3 Poemas de Esther De Cáceres (Uruguai, 1903-1971)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Esther de Cáceres começou na poesia sob o signo do Cântico Espiritual de San Juan de la Cruz, um de cujos versos serve como título de seu primeiro livro, As estranhas ilhas, aparecido em 1929. Uma profunda e misteriosa afinidade a une ao místico espanhol através de toda a sua obra lírica. Assim, a poesia religiosa atinge seu tom mais puro e transparente em toda a literatura hispano-americana. Sobre seus versos leves – para a leveza de sua suavidade –, estendidos em voo de asa angelical em direção ao céu do êxtase, ouve-se uma música de harpas invisíveis e agudas.

Ele escreve preferencialmente poemas curtos, feitos de palavras simples que buscam a clareza da desapropriação terrena e alcançam uma musicalidade um tanto vaga, mas delicada e pulsante, semelhante a orações que, partindo de qualquer via direta e litúrgica, falam uma linguagem de transfigurações simbólicas. O seu canto é um pouco como a surdina. Suas canções são quase sempre compostas por poucas notas, muito puras, formando um tema que se repete em ritornelo ou em modo de litania. Elas também têm algo do procedimento de uma fuga.

Ela conseguiu chegar a uma simplicidade verdadeiramente franciscana no verso, no campo da ascese estética, irmã da outra, devocional. Despiu-se de todo o barroco, procurando alcançar aquela humilde nudez com que a alma deve se aproximar de seu Deus. É quase óbvio dizer que dispensa qualquer frase conceitual em seu plano religioso; e toda teologia.

ALBERTO ZUM FELDE, Proceso Intelectual del Uruguay. Crítica de su Literatura, Tomo III, Ed. del Nuevo Mundo, Montevideo, 1967.


A NOITE

I.

Um alto mar de sombras já invadiu todo o Ar,
e no grande sonho escuro
reluzem, solitários,
os vastos ébanos com que o Amor esculpe
cofres insones de pianos secretos.

Sob a noite
Busco antigas estátuas.
Exploro o denso bosque onde a Memória pousa
sua estranha mão de cautela e chama.
Minhas gazelas desconhecidas já estão dormindo
ou são as folhagens lentas?
É um cabelo perdido entre os trevos
na vasta morada das fragrâncias do Ar?

Sou eu, sou eu mesma
perdida entre as árvores,
sozinha entre árvores escuras!

Sou eu, sou eu mesma
em cristal apagado
e esmaltes adormecidos!

Deixo o bosque secreto, saio do jardim sem cisnes;
Eu atravesso as paredes invisíveis do Ar,
e eu já estou no campo
da grande noite solitária!
– Algumas das minhas mortes ainda choram por mim!

II.

As Solidões chegam e as contemplamos juntas:
Já não há mais que a Noite
Uma grande flor de sombra
quieta sob o orvalho!
A Noite e eu – seu pranto! –
Até que desperte
a flor escura… As lâmpadas já estão sendo trocadas!
Um ar de gazelas
está prestes a me acordar!
Os mares do Dia cantam!


OS PIANOS

Que piano me recordam
as nuvens esta tarde?
Longe de falésias
onde o mar se rompe
chorando!;
longe de chamas cegas
que uma mão desata
para sua morte incauta,
já não és mais espada cinza
ou relâmpagos violentos!

As nuvens me tornam doce
A tua memória na tarde!

Como se plantasse uma árvore
hoje eu deixo ao mundo
a tua imagem:

És como os pianos
distantes na tarde.
Sem penhasco: macia
praia de seda e algas
onde meu amor chega
cantando!

As melodias lentas
vagam ao seu redor,
como aquelas gaivotas
que se aproximam de um barco
e lhe fazem uma nova
quilha macia!

Que piano me recordam
as nuvens esta tarde?…
Tu és como os pianos
e as nuvens distantes!


OS SINOS DO VALE

O ar treme, liberta as fragrâncias
se os sinos cantam
chamando os nostálgicos
seres do vale.

São loucos chamados
estendidos em uma música distante
que somente em sonhos chega
com sotaque velado
por um caminho tenro de papoulas
e descanso lento.
Quando despertamos
para saber novamente do exílio e das lágrimas
os sinos iluminam o ar do deserto
e, também exilados,
em direção aos sinos mais distantes daquele reino
eles cantam e cantam.

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