4 Poemas de Miroslava Rosales (El Salvador, 1985)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Miroslava Rosales (El Salvador, 1985). Professora da Universidade de El Salvador. Faz parte da Direção Nacional de Pesquisas em Cultura e Arte e do comitê editorial da revista ARS. Seu trabalho está presente na antologia Novas vozes femininas de El Salvador (2009), do escritor Manlio Argueta, publicada pela Editora da Universidade de El Salvador; em Uma madrugada do século XXI (2010), seleção, prefácio e notas por Vladimir Amaya; em As pérolas da manhã seguinte (2012), antologia do workshop literário El Perro Muerto; e nas revistas Palavras Malditas, Periódico de Poesia, Corónica, A Comunidade Inconfessável, Big Sur, Cuadrivio, Ariadna-RC, GRUNDmagazine, Paperfront Magazine, Norma Jean Magazine, Excodra, Kokoro, La Hoja de Arena, Río Arriba, Rojo Siena, Síncope, Ars, Cultura, Analecta Literaria e Contracultura.


a vinda do incerto
pequeno
mas estou aqui para abrir o livro das estrelas carbonizadas e das anêmonas do mar
que em breve terás que decifrar com tua língua
com teus pequenos dedos ainda limpos
com tuas lágrimas
a sinfonia da vitória que aprendeste na infância será sepultada no momento menos esperado
tudo o que te acolhe será destruído
e não haverá mais mãos além das tuas para desenterrar os milhares de mortos atrás de ti
para que descubras as ruínas que ocultam a bestialidade

pequeno cosmo
como pude trazer-te
a esse silêncio interrompido apenas pelos tiros nas ruas
os uivos
os protestos
as milhares de detonações por segundo e
as sirenes das ambulâncias e os alarmes das lojas e os lamentos das mulheres de branco que beijam a última palavra de seus filhos após uma festa que era apenas a véspera de uma tempestade de navalhas sem fim
há tantas partículas de medo se espalhando pela atmosfera nesta cidade erodida esquecida por uma mão gentil que a eleve, uma mão que acaricie seu corpo sem beleza
(são decapitados como bonsais nas praças e ninguém se assusta
as mulheres abrem suas pernas para os lobos e ninguém as lembra)

pequeno, estou aqui
com minhas mãos prestes a cair em um poço de escorpiões
com meu cabelo sem a vivacidade dos peixes e dos arco-íris
caminhei tanto sobre a ferrugem e os porões que minha voz já não é da textura do céu, nem da prata, nem de uma nascente turquesa
não entoo a esperança
nem tenho moedas em meu coração para te ofertar
nem os girassóis tecem meus sonhos com delicadeza
mal posso te contar isso, o que saberás muito bem quando cresceres, quando finalmente puderes entrar no incerto
porque lá fora encontrarás apenas uma estação de geada para teus pés
uma estação onde terás que aprender a dormir, a acordar
                                                                                                       a entrar em elevadores ilusórios
a ser mais um habitante com um código de fabricação
                                                                                    e voltar a cada dia tão rígido quanto aço para teu refúgio

pequeno amor
em meus braços balbucias
e pareces tanto um pardal envolto em claridade apesar de tanto sangue
tanto lamento que se espalha como células malignas
e ainda assim
és a relva verdejante de um amplo pátio que recebeu tantas vezes a chuva
acalanto-te
beijo-te como as ondas beijam as pedras na areia negra
mas meu cuidado não durará muito tempo
e então
do paraíso restarão apenas ossos no esgoto da memória


correio eletrônico a um rapaz de outro continente em proclamação do amanhecer, enviado numa madrugada chuvosa após ler o poema “nostalgia do presente”

[do Pacífico]

vens da cidade de areia
com uma clareza de antologia
teu corpo tem gosto de mazapã e nêspera
ao chá de camomila das tardes arejadas
à essência dos bolos da infância
ao saxofone de choro transparente
de tuas gotas foi criada a alvorada a geada
a diminuta onda que beija minhas pegadas
sempre que pronuncio teu nome
                                                                      de harmonia
                                                                                                                          de vaga-lumes
sou um pátio de girassóis alcoolizados
és um vendaval
                                  uma descarga elétrica
o murmúrio em meu centro delirante
a cocaína que poderia consumir até minha destruição

em ti renascem
as árvores amarelas do verão
os rios do silêncio e do mel e do sal e do deslumbramento

tu
tambor radiante
jardim de espinhos
                   sândalo
manancial portentoso do meio-dia
uma fenda a rosa em minha boca
piano que toco no inverno dos enforcados

chamo-te leopardo do amanhecer
do alto
com um coração cúpula do vento e o âmbar
do alto dos escombros
com minha fúria de lava vulcânica e precipício
hoje que estás além do Atlântico


vasta terra de cítricos e oliveiras

eros sacudiu
meu coração como o vento se lança sobre o monte de carvalhos
assim me dizes nesta noite de cães sarnentos
tuas palavras moedas reluzentes em minha página
minha língua se quebra em silêncio
quando vens do golfo
                                                    do bosque incendiado
safo
mulher aurora de raízes resistentes
mulher lua telúrica sob minha língua
pétala branca sobre a relva
mulher alga marinha
árvore copiosa de pardais

safo safo safo safo safo safo

eros
                 te mordeu a cada instante
te afrouxava as pernas
                                                                 o agridoce deus sem limite
invencível em teu ventre habitava dia após dia
deus dos orvalhos e vulcões

safo safo safo safo safo safo

a inalcançável
impossível saber-te por completo
vasta terra de citrinos e oliveiras
ilha iluminada
mediterrânea sabes em minha boca

safo safo safo safo safo safo

choras na penumbra como um saxofone
pela partida da moça de cabelos alaranjados
vestida com um vestido de lantejoulas e colar vermelho
quebrada na espera de seu riso
                                                    de sua dança de leite e nascente
sempre voltas à cidade onde lhe cantavas
mulher de peixes amarelos e névoa perfumada

safo safo safo safo safo safo

vem tu costa fecunda de clareza
da turbulência de teu coração cheio de macieiras e violetas
vem a mim com a transparência de teu corpo
                                                                                      altíssimo como as antenas desta cidade
mulher doadora de mel e tempestades elétricas no mesmo copo


carta de Medeia a partir de um café
jasão,
                  segui-te para uma terra estranha cheia de facas e balas
uma terra com uma linguagem de violinos em declínio
                                                                                                    e baleias de luto

que grande desgraça são os amores para os mortais!

o inverno cresce neste café de janelas longas e homens de alumínio
quando recordo as tuas promessas
                                                                     hoje lançadas na trituradora
eu, que sou herdeira do sol e dos relâmpagos
não posso erguer o rosto em busca das constelações
minha palavra caiu no ácido
o que aconteceu com as minhas fontes de girassóis
                                                                                    dos meus árvores resistentes aos tremores de terra
das verbenas do meu pátio e das vaga-lumes e da brisa
                                                                                                                       dos meus pétalas
                                                                                                                                        da ondulação do meu ventre
do extenso bordado do meu coração com lantejoulas?

eu,
                      a leoa em vigília a adaga a conhecedora de venenos
dilacerou o meu irmão
atravessei o Atlântico
com um coração em óbvio declínio
tudo por tua palavra tua cabeleira tuas pegadas

que grande desgraça são os amores para os mortais!

Jasão, dividiste-me em fatias com a tua perfídia
o coração ferido pelo amor
                                                   sem refúgio
                                                                      nem alicerces
                                                                                                        deixaste-me
                                                                                                                            sob a chuva

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