4 Poemas de Manuel Tzoc (Guatemala, 1982)

| | ,


Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Manuel Gabriel Tzoc Bucup (1982, San Andrés Xecul, Totonicapán/Cidade da Guatemala) é um poeta e artista visual maia k’iche’. Meu trabalho consiste em tentar metaforizar realidades sociais a partir da interseccionalidade identitária por meio da linguagem poética e das artes visuais. Os tópicos constantes em minha proposta são: gênero, identidade, corpo, origem, memória, poética, linguagem, imagem, objeto, dissidência sexual e todas as possíveis hibridações. Autodidata por meio de oficinas, cursos e leituras de arte e literatura contemporânea. Tenho publicados os títulos de poesia “Esco-p(o)etas para uma morte em ver(sos) b-a…l…a” (Folio 114, Guatemala, 2006), “De Textos Insanos” (Santa Muerte Cartonera, México, 2009), “GAY(0)” (Milena- Caserola, Argentina, 2010), “O Ébrio Mar e Eu” (s.o.p.a., Guatemala, 2011), o trabalho poético/teatral em conjunto com Cecilia Porras “O Jardim dos Infantes Loucos e o Capacete de Ouro” (Catafixia editorial, Guatemala, 2013), e os livros-objeto “Pólen” (edição do autor, Guatemala, 2014) e “Corpo de Menino Triste” (edição do autor, Guatemala, 2015), o livro intitulado “Fuga Constante: Crime de um Coração que não Recordo e/ou Pronunciamentos da Fala Tartamuda” (Catafixia Editorial, Guatemala, 2016). O Poema-instalação “Atômica” sob a bolsa da Fundação Yaxs, Cidade da Guatemala, 2017. O artefato poético “Wuj: Palavras que nos integram ao abismo ou rapaz esperando na fonte urinária ou poemas de dicionário ou homem que se veste de mulher na escuridão ou…” (Edição do autor, Guatemala, 2019). A palavra-objeto “Pequena Voz” (edição limitada do autor, Guatemala, 2023). Co-editor do fanzine Macha e da Edições La Maleta Ilegal. Membro do coletivo de dissidência sexual Cuirpoétikas na Guatemala. Tenho textos publicados em revistas e antologias literárias em toda a América Latina, em espanhol, também traduzidos para o inglês, tsotsil, francês e k’iche’. Fui convidado para diversos festivais de poesia nacionais e internacionais e também apresentei meu trabalho visual em várias exposições de arte, como “Se Alquila” no Centro Cultural da Espanha na Guatemala (Cidade da Guatemala, 2014), Western Carolina University’s Fine Art Museum (EUA, 2015), Rarities (França, 2016) e Fundação Luciano Benetton Art Collection (Itália, 2016), Hemispheric Institute of Performance and Politic da Universidade de Nova Iorque em Santiago do Chile (2016), na Universidade Estatal de Northridge, CSUN (Center for the study of the peoples of the americas) em Los Angeles, Califórnia (EUA, abril de 2019), na Universidade de Pitzer College em conjunto com o Centro de Recursos Queer’s Gaypril, Los Angeles, Califórnia (EUA, abril de 2019), apresentação virtual do meu trabalho poético e visual na Universidade de College Colby, Mayflower Hill, em Waterville, Maine, EUA, março de 2021. Apresentação do meu trabalho poético e visual nas XV Jornadas Andinas de Literatura Latino-americana (JALLA) na Universidade Rafael Landivar, Cidade da Guatemala, julho de 2022. Apresentação do meu trabalho poético e visual na Universidade de Buenos Aires (UBA), Faculdade de Filosofia e Letras, Argentina, 2022. E recentemente, parte do XVI Festival de Poesia em Abril, organizado pela Universidade DePaul, em Chicago, Illinois, EUA, 2023.


[UM PEQUENO E PÁLIDO]

Um pequeno e pálido
poema sou
que nunca disse nada –
e que quer se apagar
chorando


PEQUENA MORTE

É melhor adormecer quando chove
não se saber por um bom tempo
melhor ainda: se saber onírico
deixar o ressoar da água
penetrar pelos poros…

Então
segue-se as sombras
os gestos e movimentos
minhas palavras que digo
sem ser eu quem as diz
sem ser eu quem as atua

De repente, está-se lá
em um plano para matar alguém
no ponto central de si mesmo
se perguntando se é um o que agora
pergunta se é dois
ou se é outro que não sabe que é outro

Em um pequeno sonho
que brinca de ser minha pequena morte
lançarei um choro
como uma tempestade lança
um vento fragmentado abrirá suas portas para mim
e um silêncio virá me amar

II

O sol a estas horas da tarde é um grande comprimido de fogo para a boca do mar. Ele engole e efervesce. Acalma a ansiedade de suas ondas.


[EU ME APAIXONEI POR UM POETA]

Eu me apaixonei por um poeta
por um menino poeta
tinha a atitude de uma criança terrível
me apaixonei como se apaixona pelo silêncio
e pela escuridão (medos que não superei)
como se apaixona por certas canções tristes
que te aproximam da morte
belo verme rosa
devorando uma maçã verde

Eu me apaixonei por um poeta estrangeiro
chapéu alto e botas de mineiro
é um caçador de livros limitados
é um cara estranho e super bonito
fala muitas línguas
idiomas estranhos
diz palavras em latim
e espuma pela boca
um homem possuído por imagens negativas
me apaixonei por este poeta
que às vezes veste tudo de prateado
às vezes de dourado
senta-se em lugares de acidentes por acontecer
e sussurra no meu ouvido:
“você é seco e vazio / vazio e seco”
é por isso que te amo
e eu também te amo, digo ao poeta

Eu me apaixonei por um poeta
cheio de tatuagens
que voa suspenso
de ganchos presos em suas costas
como carne de porco em um matadouro
lê seus poemas sadomasoquistas
enquanto balança suspenso
com a dor de seus sonhos pesados e extremos
eu me apaixonei por um poeta modificado corporalmente
de homem para animal
de animal para homem
meu poeta animal

Eu me apaixonei por um poeta
que se vende por sexo
em uma esquina de supermercado
o mais barato da cidade
me apaixonei por ele
porque ele me disse:
“estou prestes a nascer / mas também estou prestes a morrer
não tenho nem para me fartar e preciso de um gole
sou um poeta fracassado
o único que tenho são esses poemas
para que você os publique e depois queime
estes poemas são para você”, ele me disse
e a noite era pálida e eu decidi deixá-lo
e seguir meu próprio caminho

Eu me apaixonei por um poeta
que não sabe que é poeta
que nunca publicou
porque não acredita nisso
ele tem muitos livros
mas não tem NADA
meu poeta não tem nome / idade / endereço / origem
nem passaporte para lugar nenhum
mas tem uma bolsa cheia de palavras
que recortamos de revistas de moda
jornais sensacionalistas / notícias trágicas / fofocas / e relatos eróticos
e colamos em um caderno mental
que amamos demais

Eu me apaixonei por um poeta
que lê seus poemas em k’iche’
com o entusiasmo de verdades absolutas
e silêncios prolongados
imagens convincentes e muita solidão em seus olhos
“o rapaz dos olhos tristes”, diria Jeannette

Eu me apaixonei por uns poetas malditos
alguns usam fraque e gravata de seda rosa
com lábios pálidos
meus poetas de terno e capacete espacial
alguns usam trajes indígenas e escafandras
blusas de San Andrés Xecul
saias de Quetzaltenango
tecidos de Totonicapán
e blusas de Quiché
e outros casacos de couro preto e animal print
meus poetas espaciais
realizam cerimônias maias
nas crateras da lua
rezam por nós – a humanidade triste e
autodestrutiva –
aos deuses maias
recitam versos do Popol Wuj no megafone
e depois retornam montados
em seu balão
em sua cápsula de pelúcia rosa
em seu zeppelin de baunilha
em sua nave 01010110
de volta à terra
para chorar por todos nós


[A GUERRA DOS LÁPIS]

a guerra dos lápis começou sobre as nações violentas os homocyborgs escrevem sobre a memória dos corpos desaparecidos um porco com máscara de poesia veio me assustar me acordar ele disse: vamos! levante-se marica que a guerra dos lápis de cera está chegando para nós

mas sim mas não
mas não mas sim
mas sim sim sim
mas não não não

vamos nos suicidar surfando nas ondas de outubro de uma Guatemala inconclusa e fraturada da eterna deterioração

vamos fugir com uma mala ilegal cheia de livros vazios e itens pessoais: xampu, sabonete, toalha, creme corporal, gel para cabelo, desodorante, creme de barbear, barbeadores, escova e pasta de dente, enxaguante bucal, pentes, espelhos, papel higiênico e um perfume barato, além disso, óculos fotocromáticos, um controle remoto, um laptop da marca Apple, pen drives de 3.600 GB, latas de refrigerante Pepsi-Cola, um estéreo de última geração com baterias recarregáveis, lanternas de luz de LED, um urso de pelúcia que diz “eu te amo” quando apertado na barriga, pranchas de surfe, iates de brinquedo, flores de plástico, cadeiras de plástico, mesas de plástico, tudo de plástico, pensamentos de plástico, corpos de plástico, biquínis tricolores, binóculos, lentes de aumento nos olhos, óculos de sol, é claro, uma tenda de acampamento, pulseiras de GPS conectadas ao coração dos outros, o que mais você precisa, bicha … protetor solar contra raios UV, um super celular com tela sensível ao toque, com saldo e internet ilimitados e uma câmera fotográfica de 25.000 megapixels, muitas antenas e um vaso sanitário dourado onde eu possa ver-me defecando e um pouco de vento furioso engarrafado em uma garrafa de licor para celebrar o fracasso da rebelião de ser artista contemporâneo neste território devastado, violentado, no entanto, continuaremos, é claro, bicha, continuaremos

escrevendo
                 desenhando
                                 filmando
                                                 sonhando ideias difusas de um país com código postal
                                                 -0101-

sim bicha
vamos fugir para onde sempre haja wi-fi

 

 

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!