3 Poemas de Roberto Amézquita (México, 1985)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Roberto Amézquita (Cidade do México, 1985). Poeta, tradutor e editor especializado em poesia. É editor associado do Círculo de Poesía. Revista Eletrônica de Literatura e suas três editoras: Visor Libros México, Valparaíso México e Círculo de Poesía Ediciones. Como poeta, seus livros mais recentes são Ante un cadáver (Llamarada Verde, Bolívia, 2022) e Yámbicos de escarnio y maldecir (El Suri Porfiado, Argentina, 2016). Como tradutor, por dois anos consecutivos recebeu o reconhecimento do Instituto Camões de Portugal na sua Linha de Apoio à Tradução e Edição, cuja mais recente publicação é o livro Llave para la puerta del viento (Círculo de Poesía, 2022) do poeta angolano Abreu Paxe. Suas traduções do alemão, português, francês, inglês, holandês, entre outros, podem ser lidas em https://circulodepoesia.com/tag/roberto-amezquita/ onde também coordena e traduz o Dossier Paul Celan.


BERÇÁRIO

O necrotério é o lugar para te reconhecer
para não saber mais nada de ti,
ver pela primeira vez a última coisa que encarnas
a íris nos olhos, a respiração
entre a fumaça da fumaça que é a célula do corpo liberada.
O necrotério é o seu lugar, suas gavetas
desorbitadas com a carne-cartão e o fiapo
de veias e o cabelo, o árido animal magro,
a prancha do frio sem sensações, a fervura
sempre aberta a perguntas,
o vidro incontestável, os olhos, sem reflexo ou respiração ou mesmo opacidade.

O mundo não é esse aroma-formol, nem mesmo o perfume puro
do habitual descarnado,
o manto de poeira disperso de significado, a asfixia
é o necrotério
o necrotério é a asfixia da asfixia da asfixia e não é,
desconhecimento, pedras,
não é a morte,
é a vida.


UMA PILHA DE PEDRAS

Eis uma pilha de pedras o que foi
meu pai o rim ainda quente uma rede de veias
a carne simples fustigada unhas e olhos
uma cauda noturna de ossos fétidos a pura mentira
destes sacos e costelas deste trapo fibroso
sem o ar das ervas.

Eis a pele teimosa o concreto do crânio
que teve sua alma arrancada pelo rosto
e já do lúpulo secreto vazias as palavras

uma pilha de pedras.


LACRIMOSA

Lacrimosa dies illa,
Qua resurget ex favilla.

Lamentável é o dia e bem antes dele lamentável
A virtude presa em não poder apodrecer a virtude
A alma desprovida porém de cânfora e pedra já a alma
Menos que nada a aurora de outros sentidos o nada fervente
Ao pé da escada o altar dos exangues o barulho vazio
Dos fios que tecem o músculo ao hospital que não alcançamos
O Dia da Ira e o brilho das trombetas no ar
Esta música estridente do vazio a tudo preenche esta impiedade
Lamentável se enche de ruídos em ponto ácido e oblíquo em canto
Horizontal e vertical de insetos mortos e zumbindo
Lamentável a noite e depois da noite lamentável
Todo o oposto e cada oferenda lamentável dragada
Mutilação aviltamento mil vezes lamento e mil outras
Piedade alguma se fizesse falta cadáver o sol entre os dias
Cadáver o suplício de passar do tempo ao tempo agônico sem voz
Com essas vozes lembrança cega cortada ágil
Substância pestilenta é existir o lamentável necrotério

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