4 Poemas de Carlos Cociña (Chile, 1950)

| | ,


Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Carlos Cociña (Concepción-Chile, 1950). Poeta. Recebeu o Prêmio Municipal de Santiago de Literatura (poesia, 2014), o Prêmio Círculo de Críticos de Arte do Chile para o melhor livro de poesia (2017) e o Prêmio pela Trajetória da Fundação Pablo Neruda (2017). Publicou em poesia Aguas Servidas (1981, 2008, 2016 e 2018), Tres Canciones (1992), Espacios de líquido en tierra (1999), Dos (2004), Plagio del afecto (2010), El margen de la propia vida (2013), La Casa Devastada (2015 e 2017) e Poesía Cero (2017). Em formato virtual, publicou A veces cubierto por las aguas (2003), 71 (setenta y uno) (2004) e Plagio del afecto (2003 a 2009).


[SE A REALIDADE É O MUNDO]

Se a realidade é o mundo que nos cerca, sem realidade não há consciência. O cérebro existe porque faz parte dela. A consciência pode existir sem que o mundo externo module sua atividade. Quando cogitamos, lembramos ou sonhamos, não é necessária uma entrada sensorial. O mundo só pode ser captado pelo cérebro; captar é, por si só, uma função cerebral. O cérebro simula a realidade. Ele precisa fazer isso porque o tamanho da cabeça e do corpo é pequeno em comparação com o tamanho da realidade. Aí só cabem descrições. Se por consciência entendemos construir uma imagem, então a realidade é essa. Tão próxima está a realidade do que vemos. Por isso, quando uma árvore cai na selva e não há ninguém para ouvir, ela não produz som. O som é uma interpretação que o cérebro faz das vibrações do ar produzidas pela árvore que desaba. As vibrações no ar são o amor.


 [É LONGE ONDE O RIO SE TORNA RIO]

É longe onde o rio se torna rio. Em sua constituição, o movimento é secreto. Apesar disso, a água chega a este lugar. As coisas e os momentos surgem de acordo com uma lógica que logo se dissolve. Basta aplicar o mesmo curso a coisas ou momentos diferentes para reproduzir outras correntes de afeto. Aí os esquemas se expandem em direções impossíveis, ou seus vetores se situam em uníssono em lugares diferentes. Momentos inimagináveis cujo único traço é a descarga. Coisas de luminosidade incontível, que só se dirige a si mesma. Mas quase sempre as águas formam um curso, cuja origem está em qualquer momento das coisas.


 12C

Com a força da luz nos vidros, a imaginação se localiza em territórios próximos a vales inexistentes. As águas, em seus múltiplos estados, cercam as montanhas, os rios e o mar e fazem das extensões um espaço apenas vislumbrado. Como ilhas onde desapareceu todo vestígio de uma das cores primárias, a inexatidão das referências afeta cada passo. Diante do mar, elevam-se a baixa altura alguns pássaros que não alteram em nada a paisagem percebida apenas com alguns dos sentidos mais evidentes. Das escalas musicais conhecidas, apenas uma existe e, embora se ouçam outras, sua identificação é negada pelo simples nome dos vales interiores.


 3C
 Ninguém tem o direito de morrer antes do tempo; todo o corpo se revolta diante do ato que corta reações, desde as origens estabelecidas geneticamente pela seiva do sexo e pela revelação de milênios de ordens transcritas na mais inverossímil coordenação dos detalhes possíveis da existência. A violência das expectativas, que a nível de estruturas moleculares está descrita, atenta contra a mais elementar humanidade genética, e a descrição desses movimentos só pode ser feita com palavras que revelam o possível curso que os líquidos particulares de um corpo tomarão no momento em que o reflexo da luz é absorvido nas alterações de cones e bastonetes. Ninguém tem o direito de quebrar a recriação das células e das novas epidermes que vão emergindo desde o mesmo momento em que ocorreu a combinação genética, nem negar a possibilidade da ejaculação na mulher que conhecerá amanhã. Ninguém tem o direito de morrer antes do tempo, porque o espaço do corpo se projeta para o próximo momento, e o espaço tem seu lugar em cada rosto e corpo conhecidos e é um espaço já dado e possível no corpo dos filhos, do irmão, da mulher e de cada um dos que vão dando espaço a esse corpo que não pode ser violentado até o momento em que seja necessário romper porque o ar é expulso pelo próprio corpo que se dissolve em si mesmo.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!