Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils
José Antonio Funes (Honduras, 1963). Poeta, diplomata, ensaísta e tradutor. Foi Vice-Ministro da Cultura e Ministro Conselheiro da Missão Hondurenha junto à UNESCO, Paris. Como professor de Literatura, trabalhou na Universidade Nacional Autônoma de Honduras, no Instituto Católico de Toulouse e na Universidade Católica do Oeste, em Angers, na França. Publicou os seguintes livros de poesia: Modo de Ser (1989), A quien Corresponda (1995), Agua del tiempo (1999), Ardientes postales (2021) e Balance previo (2022). Da mesma forma, participou de mais de 25 antologias de poesia na América Latina e na Europa. É membro correspondente da Academia Hondurenha de la Lengua. Em 2004, obteve o Prêmio de Estudos Históricos Rey Juan Carlos I com a obra Froylán Turcios y el modernismo en Honduras [Banco Central de Honduras, 2006]. Em 2021, foi agraciado com o Prêmio Nacional de Literatura Ramón Rosa.
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A poesia deve ter mais dessa capacidade de estranheza, a possibilidade de nos colocarmos no centro da condição humana com as nossas luzes e as nossas misérias. Não consigo conceber um poema que carregue apenas imagens ousadas ou malabarismos linguísticos; a poesia deve ter um fundo, uma força capaz de marcar a memória, abalar a sensibilidade, acariciar a carne e chegar até o osso. ( José Antonio Funes )
Ler José Antonio Funes é entregar-se a um universo de prazer estético e prolongado, onde arriscamos querer viver para sempre. ( Margarita Leoz )
A poesia de Funes é transparente, elegante e elaborada com delicadeza, mas possui uma ternura selvagem e convulsiva porque sua linguagem é um testemunho poderoso do medo que enfrenta todo risco e sacrifício. ( Salvador Madrid )
RIO DANÚBIO, INVERNO DE 1944-1945
Em fila foram as vítimas para as margens do rio,
levando seus gritos, seus prantos, seus terrores,
em fila porque a morte prefere a ordem, os caminhos retos.
Atados com o nó cego do ódio
caiam disparo após disparo adultos e crianças
no Danúbio que não era nem azul nem cinza
mas vermelho como o viu de sua janela Zsuzanna Ozsváth.
Os carrascos recolhiam os sapatos dos mortos
para vendê-los no mercado negro,
sapatos para senhoras, cavalheiros e crianças a bom preço,
sapatos que valiam mais do que a vida dos judeus.
Cadáveres descalços flutuavam no rio.
As águas do Danúbio corriam vermelhas talvez também de vergonha.
Aquele Danúbio que o poeta Átila József olhou “turvo, grande e sábio”,
aquele Danúbio que Johann Strauss sonhou azul e musical,
hoje convertido em sepultura para inocentes.
FALA O IMIGRANTE
Eu também sou Ninguém, irmão Ulises.
Todos os dias, ou melhor, todas as noites,
o Ciclope me interroga, e eu respondo: não sou Ninguém.
Ninguém por causa da minha cor, por ser portador de indocumentados sonhos.
Em uma tarde amarela no meu país
sonhei com um barco que atravessava o mar de campos de trigo.
Havia tanto sol, tanto céu,
que abandonei os mortos atados aos meus pés
e paguei com lágrimas de meus filhos o preço de uma estátua de sal.
Cheguei a esta ilha, Ulises.
Meus braços têm mais vigor que os do náufrago
que abriu as águas para fazer um lugar para sua morte.
Mas eu sou Ninguém e a chuva me molha mais que as catedrais,
e o Ciclope vigia
o pão luminoso que trago à minha mesa,
enquanto fala comigo sobre leis e fronteiras.
A MORTE TEM UM ALENTO DE GELO
Didier morreu congelado em um bosque na França.
A última noite de sua vida,
enquanto o gelo mordia seus ossos,
lembrou-se daquelas palavras de sua mãe de quando o acomodava
um cachecol azul, antes de levá-lo para a escola:
“Didier, reste tranquille.”
Quando criança amava a inocência da neve
e o bosque era esse lugar misterioso
onde poderia reinar um príncipe ou um lobo.
Mas naquela noite as árvores se tornaram sombras sinistras
e Didier agarrou-se ao seu papelão, aos seus trapos velhos,
até que um incêndio branco queimou seu alento.
Belos e tristes poemas.
Não conhecia o José Antonio Funes.
A poesia pode nos encantar, embalar e exacerbar nossa sensibilidade. Mas pode também nos fazer chorar e exacerbar nossa consciência diante das crueldades dos humanos.
Tudo é necessário!
Tudo é poesia!!!
Realmente, forte a mensagem – denúncia, sobretudo – desse poeta hondurenho.
De arrepiar de londo e forte!
Feio!
Inveja! Tristeza do triste!
Palavras tais a neve
ou um rio que não esconde
pés despelando
Vidas valem suspiros azuis
Honduras te amo!