Curadoria e tradução de Floriano Martins
Uma figura curiosa, a de Joaquín Pasos: rebelde em relação à vida, parece tomar isso como uma piada quando sofre intensamente com o problema de viver. Quase se poderia dizer que ele é dominado por uma ânsia de destruição. Nada de concreto chega a uma conclusão, nem mesmo a edição de seus poemas, que, no entanto, os deixa dispostos em várias seções, aquelas que Ernesto Cardenal respeita quando edita Poemas de un joven. Mas o título dessas seções, indicado pelo próprio poeta, denuncia sempre uma insatisfação, senão uma nota de ironia transparente: Poemas de um jovem que nunca viajou, Poemas de um jovem que nunca amou, Poemas de um jovem homem que não sabe inglês. Da negação insistente, o mistério indiano e os corais são salvos. O que precede significa descontentamento polêmico, afirmação do sonho e da fantasia no primeiro caso, no segundo descontentamento afetivo radical, junto com uma atração pela mulher que não encontra seu canal, os poemas do terceiro setor, apesar do título, estão todos em inglês.
Movido pela curiosidade e a fantasia, Joaquín Pasos foi uma espécie de viajante imóvel, pois nunca saiu de seu país. Sempre apaixonado, nunca teve um amor firme e duradouro. No entanto, as ilusões eram muitas, algumas excitantes, outras malsucedidas ou que o deixavam ainda mais inquieto. Os Poemas de um jovem que nunca viajou espaçados numa geografia que parece ressuscitar, de maneiras diferentes, entende-se, dessacralizando, a paixão por países distantes, típica de tantos hispano-americanos, uma curiosidade e uma saudade filtrada pela ironia e humor, mas também com notas interiores de tristeza. Será a Alemanha, será a Ásia, será aquela Noruega que nos apresenta, como num jogo, macio como o algodão / com a sua terra de bolacha / e as suas margens roídas pelo mar, uma visão que imediatamente leva ao surreal, imagens perturbadoras: Um bacalhau morto caiu de um camião / e foi cortado pela guilhotina do eléctrico (Noruega). Em outro poema, Cook Voyage, a representação gráfica alia-se à palavra poética, criando distâncias, do navio passamos a locomotiva lançada em uma corrida selvagem, que coincide com a de um amor impossível, em um tempo projetado rumo a uma geografia exótica, distante, e que simultaneamente bate nas veias:
O tempo está nas artérias e nos êmbolos das artérias locomotivas que marcham com seu trem em direção à … Ásia.
GIUSEPPE BELLINI
Joaquín Pasos começou a escrever tentando dizer algo diferente do que estava ouvindo. Pertenceu a uma geração muito martirizada pela palavra, uma geração raivosa, porque nem sequer teve precursores, e que se viu obrigada a romper com um incessante e doloroso cerco contra tudo o que é ambiental, capitalizado pelas letras então denominadas pátrias. Em outras palavras, ambos pertencíamos a uma geração que teve que criar sua própria mãe ao nascer. Não tínhamos Pátria ou Mátria. Não tínhamos leite para a fome e a sede terrível de uma infância infatigável. A loba romana, prescrita por Rubén, soube nos ajudar na primeira e mais eficaz solidão graças à educação clássica dos jesuítas. Mas eles nos deixaram no século 18. Foi lá, no final daquele século frio, que conheci Joaquín Pasos, encontrando caminhos para si. Acredito que desde aquele ano Joaquín abandonou sua biografia, criando um outro mundo que pudesse conter seus percursos. Ele não voltou a ocupar – com raras exceções – seu outro curso normal de vida.
PABLO ANTONIO CUADRA
OS ÍNDIOS VELHOS
Os homens velhos, muito velhos, estão sentados
ao lado de suas cabras, ao lado de seus animaizinhos mansos.
Os homens velhos estão sentados perto de um rio
que segue sempre bem devagar.
Diante deles, o ar detém seu caminho,
o vento passa, contemplando-os,
neles toca com cuidado
para não destruir seus corações de cinzas.
Os homens velhos levam seus pecados para o campo,
este é o seu único trabalho.
Eles os largam durante o dia, passam o dia esquecendo,
e à tarde eles saem a laçá-los
para dormir com eles se aquecendo.
POEMA IMENSO
Nessas tardes o teu perfil não tem uma linha precisa
porque não há limite em teu gesto para o início de teu sorriso
mas de repente está em tua boca e não sabes como vaza
E quando ele vai, não podes nunca dizer se ainda está lá
o mesmo que a tua palavra da qual nunca ouvimos a primeira sílaba
e nunca terminamos de ouvir o que dizias
porque estás tão perto nessa distância
que é inútil perguntar quando chegou a tua vinda
pois então nos parece que estiveste aqui a vida inteira
com essa voz eterna com esse olhar contínuo
com esse contorno marcante de sua bochecha
sem que a gente possa dizer aqui começa o ar e aqui a carne viva
mesmo desconhecendo onde foste verdade e não foste mentira
nem quando começaste a viver nessas linhas
por trás da luz dessas tardes perdidas
por trás desses versos aos quais estás tão unido
que neles o teu perfume não sabe onde começa ou termina
CONSTRUÇÃO DE TEU CORPO
Ainda estás nua, grande flor de sonho,
animal que agita as águas da alma,
emoção feita de pedra.
A tua realidade vazia pede ajuda na janela
grita a tua altura evasiva, desliza sua matéria,
o desejo de queimá-lo aumenta no fogo sedento.
Apenas as vozes baixam, as fitas impossíveis amarradas à memória,
duas ou três pétalas.
Um rio de água negra corre em meu sonho.
Meu esforço de tentáculo é desperdiçado na torre,
na torre lisa onde vive a tua mão
quebra as unhas dos meus gritos.
Até quando descerás em tua própria voz,
quando brotará a tua forma?
As ascensões ilimitadas e as águas profundas
eles construíram o teu nome,
eu ofereço meu sangue para completar o teu ser
para derramar-te por dentro,
meu amor esculpirá a tua carne talhando-a igual a ti,
as tuas belas costas serão realizadas,
os teus seios que não foram confiados a nada finalmente existirão,
os teus olhos previstos desde a eternidade.
Os pássaros chorarão comigo ao ouvir a tua voz pela primeira vez,
tua voz escolhida entre todas as vozes.
trazendo-te ao alcance da língua,
a água negra estremecerá ao ouvir o teu grito de Matéria!
A tua arquitetura tensa flutua em ares inesperados,
as tuas medidas lutam contra os abismos,
mas cada um de teus nervos será colocado,
provando a integridade de seus sons
para que o piano vitorioso toque a música do teu corpo em movimento.
A derrota do vazio virá encher minhas veias perfumadas
dar o primeiro vinho à sede do fogo.
O teu sofrimento de viver foi catalogado
entre as coisas mais bonitas do universo,
a maior homenagem de amor conhecida.
Um tremor ignorado invade a tua essência
porque a emoção de me encontrar ainda não conhece as palavras,
seus ouvidos inexistentes ainda não vão captar esses versos
porém sabes que eu espero por ti na ponte da minha carne
erguendo a teu alcance os meus braços em chamas
com todo o meu pequeno ser clamando por tua realidade,
implorando pela certeza de teu sonho.
Terás que ser ao final, pois conheço teu perfume secreto,
porque eu sei o teu nome que nunca foi pronunciado,
porque senti no ar o molde de teu corpo,
porque encontrei no espaço o lugar de tuas mãos
e com o tempo a hora de tua carícia.
Porque esse teu poema, de longe
tem sido ditado em silêncio,
porque meus braços se estendem para ti sem que o queira,
porque isso é demasiado para o sonho.
TORMENTA
Nosso vento furioso grita através de palmeiras gigantes
surdos rugidos descem do céu em chamas com línguas de leopardo
nosso vento furioso cai do alto
O golpe de seu corpo sacode as raízes das grandes árvores
saem do chão os escaravelhos
as cobras machos.
Nosso vento furioso segue seu caminho úmido
É o suco escuro da tarde que os touros selvagens bebem
É o campo da punição.
Os homens ouvem silenciosamente os gemidos do ar
com a alma quebrada, o corpo na altura
os pés e a cara de barro.
As jovens índias vão para o quintal, arrancam as camisas
oferecem ao vento seus seios nus, que ele cuida
de afiar como vulcões.