3 Poemas de Jamila Medina Ríos (Cuba, 1981)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Jamila Medina Ríos (Holguín, Cuba, 1981). Aprendeu a nadar no Cairo, 1984. E a andar de bicicleta nos Báguanos, 1992. Na poesia: Huecos de araña, Primaveras cortadas, Del corazón de la col y otras mentiras, Anémona, País de la siguaraya. Na narrativa: Ratas en la alta noche o Escritos en servilletas de papel. Em ensaio: Diseminaciones de Calvert Casey. Mestre em Lingüística pela Universidade de Havana com estudo sobre a desautomação da retórica revolucionária em Nara Mansur. Jamila codirige a Candela Review. Sonha em dançar hula-hula e com um jardim à beira-mar.


CÍRCULOS CONCÊNTRICOS

No caramanchão
uma clareira afastada pela chuva.

Eu poderia resvalar sobre as folhas
gélidas, apodrecidas
até o seu centro;
poderia me fazer resvalar
(dois pés rolando pela sarjeta)
e uma mulher sem vida lá embaixo
e a umidade subindo do solo.

Cercando as cidades
junto às avenidas que permitem penetrá-las
seguindo o desenho dos trevos
o caramanchão se alarga
a folhagem se expande repetindo a umidade.

Daquela clareira
o corpo poderia desejar
não haver abandonado as cidades
tornando-se transparente sob as lâmpadas atravessando o parque
devastado por outra claridade.
Eu inclusive gostaria de ainda estar esvaziando
um lugar
entre as bordas esverdeadas do útero:
um feto
dentro do útero
ainda
sob as luzes debulhadas de Al Azirah
(terra crescida entre dois rios).

A cerca verde
o centro seco e a umidade
estranhamente se repetem.


HORTO

O útero
– Com toda a sua carga simbólica –
pinçado
por pernas goivadas de tesoura:
incomparável com um braço
com um beliscão no braço
até mesmo incomparável com a boca
uma mordida na boca.

O útero
aberto para receber a sombrinha-medusa
o biombo tentacular
como a espinha dorsal de algum peixe frio.

Para que uma mulher abre as pernas
diante da língua dura do espéculo
e põe ALI uma cortina de ferro?

Acompanhada pela música do amolador de facas
a mulher afia a filigrana de sua loucura
sexar sexar sexar
cerrar abrir serrar
a passarela da respiração
tensionar os limites do gozo
chegar à borda negra.
A mãe extraída da puta
com a extirpação do horto
a mulher-a gema
aberta-diluída
para receber sem perigo o lodo
como um buraco na areia.

À tarde – na tarde desmaiada –
quando o útero vai regressando à sua matriz
como um cesto tecido de moluscos
mesmo sabendo que não pode exercitar os membros
a mulher se abre provocando a entrada.

Que descompasso o pulso do amante
quando penetra e cede
a seda vermelha do hímen.
Que despreocupado agora
– o pescoço torcido do útero
selada a boca fria –
certo
de que não haverá braços que lo puxem.

Quando a língua da medusa começa
sua cócega indefesa
o amante ainda sorri com a cabeça erguida
e pega dentro – amordaçando –
com o peixe-martelo / com o peixe-serra / com a mão aberta.

Nos portões do horto
quem se atreve a chamar
com aquela golpeada surda?
Tateando
ruborizado
ao redor da glande brilhante
– Como o fígado cru
como o fígado vermelho
retraindo
como uma anêmona assustada
sombrinha
rítmica
crava e mostra as hastes
lamber
e sangra
se acomoda
e morde.


QUEBRA-NOZES OU O SALTO MORTAL DO PEIXE-BOI

Um fio tirando de um carretel de linha
uma fibra
talvez indefesa solitária
que gira e tensiona e vai se enredar no emaranhado.

Então meu corpo-avalanche entrando no amor
Assim te comprimindo
com a mão voraz que descasula
com a boca-lâmina
que faria de Deus um louva-a-deus sem cabeça
um rescaldo / um toco / um deslinguado eunuco.

Em um salão de espelhos e labirintos refletidos o pranto loquaz do peixe-boi
do corpo-trança
o abatido carrossel
pendem fios pegajosos de aranha e fantoche
na garganta e narizes – demorados –
trago um rio de vermes
um redemoinho de víboras
ensimesmado o corpo se revira em si mesmo
uma boca espumosa perseguindo um rabo.

Quando grasno eriçada de perguntas e brinco como o carneiro
como cata-vento em pânico
os fios não se descarnam não se parte a noz
que sobre dada à tua saliva brilhante
como uma pérola ao centro das válvulas
como um olho expectante
um nariz que lambe
o coração do repolho.

O pólipo
ele se derrete apenas entre seus lábios quando roças
para me explicar tua estratégia:
cai o corpo e cai – sem forças –
a cabeça.

Com as castanhas dos dentes com o pulso morto
extirpas o ramalhete de sangue
que maior importância possui um coágulo?

Sei que arrasas trituras diluis deslês sorves os centros brandos de mim
Os leitos dos olhos
Os ocos das rótulas
Toda a raiz nó que emane encerrado nas válvulas do repolho.

Quais torres
levantarás onde se erguia o dedo travado o eixo da espiral do caracol
quando removas as pinças:
tuas mãos quebra-nozes
teu cetro trêmulo?
Que reinos
levarás na esplanada que resta quieta balbuciante
esperando o embate?
Com que rios repovoarás os leitos quando beberes o seco
e eu ainda dance
cega entre os espelhos
crendo fugir ou que entrarás
em meu engenho de fios.

Que deserta a noite da festa:
um tatu
como uma lagosta aberta ao meio descansando na mesa.

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