5 Poemas de Pablo Narval (Costa Rica, 1982)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

PABLO NARVAL (San José, Costa Rica, 1982). É fundador do coletivo Kinoglaz, no qual promove a cultura e a arte em suas diversas expressões. Foi membro do Círculo de Poetas Costarriquenhos. Ofereceu conferências de apreciação de literatura e arte em várias instituições do país e a coletivos literários. É autor do ensaio O silabário do poeta (Coleccionista de Espejos 2012). Publicou os livros Cartas para nos inventar (EUNED 2012), A mosca na cortina (EUCR 2017). Aqui começa o mundo Prêmio Lisimaco Chavarría 2015 (2018 Estucurú), Ao final do silêncio (EUNED 2020), e Balada de um homem com Aids Prêmio Eunice Odio 2022 (ECR 2022) e Prêmio Nacional de Literatura Aquileo J. Echeverría em poesia.


EL DESTIERRO Y LA MUERTE

E minha vida?
Diga-me, minha vida,
o que é, se não és tu?

Luis Cernuda

Sou um solitário e escrevo com a terra da memória
e desenho no meu quarto a sombra do teu corpo
e digo ao dia que não quero acabar
que quero continuar com o brilho das coisas próximas,
que despeço a noite com as mãos abertas
que em algum rumo da vida colocarei no meu peito o costume do sangue.
Contive as feridas da fascinação e as palpitações da dor nos olhos
posso me prostrar ante a imagem da forte ironia,
rir como um louco porque o mundo me devastou
com a carícia manchada de uma glória fingida.

Sempre andei só pelos caminhos que doem,
doem no corpo e na forma sutil do coração,
dói não ter mais feridas para sangrar
para sentir-me vivo na floresta inédita do desassossego.
Sou um solitário ao lado do meu corpo, não tenho amigos onde colocar meu choro,
por isso quando amo, amo desesperadamente desperto,
quero deixar no limiar da palavra a minha solidão completa.

Mas nascer não se trata de um sonho supremo
nascer é entregar-se ao útero da loucura,
deixar nas ruas o canto sob a chuva,
deixar-se levar pelas correntes do rio onde sempre um peixe nos celebra.
Sou um solitário e pronuncio teu nome
teu nome que é um carnaval pelas ruas do Brasil
a fonte onde atiro a moeda pedindo eternidade.
Confundo o beijo com a vida, e a vida com teu nome e o mar com teu corpo,
e sinto falta de não poder abraçar-te sob as sombras da minha casa,
de ouvir no rádio do teu carro a canção que nos dessangra.
Passo imerso nas palavras, só nelas se pode tocar algo mais que os lábios.
Sou um eremita que em sua caverna sabe ouvir a brisa como Elias,
que acende uma vela e com a penumbra rasga sua vida,
como o rasgar de esperar teu igual.

Estive sozinho muito tempo
a força do costume é a força do tédio,
tinha dado por certo que minha vida ia ser só mais uma vida,
que não ia encontrar meu povo, minha terra, só a morte desabitada comigo.
Mas tu, tu és meu povo, tu és minha terra,
e o desterro e a morte para mim estão
onde tu não estiveres.


EL LARGO VIAJE

A dor é uma longa viagem.
Que nos aproxima sempre
que nos conduz sempre
ao país onde todos os homens são iguais.

Luis Rosales

A dor é a maneira exata de dizer “sempre”
e deixar sobre os lábios
o nunca dos seres que a contêm.
Quero deitar-me sobre uma rua de pedras talhadas
com os nomes que a dor possuiu,
e olhar para o céu
e ver o reflexo dessa rua que se abre
diante de uma mão de nuvens que a engole.

A dor é uma barca na tempestade,
um raio que cai de súbito
e nos deixa atônitos,
mas extremamente comovidos.

A fome de sua luz percorre meu corpo,
deixa uma dor que é presa do tempo,
um tempo que gira na estrela que morre
e solta sua luz em todo o seu espaço.

Quando a dor chega ao corpo
a ressurreição deve ser instantânea;
a transmutação da sua noite
não deves conter.

Liberta-te de ser vítima de sua sombra
e de ser desde teu centro a folha de seu nada.
Nada, absolutamente nada, te diminui
quando a dor te inventa em sua taça de vazios;
só estás brindando com ela a última lágrima
que a vida te deixou.

A dor nunca nos acompanha por baixo da terra,
mas às vezes nos descarna
quando esquecemos de transcender nosso espelho.
Temos que ir além da dor,
ser fiéis a ela,
ser iguais nela,
e absorver seu mistério como na palavra de Deus.


O MENINO CANTOR DE CHEŁMNO

A Simón Srebnick

Na sua garganta desenhava-se uma asa,
na sua melodia rasgava as teias da solidão.

Ouvíamo-lo ao longe
como um sussurro de um pássaro perdido,
do seu canto procurava a casinha branca
que tinha no coração,
ia destilando seu encontro infantil
com a voz enterrada da tristeza.

Já não lhe cabiam os homens na garganta.

Em Chełmno a sua voz
nos unia ao batimento da alma perdida,
algo se desenhava no nosso sangue
cada vez que dava as notas abertas da sua música,
e sobrevivíamos cada dia, pela sua voz
limite que triunfava sobre o forno
e sobre o nosso medo.

Pelo rio Ner ouvíamos o menino cantor,
ia num barco desvairado pela água turva,
ia remando sua nostalgia ao ar,
enquanto o nazi que ia com ele
o obrigava a cantar a canção da outra pátria,
a pátria que nos matou desde o nome até os pés.

Ao menino já não lhe cabia a morte na garganta.

Seu coração confundia-se
entre os campos de alfafa,
entre os campos dos nossos olhares,
mas a sua voz era um coração que destilava manhãs.
O menino cantava para sobreviver mais um dia na lágrima,
era como uma toutinegra muito distante
que tinha perdido seu entusiasmo de reclamo.

O menino sonhava com uma casinha branca
que sempre o esperava na sua voz.
Sonhava com um pedaço de assado,
com seu próprio reflexo no rio Ner
quando pela manhã era pescado pelo sol.

Seu canto cinzelava o espírito e a consciência.

Nas suas canções ressuscitava a Polônia,
e nos despertava a dignidade de ser pássaros para sempre.

Ao menino já não lhe cabiam os homens, nem a morte,
nem os rios na sua música.
Seu coração em cada canto era carne dura que chorava,
um carvão que lacrimejava nas mãos daqueles dias.

Ainda te escuto menino pelos telhados,

Ainda seguimos como homens e pássaros na tua garganta?


A COR DE 1943

A Samuel Pisar

Olhei para o céu vermelho,
vermelho no seu ponto mais terrível.

Na paisagem desse dia
uma sinagoga queimava
nas penumbras do meu bairro.
Golpes irreais no meu olhar
não acreditavam na morte daquela tarde.

Ao longe a sinagoga
desfez o que de homem me restava,
os nazis trancaram o meu povo lá dentro
e a vida fechou-se com as portas do vazio.

Minha cidade sucumbiu naquele dia
na cerimônia de fogo da sinagoga.
As crianças
saltavam pelas janelas
tentando respirar alguma melodia que os salvasse.
Mas os nazis disparavam
mal viam as suas cabeças aparecerem.

As pessoas atiravam as crianças pelas janelas,
para que não morressem queimadas na boca da dor,
mas sempre as levava a bala.

Olhei para o céu vermelho e a sinagoga,
já não sou da mesma cor no meu peito.


NUM QUARTO DE HOTEL

Inicio minha sombra,
os versos seduzem meu silêncio.
Sentada numa cadeira do meu quarto
tento seduzir a felicidade para que me possua
e não consigo alcançá-lo.

A ausência parece-se com a minha cama vazia,
com as paredes brancas,
com os quadros cheios de pó,
com a ressurreição dos sonhos a preto e branco
que me deixou a infância.

Arthur não me quer e eu o amo.
O mundo caminha vazio de mim,
já não consigo respirar nem mais um minuto.

A toda a minha vida faltou o espelho de todos,
o sangue da companhia,
o livro aberto de Ulisses
com o filtro do sentimento.

Reviso a caixa das minhas recordações
e quando a abro
abro um lado de mim que sangra
e rio como louca,
como uma qualquer
e penso em partir até que o tempo se torne a minha casa.

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