3 Poemas de Alessandra Molina (Cuba, 1968)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Alessandra Molina é uma poeta cubana. Formou-se em literatura pela Universidade de Havana em 1991. Em 1999 recebeu a bolsa Prometeo (La Gaceta de Cuba). Seus poemas foram reunidos em importantes antologias da poesia cubana e latino-americana. Participou como poeta convidada no Festival Internacional de Poesia de Granada (Nicarágua 2013), no Festival Internacional de Poesia em Vilnius (Lituânia 2007) e na Bienal Internacional de Poesia de Bal-de Marne (França, 1999). De agosto de 2006 a agosto de 2007, ela foi escritora residente da bolsa da International Author House em Graz, Áustria. Livros de poesia: Algodón del sueño, cuchillo de los zapatos (Rialta, México: 2017), Otras maneras de lo sin hueso. Poesía y ensayo (Leykan, Austria: 2007), As de triunfo (Letras cubanas, Cuba: 2003), Usuras del lenguaje (Editorial Siesta, Argentina: 1999), e Anfiateatro entre los pinos (Extramuros: 1997).

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A poesia sempre foi canto. Ainda hoje, quando os poetas, receosos de cair no encanto dos seus versos, resistem àquela velha função do poema e fragmentam a linguagem, e enchem a página de palavras cortadas e cortantes, o poema continua a cantar, porque não há negação onde não brilham as declarações nem a fúria que, quando chega a hora, não saiba cantarolar e dançar. Mas a história da canção artística é muito extensa e conhece todas estas coisas. É para mim que esta experiência é nova e dificilmente me atrevo a referir-me a ela com uma analogia modesta. Vejo o poema transformado em canção como um barco que se lança nas águas de um rio. Por um momento as águas e o barco insistirão em permanecer essas duas entidades, até que um breve movimento os deixe sendo um no outro. A partir daí tudo será como navegar marasmos, cachoeiras, afluentes…, batalhar as águas e ser das águas, impondo-se ou desaparecendo atrás do olho de um redemoinho, sob uma quietude vítrea que de repente se quebrará novamente para que a madeira reapareça abalada, triunfante. Se o poema sempre foi canto, na sua forma de canção artística tem uma das expressões líricas mais completas. Como o barco nas águas de um rio, o poema cantado está numa união crítica e única de música e verso, um drama de balanços, uma superfície de muitos tons, cheia, enérgica, e onde as profundezas continuam a ronronar.

ALESSANDRA MOLINA, 2022


TEATRALIDADE

Lembro-me daquela história da velha cabeça de um homem que era medo e teatralidade. Ele se inclinou e isso não significava que sua cabeça ganhasse um palmo de altitude. A água da chuva foi criada, o campo acabou e a tempestade começou. Como um intruso sem paixão a declarar, aproximou-se da janela e no vidro seu hálito formou a roseta de uma concha desprendida. Mais além, os cavalos afundavam lentamente, negando a sua habilidade, a salvação de alguém. O corpo de um jovem estava ajoelhado sobre os melhores cavalos da região, quase invisível, um fantasma perturbando o animal. Voltei a ver a mancha de sal na concha mais branca e nítida do que nunca: aquele rosto me falava do corpo jovem que iria rumo à dor. Parou de chover, lá dentro permaneciam as risadas e cantorias, a fogueira e a comida. Serei mais uma vez a esposa doente do intruso.


LÂMINA

Bebíamos
e era o brocado de taças fortes
o que melhor outorgava uma raiz, um assentamento.
Tu me mostravas lâminas,
pequenos desenhos que vislumbrei ao longe, e mais distante, flor:
assim abriram suas posturas em direção ao centro, suas cores claras.
O brocado de taças fortes era uma raiz cor de vinhedo,
flor, nós dos dedos, galho vertical…
quase uma linha onde o pássaro não perde o seu repouso.
Certamente projetado para o voo
já éramos pássaros com formas cansadas.


CANÇÃO DOS REMADORES

Quem viu a redondeza de seus ombros,
as costas triangulares,
aquele escudo que guarda o marco de oito corpos,
oito pares de remos.
Quem viu o ângulo das pernas
no fundo muito raso do barco,
os olhos desmesurados dos joelhos,
a quilha solitária.
Quem ouviu a canção de sua força compassada,
força que leva o tempo de um descanso.
Os remos entravam nas águas
como bocas falantes,
saíam das águas
como ouvidos surdos.

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