5 Poemas Julio Llinás (Argentina, 1929-2018)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Floriano Martins

Com Enrique Molina, Aldo Pellegrini, Francisco Madariaga e Carlos Latorre, fundou as revistas A partir de Cero e Letra y Línea, tendo sido também líder do grupo BOA associado ao Phases, de Paris. Morou na França em 1952, onde frequentou a companhia de Elisa e André Breton, e de volta a Buenos Aires, fundou a revista Boa em 1958. Entre seus livros se destacam Panta Rhei (1950); La Ciencia Natural (1959); De eso no se habla (1993); La Ciencia Natural II (1996); El Fervoroso Idiota (1999) y Sombrero de perro (1999). Seu livro De eso no se habla foi transformado em filme em 1993 por María Luisa Bemberg e estrelado por Marcello Mastroianni, Luisina Brando e Alejandra Podestá. Em 1998 participou do curta-metragem dirigido por seu filho Mariano, Derecho viejo, com Miguel Dedovich e Patricia Becker.


PALAVRAS CAPITAIS

Certas palavras capitais
foram sendo pronunciadas em meu favor.
Eu combinei sua cal
com minha destreza no sonho
e essa fusão me tem procurado
um instrumento atroz.

E desde então,
quando a noite me expulsa
ou quando tusso,
quando confundo ou esqueço,
quando sangro,
quando segrego ou exprimo,
quando choro,
sei que há um olho que vê
e outro que é visto
e que não basta apenas um deus
para fechá-los.


O SONHO DE ORSON WELLES

Andando pelos portos, sombra!
da ressaca cativa que golpeia contra a murada,
ou então as grandes ondas ferventes
onde vão morrer os camarões
e algumas tardes humanas
com seus bordados de sal,
chega bem pra lá,
na elegância sem piedade,
onde os iates desdobram
seus mosquiteiros luminosos
sob a noite nobre
que a todos acaricia.

Quem és? Diz a cadela babona de colar fajuto,
como te atreves? Este é meu barco.

Sob o mosquiteiro as mulheres bebem suas taças de Seurat,
os cavaleiros deslizam as baquetas pelos canos
de suas pistolas de duelo;
a mais antiga é a mais fina e canta:
eu sou damasquinada e matei Deus
na Normandia.

Andando pelos portos, sombra,
pelas beiradas gordurosas do mar dissidente,
o caminhante viu o mundo em uma esfera de cristal
em cujo centro cai a neve, eternamente.


BIGODES

Stephen Rose amava seus bigodes,
que retorcia deleitado,
e mesmo assim aprovava os meus,
guiados para baixo
e bem civilizados, segundo ele.

Fez uma festa muito bonita
Stephen Rose
em um nightclub de Manhattan,
e contratou um velho crooner
– Mel Tormé –
contemporâneo de Sinatra
e que o superava, segundo ele,
comprometido mais com a paixão
do que com a realidade,
coisa que me parece estar bem,
na minha opinião.

Stephen Rose tinha cinquenta anos
e uma jovem namorada muito bela
que disputava seu amor,
pelos bigodes,
que eram também muito belos.

A namorada
se despia totalmente
quando navegávamos em iate
pela baía.

Gosto de teus bigodões,
me disse uma manhã,
nuazinha sob o sol.
E quanto a mim, gosto de tua boca,
e de teu olhar, eu lhe disse.

Stephen Rose disparou
uma gargalhada
e retorceu seus bigodes
como um soldado húngaro.


CONJETURA

Algo está oculto
nesta casa
e é impossível
encontrar.

Não tem voz
e não se pode saber
se é algo vivo.

Não é o rangido
da madeira nem
o sono azedo
do vinho
nem o vago fedor
dos ratos
sucumbidos
por causa de venenos
de glândulas sexuais.

Algo está oculto
nesta casa
e vaga pelo ar.

Será seu dono
talvez,
serei eu mesmo?


O VOYEUR DE PERNAS

No preguiçoso estendido
sob o teto
sobre a loja de relógios
do velho professor
todos os tempos se misturam;
ah a viela sombria
por onde passam os dias
do voyeur de pernas!

Águas que escapam da mão
enluvada em prata velha
como a seda brilhante
das vadias
que se vestem de vadias.

A prostituta azul
dá o sinal
sentada na vereda
com seu vestido de água verde,
no cerimonioso acento de monsenhor.

Oh graças, graças,
puta amada!
A infância é toda a vida,
sabias?´

no salão do professor
debaixo da casa
soam a um só tempo
todos os relógios.

Já são as doze cumpridas
nas agulhas sem norte
do voyeur de pernas.

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