3 Poemas de Leonel Alvarado (Honduras, 1967)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Leonel Alvarado (Honduras, 1967), publicou os livros de poesia: El futuro que no fuimos (2018), Estos días se llaman Blanca (2017), Xibalbá, Texas (Premio Centroamericano de poesía “Rogelio Sinán”, 2014), Driving with Neruda to the Fish ‘n’ Chips (2014), Retratos mal hablados (Menção Especial Premio Casa de las Américas, 2013), El reino de la zarza (Premio Latinoamericano de poesía “EDUCA”, 1993) e Casa vacía (1991);de ensaio: El lirismo patriótico centroamericano: himnos, nacionalismo e identidad (2018), Vida y obra de Bulnes el memorioso (2007) e Sombras de hombres (Premio Centroamericano de ensayo “Rafael Heliodoro Valle”, 1992); e de conto: Diario del odio (Premio Latinoamericano de cuento “Letras de Oro”, 1996). É professor de estudos latino-americanos na Universidad de Massey, Nova Zelândia, onde reside.

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[Sobre mitologias e migrações] Eu poderia dizer que esta história começa em um povoado da região maia de Honduras, um lugar onde a poesia sobrevive. Cresci entre as histórias da minha avó materna, que era parteira e curandeira, dois nobres ofícios com raízes ancestrais. Algum tempo depois compreendi que dessa avó havia herdado meu amor pela palavra oralizada e o encanto pelas mitologias.

Minha primeira grande migração foi para Tegucigalpa, esse nome indígena tão difícil para muitos estrangeiros, para terminar o ensino médio e depois estudar e trabalhar na universidade nacional. A segunda migração aconteceu por conta de uma bolsa de estudos que me levou para Langley Park, aquele bairro centro-americano de Maryland, onde estudei literatura latino-americana, comia pupusas e bebia horchata. A terceira migração me trouxe para a Nova Zelândia; estou convencido de que foi a menos previsível das três, pela distância, pelos motivos e pela duração.

Talvez deva aos contos de fantasmas da infância e convivendo, sem saber, com mitologias ancestrais o primeiro rito de passagem para a literatura. Lembro-me também que só havia um livro em minha casa, uma Bíblia impressa em papel cebola, da qual me fascinavam e me apavoravam algumas histórias, emoções que também me provocavam os contos de minha avó. Os livros chegaram-me no final da adolescência, e esse foi o outro rito de passagem, do qual ainda não me recuperei e que continua a mudar a minha vida. Esse encontro revelou-me outros mundos, aos quais desde o início sabia que queria pertencer; o que se traduziu em uma vontade de ir para o estrangeiro, que aconteceu como eu desejava mas não terminou como esperava porque a viagem ainda não acabou, e a quilometragem é cada vez mais difícil de remontar.

Viver agora nos Antípodas é uma questão de perdas, sobretudo de afetos e de espaços intelectuais e culturais, que tanto contribuem para estimular o exercício da escrita; torna-se mais difícil, por motivos de distância, manter contatos e aceder a meios, no que se refere a publicação. Uma estratégia possível, e tem sido minha experiência, é tentar criar vínculos no ambiente e fazer todo o possível para manter uma certa presença em alguns espaços latino-americanos.

Ao mesmo tempo, tem sido uma questão de enriquecimento, pois saber tão pouco sobre este novo local levou à revelação de surpresas emocionantes e bem-vindas. Aliás, a grande riqueza indígena deste país me trouxe de volta ao lugar onde minha jornada começou, ou seja, aquele pequeno povoado maia em Honduras. O rio Manawatū, que margeia a cidade de Palmerston North, onde morei por muito tempo, me leva (ou assim acreditei ou inventei por necessidade) ao rio Copán, que margeia a cidade maia de mesmo nome. Este é um lugar de grandes mitologias, que pude conhecer graças, sobretudo, às amizades e colaborações com grandes e queridos artistas e estudiosos Maori. Este foi um dos meus grandes ganhos. O contato com o inglês e a necessidade de conversar com amigos poetas dessa mesma cidade me levaram a escrever um livro de poesias nessa língua que me adotou: Driving with Neruda to the Fish ‘n Chips, um livro, como o título indica, que procura um diálogo entre identidades e mitologias que continuam a fazer parte da minha estação antípoda.

Tenho a grande sorte de viver entre os livros e, claro, de conciliar as duas paixões que me definiram: a escrita e a docência. Elas têm suas convergências e divergências, é claro; a escrita não se preocupa, embora seja interrompida, pelo esmagador trabalho administrativo típico do meio académico. Ensinar me permitiu ganhar a vida e pagar metade de minhas dívidas e, ao mesmo tempo, me deu a disciplina que a pesquisa exige. Não é incomum, por exemplo, que às vezes me perca em pesquisas acadêmicas quando estou interessado em escrever um poema; aliás, gostei imensamente de ler vários textos sobre a história colonial enquanto escrevia um poema sobre o ruibarbo nas cortes europeias e outro sobre a jaca no Rio de Janeiro. No final, senti que o ganho foi duplo; talvez seja uma forma de definir o que foi durante quase toda a minha vida esse ofício bífido.

A vida continuará antípoda por tempo ainda indefinido; espera-se também que a escrita e o exercício acadêmico continuem contando a história que começou em um povoado maia de Honduras.

LEONEL ALVARADO / Trecho da entrevista “De Honduras a Nueva Zelanda: el viaje interminable del escritor y académico Leonel Alvarado” (The NZ Hispanic Press, julho 21 2020), realizada pelo escritor mexicano Rogelio Guedea.


LUGAR, ESSE ANIMAL

Por todos os lados existe essa coisa chamada lugar,
o animal, já dizia Boccanera, o maior

da Terra. Sua existência é um transbordamento
de centros e margens. São muitos nomes:

chama-se cidade, rochedo, montanha, sarjeta;
lhe nascem árvores, pessoas, trens, cavalos

e coisas que estão no seu lugar ou fora do lugar.
Apenas o lugar não está fora do lugar. Atravessa-se

dez mil quilômetros para encontrar o lugar.
Mastiga-se outro idioma para caber no lugar.

Improvisa-se a vida, aluga-se um pedaço de lugar,
criam-se filhos que já são de outro lugar.

Pode-se sair deste ou daquele lugar, sentir saudades de
uma esquina, uma árvore, um certo pôr do sol.

O único lugar seguro, aquele de onde nunca se sai,
está abaixo, no lugar mais profundo do lugar,

ali onde a terra nos abre o lugar definitivo.


PLANTA REAL

Nas cortes europeias e na cozinha da minha avó
fervia o milagre do ruibarbo. Pela Rota da Seda

chegou à Europa no século XIV e era mais caro que o açafrão
e a canela; laxante ideal para a dieta carnívora dos comensais

de Eduardo III. Em 15 de fevereiro de 1493, perto das Ilhas Canárias,
Colombo assinou a Carta aos Reis Católicos, na qual diz que,

embora não tenha encontrado homens com rabo, acredita ter encontrado ruibarbo,
canela e muitas outras maravilhas. Assim começou a história do ruibarbo

em solo americano e dessa carta passou para a receita da minha avó.
Aos montes entrava na sua cozinha sem necessidade de navios

nem de relatórios reais; outros eram seus comensais, outras eram as dietas
mas o efeito foi o mesmo. Tanta corte, tanto comércio, tanta história

de fábulas e horrores para que através dos séculos os estômagos
membros da realeza e plebeus pudessem aliviar suas aflições digestivas.


MANIHOT ESCULENTA, DA FAMÍLIA EUPHORBIACEA

Abrimos a terra e a raiz, surpreendida em sucos
e amores, não sabia que vínhamos arrancá-la.

Dias de mandioca no terreiro; aquela planta que,
descobrimos mais tarde, parece a de maconha.

Metíamos as lâminas na terra e a raiz não teve tempo
para se recuperar da surpresa. Nos encarou, imaginando

quem veio interromper seus desejos arteriais,
seu alvoroço de sucos que endureciam talos e faziam tremer

folhas inocentemente no ar. Colocávamos as mãos
na terra porque isso deve ser feito com as próprias mãos,

com os dedos metidos onde o solo transformava
seus sonhos úmidos em tubérculos que levamos conosco

à mesa. Em pratos acabavam esses sucos, em panelas
que eram a mortalha dos possuídos pelo desejo.

E era humilde a terra. Não havia pretensões
nessas raízes. Ninguém se escandalizava naqueles dias

de ir ao pátio, meter as lâminas e as mãos no chão
e sentir, ao se desprender, o tremor da mandioca.

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