5 Poemas de Lía Colombino (Paraguay, 1974)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Seus poemas são curtos. A autora, Lía Colombino, os considera um experimento. Pela sua brevidade (algumas não ultrapassam quatro linhas ou versos) nos levam a pensar que sim, estamos folheando um simples experimento do bom, do medíocre e do mau que se publica em nosso meio e no exterior.

Porém, a leitura de seus versos nos aproxima da oportunidade de conhecer a densidade do pensamento de Lía.

Ela consegue colocar grandes ideias no papel, embora não as desenvolva; (costuma-se esperar dos poetas, quase sempre, uma certa extensão). Mas isso não importa. O bom da experiência é que ao folhear as páginas do livro Tierra de secano percebe-se que tudo se diz muito bem em poucas palavras.

[…]
No entanto, como ela mesma o expressou, essa experiência com a qual qualifica seu trabalho pode abrir-se para outros caminhos. Suas palavras têm bastante valor nestes tempos em que o meio ambiente precisa de pessoas que pensem com densidade, nitidez e coerência. Lía Colombino sabe que pode dar o melhor de seu raciocínio, de suas ideias questionadoras e observadoras, para mostrar ao leitor a realidade que oprime nosso povo.

DELFINA ACOSTA


[É A HORA]

É a hora em que o céu fica rosa e as nuvens formam ondas (no céu). É a última tarde do ano. As cigarras anunciam algo: a chegada de janeiro. Seu canto inunda a tarde que se transforma em noite. Somente quando se calam é que ela percebe aquele canto ininterrupto. É a última tarde do ano, há uma calmaria forte, há cigarras. Há um céu rosa, há cigarras. Algo se anuncia e ela, estirada na cama, com os olhos quase fechados, vê o que se aproxima com a calma de centenas de dromedários num deserto tranquilo.


[HÁ UM PRATO CHEIO]

há um prato cheio de batatas cozidas descansando sobre a mesa
o vapor sobe do prato e um garfo corta as batatas com sua ponta
de algum lugar vem uma música
repleta de guitarras elétricas
chove ou há vestígios de haver chovido durante dias
tudo está pegajoso, não faz calor, porém a umidade cobre tudo
há um relógio cujos ponteiros não andam
relógio tem uma malha negra
de couro usado
também alguns óculos de sol
mas há também o que não há


[TUDO ESTÁ NAS MARGENS]

Tudo está nas margens – ela pensa, enquanto bebe pausadamente um chá de gengibre com mel. Ela descobriu essa mistura recentemente, mas gosta dela, coça, arranha a garganta, ainda não sabe para quê, mas sente que não pode ser nada ruim. Sua cor é mal compreendida. Mas é quase amarelada, de um branco sujo, como quase todos. Depende do mel, de sua cor ou nenhuma. Mexe o líquido com uma colher pequena e o vapor sobe até o nariz para antecipar o sabor picante. Ela espirra agora. O cabelo caiu um pouco para a frente, devido ao movimento rápido simultâneo ao espirro.
E se as margens estivessem distorcidas? – ela indaga.


[DUAS VEZES]

duas vezes
apagaram meu rosto
me puseram uma máscara
uma vez
Agora depois do delírio
mostro o rosto
as penas em minhas mãos
o som nos olhos dispostos
o corpo guarnecido
atravessado apenas
por um cordão de ar


[CARREGO O VENDAVAL]

Carrego o vendaval
Ajusto a nuvem na cabeça do ciclope
Eu sonho
Rompo as palavras alheias e me povoo
Eu toco os dedos da respiração
Sim
Eu
que carrego a minha voz
que me inauguro e me esgoto
e que abismo a sílaba até um mar
Eu cavo no fundo
meu animal.

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