4 Poemas de Juan Sánchez Peláez (Venezuela, 1922-2003)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Juan Sánchez Peláez (Venezuela, 1922-2003). Poeta e diplomata. Um dos autores fundamentais da poesia venezuelana do século XX, cuja influência foi decisiva nas gerações subsequentes de poetas. Ele morou em vários países. De seus livros, vale destacar: Elena y los elementos (1951), Animal de costumbre (1959), Filiación oscura (1966), Un día sea (1969), Rasgos comunes (1975), Por cuál causa o nostalgia (1981), Aire sobre el aire (1989), Obra poética (2004). Por seu trabalho recebeu importantes prêmios e foi traduzido para vários idiomas. Visitem: http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2016/11/s44-viagens-do-surrealismo-juan-sanchez.html.

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Para muchos de nuestros críticos y también para muchos poetas, entre los cuales yo mismo me cuento, Juan Sánchez Peláez (1922-2003) es por excelencia, junto a J. A. Ramos Sucre, la figura emblemática por excelencia de la lírica venezolana contemporánea. No sólo por haber dado un aporte extraordinario a la poesía venezolana con su libro Elena y los elementos, publicado en l951  (y con sus libros subsiguientes), sino porque, de generación en generación, pasó a ser una referencia insustituible  para nuestra   moderna poesía a la hora de hablar de genealogías e influencias.  Referencia en especial para los poetas surgidos a fines de los cincuenta y comienzos de los sesenta. Referencia ineludible cuando se llegue a  analizar, como no se ha hecho hasta ahora, la vigencia de  esa vanguardia poética que apareció en Venezuela simultáneamente con los movimientos de arte nuevo y con la renovación de los lenguajes que experimentamos a comienzos de los años cincuenta. Juan nos remite, en cuerpo y obra,  a un magisterio ejercido con prudencia y arrojo, un magisterio lúcido que se tradujo también, y esto fue importante, en estímulo, fraternidad  y solidaridad para con los nuevos poetas, a lo largo de varias décadas, hasta hace poco, cuando Juan  se marchó a lomo de su último caballo, el más viejo. Para dónde? Para la tierra que algunos de sus versos maldijeron y patearon.  Juan fue, así pues, un maestro, sin pretenderlo y con gran modestia, delante de  los que, menores que él y con poca experiencia, descubrimos en su obra, cuando ella era desconocida para el resto de los poetas,  un lenguaje diferente, riguroso y a la vez profundo, subliminal, cuyo estilo novedoso en aquel tiempo, nos obligaba a una lectura más atenta y confiada que la que prestábamos al resto de la poesía de su tiempo. Lo interesante de esta observación es que la obra de Juan Sánchez Peláez nunca se depreció ni bajo en estima ante la mirada de los poetas más  recientes que continuaron leyéndolo con atención, con la misma atención que  a sus propias obras,   a través de los pocos libros  que lenta y castigadamente,  a intervalos regulares, fue publicando entre l951 y l989. De alguna manera, elocuente o tácita, los poetas de los años sesenta le estamos en deuda por el interés que él mismo, en tanto que  gran lector, prestó a nuestros trabajos, dentro de una camaradería que ni por asomo alcanzó  pretensión académica ni visos de adulante ingerencia.

Para muitos de nossos críticos e também para muitos poetas, inclusive eu, Juan Sánchez Peláez (1922-2003) é por excelência, junto com J. A. Ramos Sucre, a figura emblemática por excelência da poesia venezuelana contemporânea. Não só por ter dado uma extraordinária contribuição à poesia venezuelana com seu livro Elena y los elementos, publicado em 1951 (e com seus livros subsequentes), mas também porque, de geração em geração, ele se tornou uma referência insubstituível para nossa poesia moderna ao falar sobre genealogias e influências. Referência especial para os poetas que surgiram no final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Uma referência incontornável ao analisar, como não foi feito até agora, a validade dessa vanguarda poética que surgiu na Venezuela simultaneamente com os novos movimentos artísticos e com a renovação das linguagens que experimentamos no início dos anos 1950. Juan remete-nos, no corpo e na obra, a um ensinamento exercido com prudência e coragem, um ensinamento lúcido que também se traduziu, e isso foi importante, no encorajamento, fraternidade e solidariedade com os novos poetas, ao longo de várias décadas, até recentemente, quando ele partiu no lombo de seu último cavalo, o mais velho. Para onde? Pela terra que alguns de seus versos amaldiçoaram e chutaram. Juan foi, portanto, um professor, sem querer e com muita modéstia, diante daqueles que, mais jovens que ele e com pouca experiência, descobrimos em sua obra, quando era desconhecida do resto dos poetas, uma linguagem diferente, rigorosa e ao mesmo tempo profunda, subliminar, cujo estilo inovador à época, nos obrigou a uma leitura mais atenta e confiante do que a que demos ao resto da poesia de seu tempo. O interessante desta observação é que a obra de Juan Sánchez Peláez nunca foi depreciada ou rebaixada aos olhos dos poetas mais recentes que continuaram a lê-lo com atenção, com a mesma atenção que suas próprias obras, através dos poucos livros que lenta e dolorosamente, em intervalos regulares, foi publicado entre 1951 e 1989. De alguma forma, eloquente ou tácita, nós, poetas dos anos 1960, devemos a ele o interesse que ele mesmo, como grande leitor, deu às nossas obras, dentro de uma camaradagem que nem remotamente alcançava pretensão acadêmica nem tons de interferência lisonjeira.

JUAN CALZADILLA


ELENA E OS ELEMENTOS

Sozinho no fundo do furor. A Ela, que engana minha carne, que desperta meu osso, que soluça em minha sombra.

A Ela, minha força e minha forma, diante da paisagem.

Tu que não me conheces, aporta-me o esquecimento.
Tu que resistes,
resplendor de um grito, pernas em êxtase, eu te destruo sangue amigo, inimigo meu, cruel lascívia.

Nossas vozes de bestas infiéis trepando em um
quarto suntuoso sem portas ou chaves.
Quando me rasga um sopro náutico de abelhas, eu perco
teus óleos, teus ímãs, uma carruagem de esteiras no pomar.

Minha primeira comunhão é a fome, as batalhas.
Gira minha fronte em um aro, saltam meus olhos sobre a neve pacífica?
Florescem sinos melodiosos em um abismo de medo?

Depois, sem desígnio, o orvalho estende pelo mundo sua grande nostalgia de úmidos falcões.

*

Ao arrancar-me de raiz ao nada
Minha mãe viu, o quê?, não me recordo.
Eu saía do frio, do incomunicável.

Uma manhã descobri meu sexo, minhas costas queimantes, minhas lufadas de impossível primavera.

À sombra da árvore
de minha grande nostalgia já começariam a devorar-me, já começariam.

Sabes tu, Ondina ondulante do mar e alga efêmera da terra.
Um homem alto foi ao cemitério
Espantou um cão que latia
Sua camisa de força o estrangulava
Caiu estrangulado.

E eu revelei seu destino a todos os meus amigos
Aos que conheço sem saudar, aos que saúdo sem conhecer.

Eu dei morte ao estrangulado
Apesar dos signos de indelével fadiga.

Eu beirava cinco anos de vida
Uma cigarra me gerou no verão?

Era um dia maldito.
Minha mãe não conseguiu me reconhecer.

*

Mesmo a perfeição, os sinos tosquiados.
Mesmo quem te subjuga, Oh tu, Hóspede turbado, Tua máscara se rasga, Teu dedo é um rouxinol levíssimo.
Perfura uma chama oculta: Sobressai teu corpo, teu pudor, tua vigília.
Grandes herméticos antepassados meus erguem meu coração carnívoro de lagosta.
Sobe-me à claridade. Sou um símio abjeto que necessita perdão.
Um búfalo que desce no horto leproso sobre o espinhaço aceso do arco-íris.

Sobe-me à claridade.

A noite é uma ilha perdida na vertiginosa virada de teus corpetes.

Céu crispado do amanhecer, altos cumes;
Terra minha e orvalho dos papagaios e folhagens fulminantes dos pombos siderais;
Extensos braços benevolentes;
E tu, rosa aberta para meu desejo.

*

Eu atravessava as negras colinas de um desconhecido país.
Eis aqui o espetáculo:
Eu era lúcido na derrota. Meus antepassados me entregavam as armas do combate.
Eu evitei o universo por uma grande injustiça.
Tu que me escoltas até uma distante eternidade:
Oh rogo na aurora, cumes de luto, portas que franqueiam quebra-mares de névoa.
Salva minhas hostes feridas, verifica um ato de graça em meus declives.
Porém, o que vejo eu, extenso em um mato de tílias imberbes? Cai uma geleira lânguida no gramado.
O mármore se despede do homem porque este é uma estátua irreverente.

*

Brandindo um punhal de vidro entre as têmporas
Passeiam os soldados, os ferreiros, as raças de cor, as mulheres melancólicas
Pelos pardos canais do arco-íris, encalhados em ribeiras de bruma
na aventura celeste dos cinematógrafos, no pequeno monumento das aves estelares.

Um sonho nos torna distintos da realidade
Um morcego desconhecido nos fez visíveis à vida.

E depois, te lembras?
Eu me lembro
Tua mãe subjugada por teu pai.
E depois, te lembras?
Eu me lembro
Todas as mães do mundo subjugadas por todos os pais do mundo.
E depois, te lembras?
Eu me lembro
Todas as mães do mundo divorciadas de todos os pais do mundo.

E no primeiro dia davam palmadinhas em teu ombro
E no segundo dia davam palmadinhas em teu ventre
E no terceiro dia davam palmadinhas em tua fronte
E no quarto dia não tinhas ombro
E no quinto dia não tinhas ventre
E no sexto dia não tinhas fronte
Senão enigmas inválidos, enigmas à flor da pele.

Tu seguias minha rota: O dilúvio de meus beijos à deriva na via láctea
A asa colérica de meu sangue
Um bando de rubros insetos roedores de treva.

Tu me dizias: “Em cima do céu há uma encruzilhada de bosques feéricos
Em cima da neve está o cadáver taciturno de minha língua
E a magia do mundo nos braços abertos do amor”.

Botes bélicos de meus pés vegetais
Com um sino submerso estrela do vinho
Nomes estranhos, rios
glaciais, vertentes impalpáveis
cavalos de flanela com dois dedos de fronte
que uma mulher desnude sua alma
seu corpo e sua alma
na beira dos astros pestanejantes

Que construa com golpes martirizantes de esquecimento
um fantástico jardim com bêbadas salamandras.

Nada é teu, nada pode socavar tua sede terrestre
Nada é meu, senão perfuração de morte, senão escombros indispensáveis para que negligentes, esquecidas forças orgânicas cantem sua iluminada redenção.

Pão de leite da lua, obscuro tremor dos cereais
Precipícios de nuvens que afogaram meu rosto adormecido entre as águas
Declara-me vazio em minha trégua, em minha loucura
Declara-me culpado.
O dedo perfumado do ar
Aponta as orelhas dementes do amor.

Tu franzes o cenho, és honorável
tu escutas música nos canhões de pólvora do firmamento.

Quando um navio silencioso corte em duas a paisagem cruel de meus lábios
Quando se extingam minhas vísceras encontrarão um grito perdido.

As plumas perfumadas de um taciturno gavião.
Um mundo hostil.
Um mundo desaparecido.
Encaixes azuis que flutuaram à mercê do lodo e da chuva
Um inseto na mesa dos burgueses
Animais estúpidos que arrastam túmulos sombrios
Enigmas inválidos
Enigmas à flor da pele
Lembranças de estrelas estéreis
Negros túneis de felicidade distraída
Cães domesticados
Cães de luxo, melancólicos e melífluos
Sobreviventes surdas e defuntas melodias suspirando um ar de tíbia lavanda
Enquanto minhas têmporas terrestres desconhecem
Teu vestido de nácar
Onde não aparecem as chaves
Do Extermínio.

*

Quantas vezes afogado por teus braceletes mágicos,
As palmeiras sonoras da chuva me desatam?
Estendo-me sobre a fonte cinza de um soluço.
As águas no sonho têm outro âmbito, mais pleno.
Quantas vezes minha fidelidade é prisioneira de teus olhos?
Até onde seu grito de mulher, Oh Noite, para erguer em mim esta abóbada de sede, meu primitivo desejo?
Se seu corpo é jovem e tranquilo,
Ela se adianta às minhas pálpebras, com o salto de um jaguar.
E golpeia com seu sangue meus braços.
Lançada em meu zênite.

Tu que foges até um dia de sol,
Escuta-me.
Escuta-me.
Esta árvore não é uma árvore.
Este muro não é um muro.

Então deslizei em minha boca as pétalas dúcteis de teus seios.
Isso foi tudo.
Como uma tocha que ardia e ardia.


LENDA

Minhas inimigas prudentes, minhas luvas que decapitam dias
chuvosos, um vale negro para a fuga de minhas têmporas.
À noite multidão de pássaros e bois invadiram estas
ruas submissas. Eu olhava e me dizia: “Sob a tempestade
uma roca fia delgadas crianças, o demônio enlouquece as
águas taciturnas”. À noite eu ainda não havia nascido. Dali
o desfile, as núpcias terrivelmente distantes, o parque de
fulminante orvalho.

Não existimos; no entanto, o mar aplacaria tua graciosa
cabeleira, e os rebocadores içariam tulipas flamejantes
para abreviar em teus lábios desfeitos pelo amor.


BELEZA

Interrompida minha conversa, volto a falar contigo de partida e regresso. Tudo se deu como um voo de pássaro, beleza: às vezes mundo compacto, fechado e livre. Ao abrir os olhos na chama fria, era um pequeno e ufano papagaio: eu te busquei de verdade, lambia na sombra teus ossos, santa cadela. Embora me ausentasse de ti, embora me cobrisse o ridículo, embora estivesses além do resplendor que me envolve; talvez próxima da baía, em pleno mar de verão, em meio às palmeiras reais.


[CÉSAR MORO, BELO E HUMILHADO]

César Moro, belo e humilhado
tocando uma harpa nos arredores de Lima
me disse: entra em minha casa, poeta
pede sempre ar, céu claro
porque há que morrer algum dia, está entendido
há que nascer, e já estás morto
o chão ficará aqui sempre, amplo e mudo
porém morrer da mesma família é haver nascido.

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