3 Poemas de Carilda Oliver Labra (Cuba, 1922-2018)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Dentro da tradição universal da poesia de amor, ou pelo menos nas línguas neolatinas, parece que Carilda Oliver Labra se desenvolve no legado do Livro do Bom Amor, e não na linha petrarquista idealizadora. Ela canta e celebra um homem concreto e físico, ao seu lado ou desejado, não um príncipe encantado ou amante imóvel tão esquivo por ser ideal ou sonhado e, portanto, imaterial. Em todo caso, Laura é ela, mas na posição de poeta (de Petrarca), sem o menor sentido de submissão feminina ao poder poético masculino, embora também sem a atitude sáfica à moda feminista moderna. Não lhe interessa a agressividade erótica que tacitamente descreve a experiência sexual, mas sim a sua sugestão (“A vida cabe em uma gota”), o seu gozo anterior e posterior do que outrora se chamava deliquio, como se o amor carnal fosse um desmaio, feitiço ou vertigem. Isto é o que aponta, sobre a obra de Carilda, o estudioso Virgilio López Lemus. E em Al sur de mi garganta, publicado em 1949, que 60 anos depois voltará a ser publicado em Cuba, é onde melhor se aprecia esse critério correto, de um dos que mais e melhor conhece sua obra.

Carilda Oliver Labra nasceu em 6 de julho de 1922 em Matanzas, doutora em Direito Civil pela Universidade de Havana, foi professora de desenho, escultura e pintura e trabalhou na Biblioteca de sua cidade. É Prêmio Nacional de Literatura e recebeu os mais importantes reconhecimentos da literatura cubana. Muitos de seus poemas fazem parte das melhores antologias poéticas do mundo, pois estão na memória de centenas, milhares de leitores.

A dor a paralisa, o amor é o que define sua escrita. Ela é um corte perfeito do mais puro quartzo. Sua pele branca e perolada, com tons de creme, bege e baunilha, revelam a sensualidade que lhe pertence; Os seus grandes olhos, tremendamente azuis ou verdes, consoante o tom e a intensidade da luz, conferem-lhe a beleza da magia, a sabedoria de uma mulher que continua a exercer a sua liberdade, lugar que nenhum escritor pode perder.

ALEYDA QUEVEDO ROJAS


UMA MULHER ESCREVE ESTE POEMA

Uma mulher escreve este poema
onde possa
a qualquer hora do dia que não importa
no século da deficiência de vitaminas
e a cosmonáutica
tristeza desejo não sabe o que
esperando a baioneta ou o obus
uma mulher escreve este poema
sem atributos
sem vergonha e dentes
ardente imutável arrependida apodrecendo
caímos por turno diante das estrelas
todos temos que morrer
não há nada mais ilustre que o sangue
uma mulher escreve este poema
que estúpida a vida que separa o sol da sombra
o crepúsculo passa
acumulando-se ao final dos telhados
de repente soubemos de uma trombose coronária
solidão existes
soou uma bomba
veja se as lentes de contato quebraram
uma mulher escreve este poema
separa quinze moedas para o aluguel
meu velho amigo
se desprende do meio-dia pela próstata
dançamos
segue a preparação do combate
não passaram
uma mulher escreve este poema
como alguém que perdeu tempo para sempre
eu acredito no coração de Denise Darval
ganhamos porque morremos muitas vezes
parece que tenho um derrame sinovial
sem tempo para poesia
o feijão realmente demorou a ferver
eu juro que amanhã vou pedir o divórcio
uma mulher escreve este poema
como há fantasmas às sete no meu peito
eu talo um galho na areca que é triste
mãe, você não sabe o quanto eu sinto sua falta
se o alarme de ar soar
pegar as crianças que dormem no berço
vou ficar com este retrato do Ché
como o canário se calou, eu trouxe um tenor para casa
uma mulher escreve este poema
carregada de ultimatos
pólvora
rímel
verde contemporânea miga
entre o urânio
e
o cobalto
trevo da esperança
convalescente de amor
trapaceira ao êxtase
boba como balada
neurótica
colocando sonhos em um cofrinho
ninfa do trauma
tocando para não perder a luz no último gole
uma mulher escreve este poema.


JOVEM LOUCO: QUANDO OLHAS PARA MIM

Jovem louco: quando olhas para mim
dissimuladamente de cima para baixo
Sinto que rasgas tiras e tiras de minha combinação…

Jovem saudável: quando me tocas
descuidadamente a mão, às vezes,
sinto que cresces e que na carne tens bocas de sobra.


À NOITE

À noite dormi com um homem e sua sombra.
As constelações nada sabem sobre o caso.
Seus beijos eram balas que ensinei a voar.
Houve uma parada cardíaca.

O jovem
nadava como as ondas.
Era tétrico,
suave,
ele me bateu com um martelinho nas juntas.
Vivemos esse instante na selva,
essa saúde colérica
com que a fome de outro corpo nos mata.

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