9 Poemas de Carlos Pintado (Cuba, 1974)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Poeta, escritor, ensaísta e dramaturgo (Cuba, 1974), graduado em Língua e Literatura Inglesa. Entre seus livros publicados estão La Seducción del Minotauro, Los bosques de Mortefontaine, Los Nombres de la noche, El unicornio y otros poemas, Cuaderno del falso amor impuro, Taubenschlag y La sed del último que mira. Seus textos foram publicados no The New York Times, The American Poetry Review, World Literature Today Magazine, Raspa Magazine, Latin American Literature Today, entre outros. Carlos foi um dos escritores convidados a colaborar no livro La experiencia del exilio: un viaje a la libertad, do músico e empresário Emilio Estefan. Desde 2010, vários grupos de música clássica nos Estados Unidos, como The San Francisco Girls Chorus, The Dal Niente Ensemble, The South Beach Chamber Music e Continuum Ensemble, cantam seus poemas em concertos em São Francisco, Chicago, Boston, Wisconsin, Miami e Nova York.


O NADADOR, CHEEVER, OUTRA HISTÓRIA

Eu sou o nadador de Cheever. Escrevi esta história em jornais que o fogo vai consumir. Meus filhos descobrirão essas páginas e saberão que seu pai era mais do que apenas um velho escritor de Massachusetts. Amei como só um homem idoso deveria amar: com medo, com cautela, com cansaço. Todas as coisas no mundo são concedidas antes da morte, exceto o tempo. É por isso que é impossível amar de outra forma. Quando os pássaros de verão voarem pelos céus noturnos, terei escrito esta história. Terei atravessado os pátios com a loucura chicoteando meu rosto, com o desejo partindo meus lábios em dois. Sou o nadador de Cheever e sou Cheever, John Cheever, às vezes, quando saio das piscinas e alguém me dá uma festa de boas-vindas. Diziam que essas casas guardavam uma história triste. Compreendi que a larva surpreendida pela luz experimenta um estranho delírio e que a morte, como a conhecemos, nada mais é do que uma torção da vida. Eu entendi essas coisas tardiamente. Não terei mais tempo de olhar para os campos onde homens com belos torsos sobrevivem como estátuas. Eu sou o nadador de Cheever. Minha história é triste e fugaz, como todas as histórias.


O VASO GREGO

Uma guerra impossível era lutada no vaso: o vaso havia resistido a anos de horror, de golpes. Permanecia, nu, sobre seu adversário; o adversário, talvez demasiado jovem, também exibia certa nudez. Lutaram como amantes, como inimigos, sem mobilidade. Sem que se declarassem vencedor ou perdedor. Perto deles, homens fortes com pernas de touro, esperavam. Olhamos para o vaso, essa eternidade da qual jamais beberíamos.


O DESAFIO

A distância entre mim e o rato é mínima. Ele olha para a casa desde sua pequenez; eu olho para a casa desde a minha grandeza. Prisioneiros de quais espaços, nós dois pensamos; prisioneiros de que armadilha, vivemos. A situação se estende por minutos. O rato se cansa de nada acontecer; eu me canso do mesmo. A casa, imagino, não suportará tanta inatividade, tanta quietude insustentável. Um diálogo, uma guerra, algo deve ser estabelecido entre o rato e eu. Mas nada acontece: mentes inferiores se desafiando, somos isso, em silêncio.


A FOTO

Thomas Bernhard: a foto estabelece a ordem, o significado. Somos sobrinhos de Wittgenstein. Nada sabemos do frio ou da doença. Nada pode nos ferir. Somos os personagens da foto. Nem mesmo a morte pode vir até nós nesse instante. Não há horror. A foto é o obstáculo (não nosso), a fixação, um limite para que não existamos. Temes aproximar-te ou que eu esteja sempre diante da porta, esperando. Temes a ordem que a foto estabelece. Avanças sobre o pedacinho de água: te acomodas no silêncio, é a tua estratégia. A tortura visual dura um segundo.


BREVE TRATADO JAPONÊS

No Nô, o traje cobre grande parte do corpo com muita austeridade. Os fios de ouro e prata emitem brilhos muito breves. Só o rosto e as mãos e uma parte do pescoço conseguem aparecer um pouco. Quando vimos o ator demonstrar que era uma donzela, talvez a mais bela de todas, tão delicada e lenta que se limitava seus movimentos parecia uma estátua empurrada pelo vento, pensamos na sedução como um abismo.


COMO EM UM ROMANCE INGLÊS

Falava de ilhas perdidas. Sua mão desenha sinais estranhos no ar. Ilhas de ar, pensei, lugares para os quais nunca fui feito. Para se explicar melhor, traçou figuras na areia. O mar estava escurecendo. Atrás de nós, a linha perfeita dos hotéis de South Beach. Logo a noite chegará com o néon da noite. Tudo acontece sem nenhuma novidade, um hábito, um ritual. Como em algum romance inglês, ficará apenas o perfume dos lugares onde fomos felizes.


A PAISAGEM

Despertar e ver a si mesmo, não na folha, não na árvore, sequer no campo que irremediavelmente se estende. Acordar e se ver apenas na semente, em sua consciência, empurrando, e saber que nada disso existe, que logo seremos consumidos pela paisagem, que choverá sobre nós, que uma mão mais ou menos bela, sempre humana, nos lançará ao pó e que o pó fará o mesmo que a mão e que ninguém virá nos dizer algo sobre sossego, labilidade, porque tudo passará tão rápido como um canto de estrelas no céu.


GRULLAS

No sabría explicarlo pero en algún momento las grullas del haiku y las de un lago en Japón fueron las mismas.  El papel de arroz resplandecía y la palabra grulla escapaba de mis manos. Fue en ese instante que algo –una hoja, una piedra o el reflejo de un pájaro-, quebró la quietud de las aguas. Hablar de un milagro sería conceder a un acto tan sencillo una extraña naturaleza inexplicable. Me pregunto, empero, si alguna fue vista por Nichiren Daishonin en su exilio de Sado; si alguna cruzó, con la elegancia que toda grulla supone, ante sus ojos, y si sus ojos, consumidos por el dolor y la desesperación de quien sabe no verán otras grullas más, se demoraron en esa otra que entraría, bajo la forma de un dibujo, en un papel perlado.


GRUAS

Não sabia explicar, mas em algum momento as gruas do haicai e os de um lago no Japão foram os mesmos. O papel de arroz resplandecia e a palavra grua escapava de minhas mãos. Foi nesse instante que algo – uma folha, uma pedra ou o reflexo de um pássaro – quebrou a quietude das águas. Falar de um milagre seria dar a um ato tão simples uma estranha natureza inexplicável. Eu me indago, no entanto, se alguma foi vista por Nichiren Daishonin em seu exílio de Sado; se uma delas cruzou, com a elegância que toda grua supõe, diante de seus olhos, e se os olhos seus, consumidos pela dor e o desespero de quem sabe não verão outras gruas, se demoraram nessa outra que entraria, na forma de um desenho, em um papel perolado.

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