3 Poemas de Claudia Hernández de Valle Arizpe (México, 1963)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Claudia Hernández de Valle Arizpe(México, 1963). Professora universitária e gestora cultural, seus livros de poesia e ensaio incluem El corazón en la mira, Albur de amor, de Rubén Bonifaz Nuño, Sin biografía, Perros muy azules, México-Pekín e A salvo de la destrucción. Recebeu os prêmios: Prêmio Nacional de Poesia Efraín Huerta, Prêmio Iberoamericano de Poesia Jaime Sabines para Obra Publicada, Prêmio Internacional de Literatura Sor Juana Inés de la Cruz 2015, de Poesia. Foi traduzida para várias línguas e foi membro do Sistema Nacional de Criadores de Arte em seu país em várias ocasiões.


ISTAMBUL

I
O mar chega até a porta.
Com que fascínio olham seu horizonte
quem vêm de longe;
de lá onde a terra
não tem outra vista senão mais terra:
planícies, terrenos baldios,
cidades cobertas de poeira,
casarios que terminam em colinas,
casas e outras colinas,
pedras ressoando por tudo.

Davi sobe colinas.
Abaixo estão carneiros abatidos.
Ou primeiro ficou repleta de pombas, a árvore?

Ou de touro, a ceiba?

A cidade é um livro que poucos leram.
Sem a decifrar,
repetem de memória suas passagens,
mesmos caminhos em cada linha,
pausas iguais onde estão os pontos.

II

Longe daqui, no inverno turco,
no caminho das sepulturas
onde a noite abre bem os olhos
sob o rumor dos ciprestes,
Davi falará.
Explicará esse rastro que deixou o sangue
na pedra dos traidores:
“A realidade é a sombra das palavras”
como o sangue é a sombra da História.

Fala David.
Guie-nos
e uma carroça surge entre galhos
precedida pelo fogo de duas tochas.

Rápidos avançam os pés
e lentas seguem suas imagens.
Registradas à luz do olho
como o sangue dos decapitados na pedra.
David explica o murmúrio da água
criada em fontes
para não escutar as conspirações.

“Uma cozinha como esta tinha ao fogão
quinhentos homens
sob as abóbadas que imaginou Sinan”.

Não sabíamos
do veneno deixando seu rastro
nos pratos chineses
nem do trabalho para guardar abaixo da terra
tubérculos e vegetais.

Grasnam corvos
e David decifra símbolos:
a gramática em naipes vazios
fala sobre sultões que sofrem de gota.
Fora da janela, a folhagem escura
das magnólias.
Próximo, um aviário com gaiolas abertas,
penachos de luz,
plumagens no auge arrastando-se.

Sob um cedro aspira a fumaça do charuto.
“Vão sozinhos”, nos pede,
com a liberdade concedida por aquele que sabe.
E avançamos como quem pressente
que o imaginado
não é melhor nem diferente
daqueles prestes a serem vistos
mas igual à emoção de pronunciar o nome
de quem amamos.


VESTIDO DE BESOUROS DE JAN FABRE

Há coisas que só vemos a partir do medo
De saber que seu esplendor acaba.

Você viu, segundo dizem,
um vestido feito de insetos.
Seu brilho assemelhava-se a escudos,
lanças curtas e afiadas.
Você viu nele
besouros como joias
e esse outro tempo
em que faziam sinais luminosos
para procurar sua parceira enquanto voavam.

Bem, antes das cerejeiras florirem
fui como você diante desse vestido
e lembrei que “A vespa é uma ideia fixa
em meio aos gritos dos macacos”.


SANTA MARÍA: O PARAÍSO PERDIDO

Trilhos havia,
prismas basálticos,
abaixo essa fonte como um poço.

Insetos havia perto dos sapos,
crianças atirando neles com estilingue,
e os pássaros, quantos eram!

Vozes vieram de cima
e sobre a pedra o sol era um feixe
do retângulo onde lavavam metais.

Rio havia e, de vez em quando,
aquela praga de lírios,
feno nas árvores
e o som de uma bola contra a parede
no ouvido que tudo ouvia, cada golpe.

Galinhas havia, limoeiros,
cheiro de marmelo, vasos com gerânios
e um papagaio na despensa.

Ervas havia, grãos e tudo era bom.
Os cachorros iam e vinham
e como todos os cachorros
abanavam o rabo e lambiam.

Ao sair de ali para caminhar em círculo
desde o céu,
atravessávamos pelo rebanho.

Como era transparente a água
naquele tempo.

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