3 Poemas de Manuel Iris (México, 1983)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

A poesia é uma forma de resistência não apenas intelectual, mas também espiritual, e é necessária em todos os lugares. Estou falando sério: acredito que a poesia é necessária para criar espaços de lentidão e silêncio interior, em um tempo de ruído e comunicação que, tão rapidamente, se perde em sua própria velocidade. Esses tempos, e todos os tempos, são tempos de poesia.

Visitei países que passaram por regimes políticos terríveis, e neles a poesia nunca deixou de ser feita ou necessária. Já estive em países que não tiveram esses problemas, que sempre foram ricos, e lá também há poetas e assim continuará. Os tempos da poesia são os do homem, porque a poesia não é apenas um ato de linguagem, mas é – muito mais importante – uma exploração da natureza humana e sua relação com o universo e com a transcendência, por meio da linguagem. O poema usa a palavra para ir além da palavra, da mesma forma que a dança usa o corpo para dizer algo além do corpo: trata-se de usar o meio para ultrapassá-lo, transbordá-lo. O mesmo acontece com a história e com o tempo, quando entram no poema: saem de si.

É hora de poesia.

MANUEL IRIS // Entrevista concedida à revista Marcapiel, 2016.


VARIAÇÕES CONTRA A NÉVOA

Para a minha avó.

I.

Estou te olhando, esquecimento.
Estou te olhando deixá-la em paz.
Estou te olhando rodeá-la
de pessoas amorosas
que não posso recordar
e que a chamam de mãe, avó,
coração.

Estou te olhando
Convertê-la em ilha.

II.

O mar não te detém, esquecimento.

O amor não te freia,
os lugares cotidianos,
os nomes de teus filhos.

Não te freia o poema.

A alma não te detém.

III.

Senta-se no terraço e olha o céu. Finge
que trata de recordar.

Tomo sua mão e lhe indago

Sabes que sou, Amor?

E me responde

Não, mas te quero muito.

E isto me basta.

É suficiente.


ACORDES

Ninguém habita uma cidade
mas sim alguns lugares,
o aroma de certos temperos.

Ninguém habita o amor
mas sim o perfil de um rosto
sob a luz das cinco da tarde.

Ninguém habita a vida
mas sim certos instantes
cujo significado não necessita explicação.

Ninguém habita a morte
mas sim um extenso mistério, perfeito
como a música.


ELEGIA E BOAS VINDAS AO MEU PAI, A CUJO ENTERRO EU NÃO PUDE IR

Sempre tive medo de escrever

Hoje acordei, pai
em um mundo onde não existes mais

porém a morte por vezes
é o consolo dos imigrantes:

hoje superamos o telefone
e os aeroportos.

Hoje entras em minha casa.

Talvez por isso
eu tenha medo de voltar,
de ver a tarde
sem que ali estejas.

Não quero ver teu túmulo.

Não quero que tenhas
um túmulo

porém irei,
vou vê-lo e depois
seguir falando
contigo.

(Agora que escrevo
sou novamente a criança
que ergue a mão
procurando a tua.)

Pai,
esta manhã
não despertaste
e eu não digo adeus:

hoje entras em minha casa.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!