacama, imenso, estendido
frente aos Andes, olhando-o.
É que os rios entraram sobre o céu e nos
deixaram ocos, vazios, queimando-nos
como o sonho frente à alvorada
É que o amor nos queimou como o sonho e
somos os areais, somos vocês, somos
as linhas de Zurita, nos respondem
os desertos do Chile, infinitos, mudos de
amor, chamando-nos


HOMENAGEM DE AMOR DAS CORDILHEIRAS

Queridas cordilheiras

Todas as coisas vivem e se amam. As grandes
montanhas e as neves que se levantam
azuis e se olham
Como vocês se olham te olham
Como vocês se esperam te esperam
Te esperei tanto, vão dizendo umas
às outras as prenhes montanhas, acima,
beijando-se
Toda a neve te esperei, respondem em
uníssono os desbordados horizontes
dos Andes abrindo-se igual que todas as
coisas,
igual que tu
a quem agora saúdam estas cumes
e a quem eu saúdo
largando a nota mais alta das cordilheiras


SAÚDAM AS PEDRAS DO CHILE

Amadas pedras

Somos o ar mais duro que toca, o primeiro
sonho, as palavras que jamais se disseram,
murmuram escalando as pedras do Chile
porque se tu sentes o batido dos rochedos
entenderás que meu amor é igual ao teu amor
e que minha dor é também a tua
Que os rochedos palpitam, se encrespam e
falam
e então na escuridão, quando já houveres
fechado este livro
ao menos sentirás minha mão buscando a tua
aqui, na duríssima noite das pedras


SAÚDAM OS PASTOS, VEGETAÇÕES E VENTOS

Amados pastos

Que se voam, que se levantam voando
desde o primeiro amor que subiu sobre
as planícies;
os pastos de nossos corpos estendidos
perdoando-se
como hão de perdoar-se todas as coisas
estendidas sob o céu
Mas de onde chegaram, nos perguntam
os sangrentos areais, secos de
pena, arrastando-se
É que se nos coalhou de pasto a terrível
noite
e somos a multidão que marchará renascida
sob o vento, respondemos nós
os renascidos das águas.
ainda úmidos, como o horizonte,
balançando-nos


GUARDA-ME EM TI

Amor meu: guarda-me então em ti
nas torrentes mais secretas
que os teus rios levantam
e quando já de nós
só que de algo como uma margem
tem-me também em ti
guarda-me em ti como a interrogação
das águas que se vão
E depois: quando as grandes aves se
desmoronarem e as nuvens nos indicarem
que a vida nos escapou entre os dedos
guarda-me ainda em ti
no fio de ar que ainda ocupe a tua voz
dura e remota
como os leitos glaciais em que a primavera desce.

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