4 Poemas de Manuel Illanes (Chile, 1979)

| | ,

Curadoria E Tradução De Floriano Martins

Mestre em Letras Mexicanas pela UNAM. Publicou alguns livros de poesia, tais como Tarot de la carretera (2009), Crónica de Tollan (2012; 2013), Memorias del inframundo (2016), Paraíso inc. (2018) e Diario de la peste (2019).


TEONANACATL

Se o céu resplandece,
uma porta se abre.

Se o céu acumula
                                  trevas,
uma porta sorri:

fora de Tlanixco,
entre pinheiros
e barrancos
que retêm
a espuma
das nuvens
é trançado
                                o arco-íris,

lentamente,

como
um chapéu
de palmas
nas mãos
de um artesão.

Uma pequena
peça
de mesa,
milho,
cães
de rua,
guardam
o altar
de Alice.

“150 a peça,
300 a placa”.
É quanto custa
saciar
a fome
de Deus
a um sonâmbulo.

Uma porta
se abre,
sorri.

O sol
me trouxe
para longe
do ferro-velho,
da fumaça
espessa
de pneus
queimados.

Eis aqui,
hóspede
no país
dos comedores de lótus:

o corpo
vibra
ao compasso
dos teponaztlis
invisíveis.

Um cavalo
desce
através do milharal
frondoso,
ovelhas
balem
no centro
de meu cérebro.

Frases,
palavras
derretidas.
Sou e não sou
uma canoa
que arrasta
a corrente
rio abaixo,
com a felicidade
de ir
em direção a
parte alguma,

de jazer
no coração
trêmulo
do incêndio,

de nada
saber,

habitar
o mau tempo

e segurar
com ambas
mãos
a conjectura
do relâmpago.


AREIAS MOVEDIÇAS, 1

Habitar esta cidade é apalpar a tensão entre a História e o inconcluso, entre as pedras consagradas e os edifícios que estendem ao céu as suas hastes metálicas, entre o esplendor dos palácios novo-hispânicos e a precariedade das fábricas abandonadas e dos quartos feitos com plásticos e tapetes nos recantos mais escuros, entre a violência simbólica exibida na exposição de Otto Dix e seu espelho, a violência real e monstruosa dos desmembrados, dos encerrados, dos cadáveres que flutuam nas águas negras como vasilhames de refrigerante vazios, inchados, as impressões digitais desbotadas, os olhos fechados para sempre. Habitar esta cidade é viver nas fronteiras do sentido apenas para cruzá-las e retornar a um território no qual somos estranhos.


AREIAS MOVEDIÇAS, 48

As crianças pulam e gritam do lado de fora da minha janela. Eu as escuto jogando o pião no chão, correndo escada acima enquanto perseguem um ao outro implacavelmente, batendo ritmicamente na parede da Unidade com uma bola chutada inúmeras vezes, apenas pelo divertimento de fazer aquela parede ressoar. Cai uma garoa leve, o cimento fica molhado e o frio aumenta, mas sua felicidade continua completa. Estou recostado, tentando dormir, coberto com vários cobertores após um dia de álcool, e me surpreendo com sua energia, sua ânsia de se expor à noite. Como se com suas brincadeiras, com seus gritos de pegas famintas reinventassem um futuro que parecia perdido, o futuro desta Unidade que subsiste à margem dos grandes jardins e palácios da agitada cidade, o futuro de um país que sobrevive apesar de toda a violência e dos túmulos cheios de mortos.


AREIAS MOVEDIÇAS, 51

Uma pequena parábola. Astillas de Nadie visita a pirâmide de Tenayuca depois de cruzar toda Temixtitán. Tláhuac-Estado do México, três horas: caminhada-caminhão-motéis-estacionamentos-farmácia-bairros-mais bairros-vendedores ambulantes-putas-botecos-metrôs-medidor de glicemia-injeção-torta suíça-ingresso. Sem fantasmas por perto. Céu claro, o dorso da pirâmide oferecendo um lençol de sombra. Astillas de Nadie jaz na grama. Pensa – pensa – na ruína que existe. Em seu corpo – a doença progride. Na cabeça sobre a calçada. Na permanência da pirâmide, que sobreviveu à catástrofe da conquista. Em… Não, não pensa. Divaga. Ervas daninhas nos degraus. O coatepantli. Um jacarandá cheio de pegas – como se fosse uma cena de Os pássaros de Hitchcock. As colinas circundantes são invadidas por casas mal construídas, que parecem prestes a desabar. O céu claro (você já disse isso?). A lua pendida da vastidão. Sim, divaga. Permanece cercado pela angústia, mas pelo menos tenta enfrentá-la. Deitado na grama, flutuando acima do tempo, aguardando a descida do Arcanjo.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!