3 Poemas de Xavier Villaurrutia (México, 1903-1950)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Desde os primeiros poemas, entre o jogo e a frivolidade que os caracteriza, aparece o tema central de sua poesia: a morte. Nesses esboços é entendida comum e correntemente apenas como o fim. Depois vai convertendo-a na substância da própria vida. “O homem – escreveu – é um animal que pode sentir nostalgia, ter sentimento acerca de sua morte, que vive e experimenta de formas muito misteriosas”. Vendo no mundo e nos objetos virtudes singulares, como em seu tempo fazia Felisberto Hernández no Uruguai, foi criando uma poesia pictórica, de contornos que iluminam as sombras de seus poemas, mostrando “outro rumo”, de seres, sons, luz e sensações que os outros mortais não viam. Os melhores poemas de Villaurrutia são a elegia de um cosmos de estranhos signos, testemunhos e posturas. Uma viagem muito além dos sentidos, até a matéria do mistério que as palavras cortam e devolvem. Uma furiosa penetração na alma das coisas.

[…]

Nos primeiros poemas de Noltalgia de la muerte o motivo está relacionado com o sonho e a noite. Ambos negação da vida. Um, pausa. O outro, o fim. Villaurrutia é uma espécie de voga do inconsciente, guiando os ecos de sua lucidez pelos labirintos das formas e da linguagem. Havia recebido a revelação e as virtudes do sonho como vigília dos surrealistas, e com eles remontou o rio do tempo até chegar no romantismo alemão. “Nunca, como no romantismo alemão – sustentou –, nunca como agora, na poesia moderna e contemporânea, que tão naturalmente se enlaça com o verdadeiro romantismo e que parece prolongá-lo e continuá-lo de mil maneiras obscuras ou luminosas, abertas ou secretas, as relações entre a vigília e o sonho foram mais estreitas nem mais profundas”. Nesses noturnos aparecem estátuas, sombras, muros, espelhos, mármores, fumaça, esquinas, escadas, ruas vazias que são lembranças de De Chirico.

HAROLD ALVARADO TENORIO / “El mundo como espejismo”. Suplemento Cultura, do jornal La prensa. Bogotá. 14/07/90.


INVENTAR A VERDADE

Ponho o ouvido atento no peito,
como, na margem, o caracol no mar.
Ouço meu coração pulsar sangrando
e sempre e nunca igual.
Sei por quem bate assim, porém não posso
dizer por que será.
Se começasse a dizer com fantasmas
de palavras e enganos, ao acaso,
chegaria, tremendo de surpresa,
a inventar a verdade:
Quanto fingi te querer, não sabia
que tanto já te queria.


NOTURNO DA ESTÁTUA

a Agustín Lazo

Sonhar, sonhar a noite, a rua, a escada
e o grito da estátua desdobrando a esquina.
Correr até a estátua e encontrar apenas o grito,
querer tocar o grito e só achar o eco,
querer agarrar o eco e encontrar apenas o muro
e correr até o muro e tocar um espelho.
Achar no espelho a estátua assassinada,
retirá-la do sangue de sua sombra,
vesti-la em um piscar de olhos,
acariciá-la como se fosse uma irmã imprevista
e brincar com as fichas de seus dedos
e contar à sua orelha cem vezes cem cem vezes
até ouvi-la dizer: “estou morta de sonho”.


NOTURNO MORTO

Primeiro um ar morno e lento que me rodeia
como o curativo no braço doente de um enfermo
e que logo me invada como o silêncio frio
o corpo desvalido e morto de algum morto.

Depois um ruído surdo, azul e numeroso,
preso no caracol do minha orelha adormecida
e minha voz que se afogue nesse mar de medo
cada vez mais fino e mais aquecida.

Quem medirá o espaço, quem me dirá o momento
em que o gelo do meu corpo derreta e consuma
o coração imóvel como a chama fria?

A terra tornada impalpável silêncio silencioso,
a solidão opaca e a sombra cinza
cairão sobre meus olhos e me afrontarão a fronte.

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