Curadoria e tradução de Floriano Martins
Matheus Kar (Cidade da Guatemala, 1994). Psicólogo clínico pela Universidade de San Carlos da Guatemala. Dissertação de mestrado em Filosofia pela Universidade Rafael Landívar. Fundador e único membro do Bartleby Collective. Criador de La Poeteca: oficina de escrita para sensibilidades criativas. Publicou as coletâneas de poemas Asubhã (Premio Manuel José Arce; Editorial Universitaria, 2016) y Alturas de Wall Street (Premio Ipso Facto; Editorial Equizzero, El Salvador, 2018; Tujaal Ediciones, 2019), bem como as plaquettes Felina sombra de la infancia (Malpaso Ediciones, Honduras, 2020), El año en que mantuvimos la distancia y encerrados nos leímos las manos (Incendio Plaquettes, 2021), Ayer perdí mi sombra (Editorial la Chifurnia, El Salvador, 2022) y Biografía sin sujeto (Vocalibus, México, 2022). Editor de revistas especializadas na divulgação de literatura contemporânea (U poética, 2018; Modelo 90, 2019; Poesía sancarlista, 2019; Diálogos & Textos: escritoras guatemaltecas contemporáneas, 2021; Ars poética 1970, 2022) e membro organizador do Congresso Centro-americano de Literatura da Universidade de San Carlos. Participou de festivais literários e publicações na América e na Europa. O seu trabalho está divulgado em antologias, revistas, blogs e artigos de reflexão académica e cultural.
PROCURA-SE
Ontem perdi minha sombra.
Eu, que a levava a passear
e a cobria quando a luz machucava seus olhos,
a perdi.
Mas a sombra de todos os homens é igual.
Talvez eu não a tenha perdido,
talvez tenha sido roubada de mim.
Mas como saber?
Como posso saber se a sombra que tenho
é a que eles nos deram?
Como sabes se a silhueta nítida,
De todos os que existem, é a correta?
Talvez tenhamos a sombra de outro
e outro tenha a nossa,
e nunca saberemos.
Talvez eu seja a sombra da minha sombra
ou a sombra de outro homem.
Talvez eu também esteja perdido
e talvez ninguém esteja me procurando.
TANGLED UP IN BLUE
Para quem está sozinho,
ninguém o descerá da cruz,
ninguém eclipsará seus olhos com moedas.
Para quem está sozinho,
não existem mapas ou rotas que o tirem do esquecimento
nem lençóis que escondam sua condição de espectro.
Para quem está sozinho,
existem tédios menores:
o silêncio, os murmúrios do escritório,
assinar contratos sem ler as letras miúdas
ou uma cidade sem pontes onde por fim ao frio.
Para quem está sozinho (separado pelo espaço
entre um minuto e outro, o chicote
da memória, memória da cama,
a inércia de cobrir os espaços quebrados),
a vida passa como um desfile em ruínas
onde as rachaduras ao longo do tempo
excedem o tamanho dos detritos.
UNTIL YOU WERE GONE
Nada mais triste
que uma mulher
em um avião voando para a Europa.
Domingo, o domingo terrível.
Ela em um avião, no alto.
Deixo a caixa de preservativos em pedacinhos.
Um passageiro surdo altera minha consciência,
algo interno e doloroso me chama pelo nome.
O suicídio resplandece na altura, como uma virgem.
Como uma corda. Inacessível.
Eu não entendo mais nada.
Amanhã é segunda:
ela na Europa,
e o futuro pendurando uma corda no ponteiro maior.