Curadoria e tradução de Floriano Martins
Stella Sierra. Nasceu na cidade de Aguadulce, Panamá, em 5 de julho de 1917. Concluiu os estudos secundários na Escola Internacional María Inmaculada e os estudos superiores na Universidade do Panamá, onde obteve o título de Professora de Espanhol em 1954. Em 1942 ganhou o primeiro prêmio do primeiro Concurso Ricardo Miró com sua obra Sinfonía jubilosa en doce sonetos. Publicou Canciones de mar y luna (1944), Sinfonía jubilosa en doce sonetos (1944), Libre y cautiva (1947), Cinco poemas. Na década de 1980 publicou sua obra reunida sob o título Stella Sierra: Poesía y prosa. É autora do belo livro autobiográfico Aguadulce (Claroscuro de la infancia), onde mergulha na figura da avó, na sua infância e em outras memórias da época. Recebeu grandes homenagens de poetas espanhóis. Stella Sierra morreu na Cidade do Panamá em 1997.
POEMA DO MAR EM TRÊS MOVIMENTOS
I
Plenitude de teu nome, mar. Teu ritmo,
ir e vir, chegar, saltar o topo
de teu próprio elemento:
retirar com força as folhas da flor de sal e vértice de espuma
de teu riso de fósforo:
te sacudir
como uma crina imensa, brava, rota,
curvar-te em equilíbrio de serpente:
tragar-te o céu em tua plumagem de água!
Teu ritmo, mar, teu ritmo cardíaco:
golpe, dor, isso transformou teu sexo
em um abismo insondável.
Preamar, preamar! Corre a linha límpida em sua mórbida
cavidade de horizonte:
brinca com febre até o sinal de altura,
vertical em seu encontro: desponta no trapézio da sua longevidade,
rosa de esponja.
Horizontalmente se encontra no emaranhado flexível de suas vértebras
e voa, salta, corre – livre e ágil –,
para chegar à beira da praia.
Lambe tua língua, ponta do sentido,
a rocha caracol
Delgada rompe
a teia de aranha da areia fixa.
Raiz de iodo e sal, polvo de histeria vermelha,
o sexo se desbarata.
Açoite do Naufrágio!
A onda se ergue em um arco duro e oco;
esbarra o aço
de sua espuma na bigorna;
assobia cortada
por sua matriz elétrica.
Ruge na altura,
explode seu pulmão com sangue amargo,
flor enferma e quente.
Joga-se ao nascimento de seu fulgor relâmpago:
Abre novamente o ângulo do trovão
e se estende nua e cristalina.
Vazante, vazante! Treme a onda
de movimento em círculo.
O vento grita, emaranhado dentro do caracol.
O polvo abre os braços e a rosa coral
e, ofegante a estrela, quebra o cristal – de sol, de sal e de lua –
para enlaçar com o céu o teu seio.
Teu ritmo, mar, teu ritmo cardíaco:
golpe, dor, que converteu teu sexo em um abismo insondável!
II
Dançam, dançam e dançam
as estrelas do mar, brancas, cinzentas e lilases na noite sem ecos.
Dançam embriagadas de sal, duras de iodo e de sol, os seios tensos de uma
concha dividida em cinco.
Dança a estrela-do-mar com a flor dos ventos. Dança na ponta breve
de seus espinhos doloridos.
No mundo dos peixes o sol salta para uma visita com suas joias de ouro:
em volta tudo está cantando!
A grande lua está pendurada na árvore de coral.
Canta a onda tonta com seu coro de vozes
e na flauta do vento ri o caracol.
A estrela-do-mar, a estrela-do-mar!
Dança nua e ágil, dança casta e leve com seu traje de cálcio
e seus dedos de luz. A estrela-do-mar!
………
Para que naufragasse meu canto de esperança
– Onde acendeste, mar, teu ardor de névoa? –:
para que a minha amargura morresse ao retorno
de teu ruído mágico,
olhei para a tua carne cinzenta – cinza de alma e angústia – e para a tua espuma de nuvem.
A âncora do mar! Os braços erguidos em cruz!
E me ergueste todos os pensamentos sombrios da tempestade durante a noite,
ao teu brilho sem sombras.
Para a tua cara de abismo…!
De frente, sim, de frente
para manter a tua imagem eterna na pupila.
Que se fechem as pálpebras com o peso do sono!
Na pétala verde da tua flor que se rompe
na hora do pranto
as hastes dos longos caminhos se abrirão.
Sonhei com a tua solidão desperta pela madrugada indecisa e fugaz.
A tua solidão de folha
plana: circunferência do azul em tua alma!
Semicírculo aberto por teus dedos de cristal
em uma única rota!
Tua solidão de pássaros. Onde estão o bico da estrela e a voz do infinito?
Tua solidão nua e ardente pelo meu corpo!
Solidão nua!
Com que propósito à distância vai a vela com o teu fulgor relâmpago?
Por que o vento quebra a tua voz rouca?
Por que o peixe deveria bater contra a rocha, azeda pelo sal e pelo sol?
Retiro o insondável de tuas entranhas divididas, mar imenso. A abertura
ferida de tua carne.
Para a tua alma tão só e para todo meu corpo, a comunhão da alegria.
E meus braços estendidos cavalgando ignorados em tua rosa dourada:
Tu e eu na solidão!
III
Se o teu soluço, mar,
esvaziasse até mesmo a tua alma no infinito canto da estrela.
Se a tua voz, oca e profunda,
de trovão ao longe, punhal virgem
que ameaça a noite,
despertasses a luz.
Se tu, longe e perto – corpo, prisão –
de nuvem e espuma,
rompesses o mistério.
Mas não. Que todos os teus passos já estão contados
um por um na sombra
de tuas estradas lúgubres.
Coração, coração do mar,
tão magoado de alegria!
Com a tua tristeza aberta para o gozo
da onda e do céu!
Rios, mortes, dor,
sombras nuas
cavalgando à vontade por teu sangue!
O pião de coral, a caveira
com sua risada vazia
dançando por teu ser, eterno ser.
Tu, mar,
com soldados da lua que apodrecem
nos acenos do tempo!
E quilhas de vidro entrelaçadas
para a árvore verde!
Tu e a concha partida no martírio
de teus filhos redondos!
Tu, mar, com os cem sexos
da mulher e do homem
apodrecidos em seu desejo de tênue paz!
Mar sem fim. Sozinho.
Paz e fumaça
de coração adentro e da rosa.
Comunhão de meu ser e de sua imagem profunda:
de minha alma e de seu corpo.
Tu e eu, mar,
nesta paz rosada e sem sentido!
Mar pleno. Puro mar.
ALEGRIA, ALEGRIA
Meu coração sente alegria
estranha, a flor de pele, vidro de essência;
mesmo que eu não despisse sua presença
a sua nudez integral me cegaria.
É esta milagrosa sinfonia
de meu riso e minha dança, adolescência
em meu sereno curso de inocência,
pião de luz e pétala de um dia.
Inquietude de sonhar, canção precoce,
rosa de céu e de ilusão, sino
que em minha cela interior o amor invoca!
É tanta alegria em meu coração
que se tento convertê-la em pranto
o riso saltará pela minha boca.
AMOR
Voo gracioso de leves rouxinóis,
campanha núbil de vidro lapidado;
o devaneio do sonho de meu Amado
é o amor intocado de meus amores…
Roseiral de amor com flores vermelhas
em uma insônia repousante;
e quanto mais amor, mais desvelado
abrirá o coração às fontes.
Nua, amor, com alegria me entrego…
Um êxtase divino de sossego
me banhará de luz e orvalho…!
Minha linda flauta de marfim e ouro,
em um prelúdio do mais casto choro
me diz, amor, amor, que já és meu!