3 Poemas Paula Simonetti (Uruguai, 1989)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Paula Simonetti (Uruguai, 1989). Licenciada em Letras, Mestre em Sociologia da Cultura e Doutora em Sociologia. Publicou En la boca de los tristes (Editorial Lo que vendrá, Montevideo, 2014), El conocimiento y la ignorancia (La Coqueta, 2018; Elandamio Ediciones, 2021) com o qual obteve o Terceiro Prêmio Nacional de Poesia, Ministério de Educação e Cultura (Uruguai, 2017). Recebeu menções honrosas em vários concursos (House of Writers; Onetti Awards). Sua poesia foi traduzida e publicada em revistas como Spoke (Estados Unidos), From the Fishouse (Estados Unidos), Modern Poetry in Translation (Inglaterra), Círculo de Poesía (México), Luna Nueva (Colômbia), entre outras.


NÃO VOU FALAR

vou falar de outra coisa
nunca é isso
não vou te dizer
basta
vou desenhar este sutil
paraíso de papel
sem contar os piolhos nem os sonhos
o olhar que se abre para uma infância breve
das redes vou falar
dos rosários
será que não rezas
que não te deitas em uma rede
ontem
amanhã
nunca
não vou retomar a conta
hematomas que se vão porém para dentro
para voltar a estourar no gesto dos filhos
de teus filhos e ad aeternum
depois me esquecerei quando estiver falando
a ninguém
de Picasso
isso
dói
não a tua mão firme como
a rigidez de um louco
viraste a cara e veio outro
de um golpe teu filho se fez homem
não vais me dizer que eles são meninos
vou falar de outra coisa
mesmo que me vire
para este alfabeto
que fala apenas de ti e de minha infância
nada mais
não diz basta
não foi feito para dizer basta
não vou falar do golpe e da marca
da forma em que a tua mão amassa o gesto
de teu filho como se fosse mosca de verão
vou falar da forma em que a tua mão
se ergue do interior do poema
e o desfaz


IGNORÂNCIA II

manhãs de sol de inverno
céu despejado radiante
ao mesmo tempo frio indiferente
aos abrigos e à tosse
de pessoas e animais deste lado gelado o fado
ou seja não apenas com coisas
mas sim com seu espaço seu clima e seu destino
(saberás que coisa é o clima em um poema
eu o ignoro
eu apenas lhe digo que estás diante de um poema
mesmo que bem possas duvidar
nesse caso serias um
professor universitário
ou então um crítico de jornal
embora esses sejam como as bruxas
ninguém os viu porém…
No caso de que duvides
ou saibas algo digno de se saber
eu o ignoraria
portanto
minha recomendação é que creias em mim)
disto se tratava, creio
o início de um entendimento
que irrompestes com tuas perguntas
e dado que és
um murmúrio impertinente
uma criança que começa
a crescer entre as linhas do poema
enquanto o poema tenta
expulsá-lo como um vírus
– e esse movimento é o poema –
desse conta que as pessoas tossem
com o único fim de libertar-se
de ti
agora percebo
embora o ignores
deves saber que a ignorância
é tudo o que uma mulher como eu tem
para se por de pé
em uma manhã de inverno
sob um céu frio indiferente


EM MONTEVIDÉU

temos um rio do qual dizemos
é um mar
é bom saber que temos o mar
porque o mar é uma sensação
e aquilo que se passa frente ao mar
dele obtém sua transparência
porque o mar é o melhor testemunho
testemunho do tempo
de nosso tempo
porque o mar é como uma mãe
que não nos espera mas que nos recebe
uma mãe na qual podemos entrar
uma e outra vez
mesmo que não possamos
nela permanecer

porque o mar é um lugar ambíguo

tão ambíguo
como uma mãe

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