7 Poemas de Julio Torres (Honduras, 1982)

| | ,

Curadoria e tradução de Elys Regina Zils

Julio Torres (La Lima, Honduras, 1982) é narrador e poeta, professor de Ensino de Espanhol, formado pela Universidade Pedagógica Nacional Francisco Morazán. Parte de sua poesia e narrativa foi publicada em revistas de seu país, como El barco ebrio, dirigida e editada pelo escritor e acadêmico Marco Antonio Madrid, e pela Círculo de poesía, revista eletrônica mexicana de letras. Seu trabalho fotográfico também foi exibido na FIL de San Pedro Sula, edição 2023. Os poemas aqui apresentados pertencem à Cartografía Mínima, livro de poesia, publicado por Malpaso edições. Seu livro de contos, Bocetos de agonía, está em preparação.


UMA FOLHA SECA

diz mais que a vida efêmera,
em outro tempo pertenceu a um todo
brincava no trapézio do vento
poderia ter sido alimento de gafanhoto.
Longe, um prenúncio de chuva
golpeada pelo ar
                                     a folha cai,
sombra e umidade,
seu percurso no ar
traça o destino dos corpos,
resta o silêncio,
sua ensurdecedora raiz de pedra
e floresce o esquecimento do que foi:
um quebra-cabeça de clorofila
o fogo leve de seu último beijo.


AMANHECE

o címbalo de um galo
se dispersa nos telhados
                                                                                    abro as janelas

uma peça de jazz
puxa suavemente os lençóis
a claridade vai revelando
a ressurreição das coisas.

Sobre alguns seios
permanecem duas gotas de sombra.


UM LUGAR VASTÍSSIMO

em algum ponto da noite,
guarda as vezes que disse teu nome
todas as vezes que recorri ao teu oráculo.
A partir daí, teces e desteces os fios do desejo.
Na trama das palavras
minhas máscaras jazem exauridas:
digo herói
imortalidade
o nada
beijo ou vaso.
Vou da insônia à mudez
os dias que me foram concedidos
têm batalhas travadas pela amizade e pela coragem.
Aqueles que disseram ausência
não se aproximam do tamanho do vazio
entre a casa e o mar que amarás.


UM RELÓGIO NÃO PODE SE ATRASAR

dá a impressão de lentidão aos desesperados,
mas não se atrasa,
vai sempre em seu ritmo
no exato ritmo e cálculo para o qual foi construído,
nunca diria: o relógio mastiga as trevas e se atrasa
ou a tartaruga mecânica que está no quarto
se sufoca no piscar das horas.
O tempo é a respiração do nada,
um relógio é um artefato
onde tentamos capturar o que não nos pertence
certos livros em minha mão
perecem lentamente,
imaginei a casa com jardins amplos
mas isso é uma questão de ser e de espaço;
não tem nada a ver com o fundo de caverna que é o meu lugar,
resta o detrito ou a dádiva ou a trégua
de deuses mal-humorados
um galo delimita a paisagem no escuro,
nem uma palavra existe ainda.


ÀS VEZES VAMOS ADIANDO

adicionamos tempo e mais tempo
até chegarmos à beira do inevitável,
por exemplo, consertar uma porta enferrujada
arrancar um dente deteriorado
ou cortar a grama do quintal.
Vem o animal do tédio
em busca de pele e tálamo
já não há espaço para os beijos;
se acumulam e são tantos e nunca alcançarão seu destino,
então, os deixamos ao lado da porta
ou procuramos um terreno pedregoso e os plantamos lá,
uma sensação de derrota cai como um manto
mas não é o fim, a derrota não é o fim,
ninguém está isento dos martelos da catástrofe;
a tarde é uma onda mansa que lambe os escombros
podemos ser o não dito dos pontos suspensivos,
o corpo, heroicamente sentado contra a mudez.


HÁ DIAS EM QUE EU ABOMINO

a sordidez dos esgotos,
mas, quem sou eu
para subjugar a casa dos ratos.
Regresso ao bairro da infância
e nada mais é igual;
tudo parece um guarda-chuva abandonado,
nos vamos e sempre voltamos;
desfazemos labirintos
vamos ao infame burburinho dos cafés
encontramos janelas fechadas
lugares que retornam à memória
entre beijos furtivos e garoa.
Nunca se deixa de amar uma cidade;
é como um útero ou uma constelação.


CONFESSO

que escrevi homilias afiadas
contra aqueles que acumularam figuras de dor
e sepultaram caixinhas de música
que alegravam as crianças nos hospitais,
eu as perdi, as esqueci no ônibus
junto com outros papéis soltos,
estava imerso em minhas tempestades
o mundo que habito é imperfeito
esculpi-o à mão,
entre a folha de tabaco da solidão
e o trava-língua das orações.
O fogo é um deus,
se alimenta de esfregões ou livros perigosos,
não tenho nada para oferecer-lhe.

 

1 comentário em “7 Poemas de Julio Torres (Honduras, 1982)”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!